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Processos no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com motivações políticas se tornaram comuns nos últimos meses.| Foto: Ana Araújo/CNJ

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) está fechando o cerco contra juízes que manifestam opiniões políticas direitistas, participam de grupos com esse viés em redes sociais, criticam a atuação da cúpula do Poder Judiciário ou emitem decisões judiciais que favorecem apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Processos desses tipos têm se multiplicado nos últimos meses.

No dia 31/10, o CNJ começou o julgamento de Wauner Batista Ferreira Machado, um magistrado da Justiça de Minas Gerais que, em 6 janeiro deste ano, autorizou manifestações da direita em frente a um batalhão do Exército em Belo Horizonte. O corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, que é relator da ação, votou pela abertura de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra o juiz. O presidente do CNJ, Luís Roberto Barroso, fez um pedido de vista, e o julgamento foi suspenso.

No mesmo dia, o CNJ abriu um PAD contra o desembargador Marcelo de Lima Buhatem, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ). Ele é acusado, entre outras coisas, de publicar conteúdo político-partidário, de disseminar fake news e de "possível participação, estímulo ou incitação em movimentos antidemocráticos". Na justificativa que serviu para a instauração do PAD, a única frase de Buhatem usada para embasar a acusação de disseminação de fake news é: "Lula é convidado de honra do Comando Vermelho", que ele postou somente no WhatsApp.

Em fevereiro deste ano, a juíza aposentada Ludmila Lins Grilo foi afastada pelo CNJ de seu cargo na Vara de Infância e Juventude de Unaí (MG) por motivos semelhantes. Em maio, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais aposentou compulsoriamente a juíza, que optou por não recorrer da decisão. Nas redes, ela fazia críticas ao inquérito das fake news, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Os dois últimos casos citados têm uma coincidência: em ambos, além das motivações políticas, o CNJ agregou outras questões disciplinares aos processos, que serviram ao propósito de dar um ar mais técnico às decisões de afastamento. No caso de Ludmila, alegou-se que ela teria agido com "desleixo" na condução de seus trabalhos como magistrada; no de Buhatem, acusou-se morosidade na condução de alguns processos, que estariam "irregularmente paralisados por anos".

Em setembro, o CNJ afastou o juiz Marlos Melek, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 9ª Região porque o magistrado participou de um grupo WhatsApp em que se faziam críticas ao STF e ao TSE. O órgão também abriu um PAD contra Melek.

O juiz participava do grupo “Empresários & Política”, o mesmo que gerou a investigação contra empresários como Luciano Hang e Afrânio Barreira durante as eleições de 2022. Para o CNJ, Melek deve ser investigado porque poderia ter interagido com conteúdos considerados golpistas e ofensivos contra as instituições, o que justificaria uma punição.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi criado em 2004 com o objetivo de garantir integridade, proporcionar transparência e evitar corrupção no Poder Judiciário. Entre suas atribuições mais importantes está, por exemplo, a de coibir a prática da venda de sentenças, uma das espécies de corrupção mais comuns nos tribunais brasileiros.

Juristas têm criticado, contudo, a crescente politização do órgão, que é presidido sempre pelo presidente do STF – atualmente, o ministro Luís Roberto Barroso – e tem como corregedor nacional um membro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) escolhido pelo presidente da República – hoje, o cargo é exercido pelo ministro Luis Felipe Salomão.

Para ex-corregedora Nacional de Justiça, casos do CNJ parecem perseguição política

Na visão da jurista Eliana Calmon, ex-corregedora nacional de Justiça, casos como os de Wauner Machado, Marcelo Buhatem, Marlos Melek e Ludmila Lins Grilo parecem ser motivados pela crescente politização do Poder Judiciário brasileiro.

Os magistrados, segundo ela, estão sendo tratados "como cidadãos brasileiros menores, sem capacidade de manifestar o seu pensamento, mesmo que este pensamento não seja político, mas só um pensamento divergente". "As divergências existentes em qualquer sociedade democrática são o que faz com que o Estado Democrático de Direito se sustente, porque as divergências existentes no terreno das ideias, no terreno do pensamento, naturalmente, são o que faz crescer a verdadeira ideia de democracia", afirma.

A atitude de escrutínio implacável contra certos juízes por suas manifestações de opinião, para a ex-corregedora nacional, é ainda mais estranha quando se leva em conta o comportamento de magistrados da própria cúpula do Judiciário, que têm sido muito pouco comedidos em seus comentários públicos. Ela cita o caso de uma fala recente do ministro Gilmar Mendes, que atribuiu a eleição do presidente Lula em 2022 à atuação do Supremo. Para ela, quando a própria Corte não dá exemplo de comedimento em manifestações sobre política, é contraditório exigir isso de juízes de instâncias inferiores.

"Ora, o Supremo Tribunal Federal, como cúpula do Poder Judiciário, é quem nos dá o exemplo, é quem nos ensina a lição, e é, no dizer comum, quem nos dá o diapasão do comportamento dentro da magistratura", observa.

Eliana sustenta, além disso, que não há nada de errado em que um juiz manifeste suas opiniões políticas. O que não se pode fazer, de acordo com a Lei Orgânica da Magistratura, é exercer atividade politico-partidária.

"Muitos dos procedimentos que hoje estão em andamento, e muitos dos magistrados que foram inclusive afastados do cargo, [sofreram isso] porque manifestaram opiniões que são absolutamente pessoais, que nada têm de política partidária", diz.

Para ela, a tendência do CNJ de perseguir alguns juízes por seus posicionamentos políticos é um reflexo do comportamento do próprio STF, que tem tido uma atuação cada vez mais ideológica. "Naturalmente que toda a estrutura do Poder Judiciário é um reflexo daquilo que é o Supremo Tribunal Federal", afirma.

Deixou de ser prioridade, na opinião dela, o combate à corrupção, na medida em que as questões ideológicas têm dominado a atuação do CNJ. "Hoje, os processos que têm andamento rápido, célere, no Conselho Nacional de Justiça são todos eles voltados para comportamento, vamos dizer assim, 'ideológico' da magistratura, e não para o problema de corrupção dentro do Poder Judiciário. Isso não é prioridade", lamenta.

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