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 | Foto: Priscila Forone/Arte: Felipe Lima
| Foto: Foto: Priscila Forone/Arte: Felipe Lima

Em boa parte dos anos 60 e 70, os curitibanos co­­­miam bifes acompanhando pela televisão o programa Um lugar ao Sol. Ia ao ar religiosamente às 11h55. Não, não se tratava de oferta de terrenos em Matinhos, mas de pílulas de sabedoria dadas por Emir Calluf, o filho padre do "turco" Miguel, dono da loja de tecidos Louvre – a mais formosa de toda a Rua XV. Sabe a Marisa? Pois era lá.Quando se fala de um sacerdote que aparecia na tevê alguém pode se apressar em rotulá-lo de um "Marcelo Rossi da era iê-iê-iê". Quase verdade. É fato que Calluf foi pioneiro dos padres superstars – ainda que não cantasse nem no banheiro. O que o torna ainda mais surpreendente: mesmo sendo do tipo contido ele causou tremores no piso da catedral.

Além das aparições na telinha, Emir fazia celebrações concorridíssimas na Capela do Santa Maria, nas quais não faltavam três coisas: jovens às pencas, uma homilia tinindo de boa e alguma polêmica. Numa ocasião, adaptou à liturgia sucessos de Elis Regina, dando uma acelerada na abertura prometida pela Igreja naqueles tempos de Vaticano II. Quase provocou o Vaticano III. E isso era da missa a metade.

Emir foi um caso único no clero brasileiro e causa espanto que até agora, 18 anos depois da sua morte, ninguém tenha se atrevido a biografá-lo. Uma aura de silêncio ainda o cerca. Pudera. De um lado, seguia a tradição dos presbíteros intelectuais. À época, ninguém se surpreenderia se virasse bispo. Possuía credenciais para tanto: teve formação jesuíta, foi bolsista da Fulbright, graduou-se em Psicologia em Harvard e escreveu mais de uma dezena de livros.

Ao mesmo tempo, era homem antenado, sob medida para aqueles deliciosos idos da Apolo 11, Che Guevara e Brigitte Bardot, tudo mascado com chiclé de bola. Comunicativo, bem merecia ter tomado um milk shake com Marshall McLuhan em Times Square. Mas eis que o meio e a mensagem saíram no tapa. O Rio Ivo quase se abriu em dois. Teria dado um piriri no padre? Profeta ou herege?

Difícil responder. Meu palpite furado é que o cisma callufiano se deu em junho de 1972, quando a solar Leila Diniz morreu num acidente de avião. O Brasil caiu no choro. Mas o padre não se furtou de achincalhá-la com palavras que nem é bom repetir. Logo ele que parecia tão avançado. Até as Filhas de Maria discordaram.

A última gota de água benta caiu em 1976, quando Emir "pendurou a batina" para se casar em segredo com a bela Munira, hoje marchande no Alto São Francisco. É mulher admirável, praticante da hospitalidade sírio-libanesa. "Bem que uma tia me avisou que eu ia virar para sempre a mulher do padre", diverte-se, ao falar sem ressentimentos sobre os desatinos sofridos pelo marido.

Não se sabe ao certo o que aconteceu – apenas que de meados da década de 70 em diante Emir mais e mais se distanciou da Igreja. Passou a usar sua verve para desancar o celibato, os bispos e o clero progressista. Pagou com uma visitinha aos infernos – perdeu sua cátedra nas universidades, nos órgãos de classe e virou alvo de boatos, como a de que teria se alistado na seita do fanático reverendo Moon. Dava o troco: fazia casamentos de desquitados, deixando em polvorosa a hierarquia católica.

O banimento fazia com que ele se sentisse um iconoclasta de Constantinopla fazendo trainee nas araucárias. Achava-se desperdiçado. "Vão me tirar tudo", dizia. Sobrou-lhe apenas uma coluna na Gazeta do Povo. Assinava "E.C.", temendo represálias. Ali, quase anônimo, discutiu de natalidade ao poder dos aiatolás. E seguiu escrevendo livros, cujos títulos tinham o efeito de armas biológicas.

Mas a tempestade passou e os Calluf seguiram seu rumo. Anos atrás, quando quebrava a cabeça sobre que nome dar a sua galeria, a viúva Munira teve um insight. Batizou-a de "Um lugar ao sol", em alusão programa do Emir na hora do almoço. Fez-lhe justiça. Foi de fato um momento luminoso, na melhor hora do dia.

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