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O médico Frederico, o engenheiro elétrico Renam e o agricultor Jorginho estão entre os presos com comorbidades.
O médico Frederico, o engenheiro elétrico Renam e o agricultor Jorginho estão entre os presos com comorbidades.| Foto: Imagens/Arquivo pessoal

Assim como ocorreu com o comerciante Cleriston Pereira da Cunha — que passou mais de 10 meses no Complexo Penitenciário da Papuda enfrentando graves problemas de saúde —, outros presos pelos atos de 8 de janeiro e na operação Lesa Pátria da Polícia Federal (PF) também possuem comorbidades como doenças cardíacas, pré-diabetes, suspeita de câncer, toxoplasmose, tímpano perfurado e até uso de sonda para urinar.

Segundo informações da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape), 44 homens ainda estão presos desde o dia 8/1, e seis deles têm mais de 50 anos. Uma mulher também segue encarcerada na Penitenciária Feminina do Distrito Federal, e dezenas de pessoas foram detidas nos meses seguintes. A Gazeta do Povo solicitou informações a respeito da situação de saúde deles, mas não obteve retorno.

Um relatório emitido na última semana pela Defensoria Pública do Distrito Federal, no entanto, apresentou situações de comorbidades graves envolvendo os presos do 8/1. Em uma das citações apresentadas, um preso de 49 anos conta que possui estreitamento do ureter e precisa usar sonda para urinar.

“A sonda lhe é entregue, e ele próprio passa, com muito sofrimento físico”, descreve o relatório, ao citar ainda que o homem já teve infecções, necessita de acompanhamento com urologista e de medicamentos. Ele tem quatro filhos, e o mais novo tem 12 anos.

Outro caso divulgado pela Defensoria é de um idoso que atua há 35 anos como médico e possui hipotireoidismo, arritmia cardíaca, fibrilação colateral crônica, pré-diabetes e dislipidemia (alta taxa de gorduras no sangue). O órgão não divulgou o nome do preso, mas familiares e advogados consultados pela reportagem confirmaram que se trata do clínico geral Frederico Rosário Fusco de Oliveira, de 60 anos.

De acordo com a advogada Carolina Siebra, Frederico foi preso no dia 8 de janeiro, após ajudar uma pessoa que estava passando mal nos arredores do Palácio do Planalto e ser convidado pelos policiais para se abrigar no interior no prédio. “Os policiais pediram para ele entrar porque o ambiente estava inóspito por conta das bombas de efeito moral”, relatou a advogada, informando que o médico foi aprisionado momentos depois e está há quase 11 meses na Papuda. “Ele já perdeu 15 kg e suas doenças estão se agravando”, alerta.

Documentos enviados pela defesa ao ministro Alexandre de Moraes com laudos e receitas médicas apontam que Frederico “é portador de grave cardiopatia com histórico de arritmia", o que pode "desencadear parada cardı́aca e acidente vascular cerebral embólico”. O idoso, natural do Rio de Janeiro, sofre ainda com crises de ansiedade e insônia, e sua situação de saúde foi apresentada ao “ministro relator pelo menos dez vezes”.

“Ele corre risco de morte por conta das comorbidades e temos feito de tudo para conseguir revogação da prisão”, informa a advogada, ao comentar que “o gabinete do ministro Alexandre de Moraes é o único que não recebe a equipe de defesa, contrariando o que prevê o Artigo 7 do Estatuto da Advocacia”, explica Carolina.

Inclusive, ela informa que recebeu na última quarta-feira (23) parecer favorável da Procuradoria-Geral da República (PGR) recomendando liberdade provisória para o médico — mesmo documento obtido pelo empresário Cleriston Pereira da Cunha em agosto, quase três meses antes de sua morte.

Além do caso de Frederico, a Defensoria cita que um preso do 8/1 está com suspeita de câncer no fígado. Há ainda outro com toxoplasmose que afirma não receber medicação para a doença, e existem presos do 8 de janeiro com problemas como hérnia de disco, estreitamento de quase 70% na coluna cervical e grave sofrimento mental.

Preso de 63 anos com oito pinos na coluna e depressão grave

De acordo com a advogada Shanisys Martins, o agricultor Jorginho Cardoso de Azevedo, de 63 anos, está entre eles. Natural de São Miguel do Iguaçu, no Paraná, o idoso sempre trabalhou na roça, vive com a esposa, e cuida do pai de 90 anos. Conforme localização apresentada em seu telefone celular, ele chegou a Brasília no final da tarde do dia 8 de janeiro e seguiu para a Praça dos Três Poderes pouco antes das 19h, quando foi preso com os demais manifestantes no local.

“Ele não participou do acampamento e nem da suposta invasão à sede dos Três Poderes”, pontua a advogada, ao citar que o homem também é acusado de “financiar os atos” porque o ônibus em que viajou foi alugado em seu nome. “As pessoas dividiram todos os gastos, e ele repassou à empresa de ônibus”, explica a advogada, ao citar que o idoso está na prisão há quase 11 meses, possui graves problemas de saúde e precisa de acompanhamento psicológico e psiquiátrico urgente.

De acordo com laudos médicos enviados pela defesa ao STF, Jorginho possui diversas comorbidades na coluna, inclusive oito pinos metálicos devido a uma lesão grave. “Seu estado de saúde é crítico, devendo ser submetido a tratamento médico contínuo”, informa o documento, que cita risco de paraplegia sem atendimento adequado.

Exames médicos mostram os oito pinos que o agricultor Jorginho Cardoso de Azevedo, de 63 anos, tem na coluna. Imagem: Arquivo pessoal/ Jorginho Cardoso de Azevedo
Exames médicos mostram os oito pinos que o agricultor Jorginho Cardoso de Azevedo, de 63 anos, tem na coluna. Imagem: Arquivo pessoal/ Jorginho Cardoso de Azevedo

Além disso, a advogada cita que as fortes dores e o ambiente ao qual o homem está exposto sem ter cometido crime algum prejudicaram sua saúde mental. “Seu Jorginho está com depressão grave e crises de pânico frequentes”, relatou outra integrante da equipe de defesa, a advogada Gislaine Alves Yamashita. Infelizmente, “ele tentou contra sua vida o final de semana todo”, confidenciou à Gazeta do Povo nesta segunda-feira (27).

Segundo ela, a situação piorou após a morte do Cleriston, que era colega de cela do agricultor e conversou com ele minutos antes de falecer. “Seu Jorginho ficou transtornado e, em nossa última reunião, começou a bater a cabeça no vidro e a dar chutes pedindo, pelo amor de Deus, que o tirássemos dali”, completou. “A situação é extremamente delicada”.

Presos da Operação Lesa Pátria também apresentam comorbidades

Assim como ele, o engenheiro elétrico Renam da Silva Sena, de 60 anos, também tem problemas de coluna e depressão. “Ele sente muita dor e não consegue dormir porque usava objetos específicos para deitar antes da prisão”, relata a advogada Rannie Karlla Ramos, que protocolou novo pedido de liberdade provisória na última semana para que o idoso receba tratamento em casa, na cidade de Brasília.

“Já fiz pedido de atendimento especializado para ele, mas não adianta”, revela a advogada, que viu o quadro de saúde do goiano piorar na última semana. “Ele está com dores, vê vultos e tem bloqueios mentais intensos”, afirma, ao citar que o homem foi preso na Operação Lesa Pátria dia 20 de janeiro por ter gravado vídeos pedindo doações de alimentos para o acampamento em frente ao Quartel-General de Brasília. “Ele nem estava lá”.

Outro preso durante a operação da PF foi o jornalista e guarda municipal Joelson Sebastião Freitas, de 47 anos, que segue preso desde 17 de março. De acordo com seus advogados, o morador de Foz do Iguaçu, no Paraná, “sofre de hipertensão, possui uma hérnia e está com o tímpano perfurado, sentindo dores de ouvido fortíssimas”.

“E ele tem a guarda definitiva da netinha de dois anos, que depende dele, então obteve parecer favorável da PGR para sua liberdade em junho, mas que foi negado por Moraes”, informa a advogada Tatiana Zenni, ao citar que um segundo parecer foi emitido pela Procuradoria-Geral no mês de setembro, mas também foi indeferido.

Segundo a defesa, Joelson atuou como repórter durante as manifestações de 8 de janeiro e fez um vídeo na rampa do Planalto mostrando que havia sangue no chão. “Essas imagens foram vinculadas por uma emissora e, por isso, ele está preso a mais de 250 dias”, conta a advogada, informando que o homem está a cerca de 700 quilômetros de casa — no Complexo Médico Penal (CMP), em Curitiba — e, como não tem mais a quem recorrer, iniciou uma greve de fome nesta segunda-feira (27).

“Ele nem mesmo vai continuar com sua medicação diária controlada, como parte do protesto autoimposto”, relata sua esposa, Marisa Aparecida Aires Nogueira, ao afirmar que a ação também é por Cleriston e os demais presos do 8 de janeiro. “Joelson clama ao Sr. Alexandre de Moraes por esta indulgência para si e seus pares presos pelo Brasil”, finaliza em carta aberta enviada à Gazeta do Povo.

Trecho da Carta Aberta escrita pela esposa do preso Joelson Sebastião Freitas. Imagem: Reprodução
Trecho da Carta Aberta escrita pela esposa do preso Joelson Sebastião Freitas. Imagem: Reprodução
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