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Movido pela publicidade e pela inveja, esses dois motores maravilhosos da produção de riquezas, comprei um smartfone, ou, cá entre nós, um "telefone esperto". Mas, admirando aquele monolito mágico como um camponês da Idade Média diante da pedra filosofal, me dei conta de que só uso o telefone nos momentos de emergência, o que, felizmente, não me tem acontecido há anos. Assim, comecei a desbravar as outras utilidades do aparelho, que são muitas. Por ele posso saber instantaneamente como está o tempo. Numa madrugada insone, cliquei na maquininha e apareceu "0 grau", sensação térmica de -2, ventos SSE a 5 km por hora, umidade a 41% e pressão de 956 mb. E estou a 923 m de altitude. Devidamente informado, voltei a dormir.

Mas as vantagens não param aí. Um amigo me passou um "aplicativo" – meu vocabulário deu um salto de especialização – que lê rótulos de vinho, fotografados na hora, e passa a ficha do produto, com comentários, "links" para facebook, faixa de preço, safra etc. Estou atrás de um programa para rótulos de cerveja, minha área preferencial de lazer com o futebol, mas não encontrei ainda. Para o futebol é uma maravilha: a todo instante confiro a classificação da série A, com o Atlético Paranaense no lado de cima da tabela, que eu fico contemplando, feliz, admirado pelo poder da tecnologia. O aparelhinho é também GPS – e se você apontar para o céu, à noite, ele dá o nome das estrelinhas. Outro clique e vira uma bússola transada. Mais um clique e se transforma em lanterna, com uma luz irada. Andei procurando uma tesourinha embutida para as unhas, mas não tiveram essa ideia ainda.

E, é claro, leio notícias. Você vai até se acostumando àquele formato lilipute. E o Brasil anda animado por esses dias. Acompanhei a aventura do Indiana Jones da diplomacia brasileira, que resgatou da Bolívia um asilado político. E vi a resposta furiosa da nossa presidente. Vício de ficcionista, interpretei pela psicanálise: o exagero da reação deixou trair uma admiração secreta pela aventura rocambolesca do subordinado; em outros tempos, ela, no lugar dele, teria feito o mesmo. Do Congresso, acompanhei também a moderna criação do "deputado presidiário". Outro clique no telefoninho e vi a reação rancorosa das entidades brasileiras de medicina à importação de médicos. Países ricos importam mão de obra desqualificada porque não encontram quem queira segurar o balde e a vassoura; o Brasil importa médicos porque pobres temos de sobra e nossa medicina é apenas de primeiro mundo. Nos grotões do país, médicos estrangeiros vão ensinar o povo a lavar as mãos, reduzindo as doenças à metade – o problema é a falta de torneiras. Ao mesmo tempo, numa triangulação escusa que nos envergonha, o país se transformou em capataz servil da ditadura cubana, pagando (moralmente) caro por mão de obra barata.

O telefone é novo, mas o Brasil é o velho de sempre.

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