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Na Páscoa, a capital paranaense se queda silenciosa e vazia. No meio da noite pode-se ouvir o apito do trem na Serra do Mar e as ruas lembram a Curitiba de 1940, quando o ronco do interventor Manoel Ribas não deixava ninguém dormir.

Naqueles idos, existia em Curitiba um grupo de moços denominado Patrulha da Madrugada. "O que faziam eles, então?", pergunta e responde o professor e crítico Temístocles Linhares (1905-1993), no livro Relíquias de uma polêmica entre amigos.

"A altas horas, depois de visitar a redação dos jornais, onde alguns escreviam, rabiscando crônicas ou notícias, saíam em busca de melhores ares, a percorrer ruas e praças vazias, para conversar ou mesmo discutir os grandes problemas sem solução. Diga-se desde logo que, a despeito da inocência dessas conversas fiadas, às vezes em voz mais alta do que de costume, a patrulha era o terror das pacatas famílias curitibanas, não passando os patrulheiros de perigosos desordeiros, perturbadores da ordem e do sono dos que sonhavam com anjos e não concebiam poder apanhar o sereno da noite sem a maior ameaça para a saúde. No entanto, não havia nada mais ofensivo, seja em matéria de bem-estar do organismo, seja em benefício da ordem pública".

E continua a apresentação do literato Temístocles: "Hoje, seria disparatado pensar assim. A cidade cresceu e mudou, para tornar-se a metrópole que é agora, cheia de carros e de gente, a qualquer hora do dia e da noite. Cheia de barulho, sobretudo. Mas, naquela época, a tranquilidade e modorra da pequena burguesia nela predominante eram realmente proverbiais. É certo que a nova geração já se opunha às vezes contra aquela pacatez provinciana".

A Patrulha da Madrugada tinha dezenas de nomes ilustres. Só para citar alguns, naquele sodalício noturno despontavam o pintor Guido Viaro, "teatral e gesticulante"; Leo Cobe, grande matemático; Pretextato Taborda Ribas, banqueiro e proprietário de grande parte dos imóveis do centro da cidade; Milton Carneiro, médico formado no Rio de Janeiro, professor de Biologia na Universidade e "o mais notívago dos patrulheiros"; Bento Munhoz da Rocha Netto, futuro governador eleito do Paraná; Caio Machado, filho de Vicente Machado que se formara em Ciências Sociais na Suíça; o próprio Temístocles Linhares, que morou alguns anos em Buenos Aires e chegou a manter amizade com Jorge Luis Borges, a quem conheceu casualmente numa livraria.

Curitiba silenciosa e vazia, como se estivéssemos nos idos de 1940. No meio da noite, se pode ouvir o apito do trem na Serra do Mar e o palavreado da Patrulha da Madrugada. O ronco de Maneco Facão sobrepõe-se a todos os outros ruídos noturnos. Menos no Alto da XV. Na casa da Rua Ubaldino, o ruído da porta destrambelhada acusa a saída do Vampiro de Curitiba para mais uma de suas expedições de caça.

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