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OAB não agiu contra decisão de Alexandre de Moraes sobre empresários que teriam cogitado golpe.| Foto: OAB

Quase um mês depois de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizar mandados de busca e apreensão contra oito empresários com base em mensagens privadas de WhatsApp, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), principal entidade de representação dos advogados no país, continua sem agir contra a decisão.

Entre as finalidades da existência da OAB, segundo seu estatuto, está a de defender a Constituição, “a ordem jurídica do Estado democrático de direito” e “os direitos humanos”, além de “pugnar pela boa aplicação das leis”.

No dia 31 de agosto, oito dias depois da operação policial contra os empresários suspeitos de articular um suposto golpe de Estado, a OAB promoveu em sua sede nacional em Brasília um seminário com o tema “Defesa da Liberdade de Expressão no Estado de Direito”. Um dos palestrantes, o jornalista Fernando Rodrigues, chegou a criticar alguns aspectos do inquérito das fake news, mas, entre os representantes da OAB presentes, nenhum abordou a decisão de Moraes, que havia sido publicada na semana anterior e tinha evidente relação com o tema do seminário.

Procurada pela Gazeta do Povo para se manifestar sobre o caso, a OAB enviou a seguinte nota nesta sexta-feira (16): "A Ordem tem compromisso em defender as prerrogativas dos advogados que atuam no caso e, se necessário, atuará nesse sentido, assim como já faz em favor de outros profissionais que atuam nos inquéritos que investigam fake news e ataques à democracia. A OAB mantém sua postura histórica de não comentar casos concretos."

Para Alessandro Chiarottino, doutor em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo (USP), a nota enviada pela OAB à reportagem “é apenas um diversivo para distrair a atenção de sua essencial omissão no caso”.

A OAB se manifestou prontamente em casos recentes relacionados ao STF quando o principal alvo de críticas era o presidente Jair Bolsonaro (PL). Em abril, por exemplo, posicionou-se oficialmente pela inconstitucionalidade do decreto de Bolsonaro que concedeu indulto ao deputado Daniel Silveira (PTB). Em nota publicada dias antes de adotar essa posição oficial, a entidade já havia comentado o caso dizendo que “o descumprimento de decisões judiciais é extremamente preocupante para a estabilidade do Estado de Direito”.

Em julho, quando Bolsonaro se reuniu com embaixadores para falar sobre suas suspeitas em relação ao sistema eleitoral brasileiro, a OAB emitiu uma nota apenas um dia depois afirmando que reiterava “sua confiança no sistema eleitoral brasileiro, na Justiça Eleitoral e no modelo eletrônico de votação adotado em nosso país, reconhecido internacionalmente como eficiente e confiável”.

Juristas e advogados criticam omissão da OAB

Segundo o advogado Adriano Soares da Costa, especialista em Direito Eleitoral, é equivocada a ideia de que a OAB mantém – como diz a nota – uma “postura histórica” de não comentar casos concretos. “A Ordem historicamente sempre se posicionou”, diz. Para ele, o silêncio da OAB sobre a violação de garantias constitucionais é “lamentável” e “sem dúvida alguma fere a sua tradição e o seu histórico compromisso com a cidadania e o pleno exercício desembaraçado dos direitos políticos”.

Para Alessandro Chiarottino, a omissão da OAB no caso de Moraes é “a última de uma série” em relação ao Judiciário, e “uma das mais graves”. “Em primeiro lugar porque, desta vez, foram atingidas pessoas que não são políticos profissionais. São empresários, cidadãos comuns. Depois porque, desta vez, não se tratou de declarações públicas, mas de conversas num grupo de WhatsApp”, diz. “Tivemos violações de várias ordens: violação à intimidade, ao direito à liberdade de expressão… e a OAB se calou. Foi um procedimento absolutamente abusivo determinado pelo STF contra cidadãos comuns, fora das lides políticas. Portanto, dentre todas as omissões que podemos listar dos últimos anos, essa me parece uma das mais graves”, acrescenta.

O advogado especialista em compliance Jorge Derviche Casagrande, que foi um dos signatários de uma nota pública repudiando a decisão de Moraes, diz se sentir “triste e envergonhado pelo silêncio” da entidade. “A janela que o Judiciário tem para a realidade é o advogado. Por isso, nos ordenamentos de tradição jurídica ocidental moderna, o advogado, principalmente pela sua independência, é sempre indispensável à administração da Justiça. Diante de medidas autoritárias, despropositadas e atentatórias a todos os valores democráticos, a OAB deveria ser a primeira a se manifestar, e não o fez”, afirma.

Para Casagrande, o motivo da omissão é “um aparelhamento institucional da OAB”, que conta com “advogados que se profissionalizaram em ser dirigentes da OAB para atender a interesses pessoais”. “Antagonizar as vontades viscerais de um ministro do STF não convém a interesses particulares dos dirigentes, e assim a OAB deixa de realizar sua missão, pelo afã de seus dirigentes em garantir um agradável café da tarde com ministros ou a possibilidade de despachar em seu gabinete sobre um de seus clientes”, opina o advogado.

Na visão dele, a OAB “se apequena e, diante de atos flagrantemente inconstitucionais e autoritários, escolhe se limitar às atividades cartoriais e equiparar-se a um mero sindicato, um sindicato de beca”.

O advogado especialista em Direito Civil Miguel Vidigal, que representa Ivan Wrobel, dono da W3 Engenharia, no processo contra os empresários, diz que ainda não acionou a OAB para que ela atuasse em defesa das prerrogativas da profissão, mas aponta “um problema sério a ser enfrentado” no caso: “Os patronos da ação, cada vez que precisam ter acesso aos autos, devem fazer um novo pedido autônomo de vistas, aguardar deferimento, marcar agendamento e só então se dirigir ao gabinete do ministro relator, para enfim poder ter acesso aos autos. É curiosa toda essa burocracia, pois o processo todo, apesar do sigilo, vem sendo difundido pela imprensa. Houve decisão que foi difundida pela imprensa antes mesmo de sermos intimados dela”, critica.

“Não me recordo de paralelo em outros processos do STF, e me parece que é uma prática inovadora que atinge não somente as prerrogativas dos advogados como também os princípios da agilidade processual, o contraditório e a ampla defesa”, acrescenta.

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