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Os antigos gregos tinham uma boa história para explicar quase tudo. Ainda que seja um tanto trágica, talvez nenhuma delas seja tão apropriada para o fim de ano quanto a lenda de Cronos. Filho de Urano (o senhor dos céus) com Gaia (a deusa da terra), Cronos tramou a destituição do próprio pai. Castrou-o com um golpe de foice e, assim, provocou a separação do céu e da terra. Tornou-se então o manda-chuva do reino celeste.

Mas, temeroso de que seus próprios filhos fizessem o mesmo com ele, Cronos passou a devorá-los logo depois do nascimento. Sua esposa, Réia, cansada de perder os bebês para a desconfiança do marido, decidiu enganá-lo. Quando mais um de seus filhos nasceu, enrolou uma pedra em panos e deu ao esposo dizendo tratar-se da criança. Cronos devorou tudo sem perceber o ardil.

O sobrevivente era ninguém menos do que Zeus. E, como em toda história grega há sempre uma boa dose de tragédia, o filho saiu ao pai: destronou Cronos e o expulsou dos céus, tornando-se assim o senhor dos deuses. O antigo rei do firmamento teve de voltar ao seio de sua mãe, a Terra.

Para quem ainda não ligou o nome à pessoa, na mitologia grega Cronos costuma ser associado ao tempo – é do nome dele, aliás, que se originaram as palavras cronologia e cronômetro, por exemplo. Sua história é carregada de simbologia. O tempo, expulso dos céus, não existia mais para os deuses, que se tornaram imortais. Na terra, porém, ele continuava implacável aos homens. Afinal, mais cedo ou mais tarde, todos serão devorados pelo tempo, como ele fazia com seus primeiros filhos.

Ainda que o réveillon seja uma data festiva, nenhum outro dia é tão propício para refletir sobre a inevitabilidade da passagem do tempo. Afinal, hoje se comemora exatamente o fim de mais um ano. Mais importante do que pensar sobre a passagem do tempo, porém, é refletir sobre qual atitude tomamos diante disso.

Passamos dias tentando ganhar dinheiro. Vendemos nosso tempo por salário. Estamos sempre correndo para ganhar a vida. E não percebemos que a vida já está ganha – muitas vezes nas pequenas coisas para as quais damos pouca atenção.

Uma boa maneira de saber se estamos aproveitando realmente bem a passagem de nosso tempo é fazer uma pequena lista de dez coisas que fizemos de bom no ano que se encerra, dessas que vão nos marcar para sempre. Quanto menos momentos especiais tivermos para pôr nessa relação, menos teremos aproveitado a vida. É sinal de que o tempo está devorando nossas vidas rapidamente. E que talvez seja hora de acordarmos. Réveillon, aliás, é exatamente isso. A palavra vem do verbo francês "réveiller", que significa despertar. Que 2009 seja como o sol que nos acorda após uma noite de tempestade. Feliz ano-novo!

Fernando Martins é jornalista.

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