• Carregando...
 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

O porteiro do prédio está esperando uma invasão chinesa nas próximas semanas. Há tempos ela vem acontecendo a olhos vistos, mas agora é pra arrasar. Serão milhões de chineses invadindo o Brasil, desembarcando nos portos e aeroportos, chegando até a porta de nossa casa. Tirarão proveito da histeria do fim do ano, da ansiedade por presentes, e se infiltrarão até nas árvores de Natal.

O porteiro – que chamarei de Zé para poupá-lo das piadas dos demais moradores – se expressa de forma criativa, com figuras de linguagem dramáticas, mas eu sei direitinho do que ele está falando. É o Zé, afinal, que recebe os pacotinhos que desembarcam aqui diariamente, vindos do Oriente. Alguns tão pequenos que ele chega a duvidar de que contenham alguma mercadoria. "Que coisas estranhas as pessoas andam comprando na China?", me pergunta. Posso responder porque tenho ouvido amigos e conhecidos conversando sobre suas compras pela internet. Explico ao Zé que as pessoas compram brinquinhos de pérolas falsas, vestidos de noiva, puxadores de gaveta, fones de ouvido, espelhinho, patinho de borracha para banheira, torneira, semente de rosas multicoloridas, sapatinhos para Barbie, colar do Harry Potter, roupinhas de bebê. Por que compram tanta quinquilharia na China e não na loja do bairro? Porque na China é mais barato, ainda que a qualidade deixe a desejar, e porque é cômodo. Quem compra dos Alibabás on-line pensa, antes de tudo, que está comprando "na internet". De onde vem o produto é informação secundária. Por isso os milhões de pacotinhos viajam milhares de quilômetros, em uma logística maléfica para o meio ambiente e para os empregos brasileiros.

Os preços são uma atração muito forte. Impossível concorrer com eles, que chegam a ser ridículos. Mas ridículos são, também, muitos dos produtos, que o consumidor brasileiro jamais compraria se os encontrasse no cesto de promoções da loja da esquina, se pudesse pegar no tecido, olhar as costuras, mover as partes do brinquedo.

Foi o Zé quem me contou sobre os vestidos de noiva. A moça comprou um longo branco e bordado, mas ficou com medo de que não chegasse a tempo para o casório, que seria dali a seis meses. Comprou mais um. Os dois chegaram. Vieram em pacotinhos tão pequenos que o Zé desconfiou que a moça ia casar de baby-doll. Expliquei que os chineses colocam a roupa em saquinhos e tiram todo o ar lá de dentro. O vestido deve ter chegado muito amassado, mas inteiro. O que ela fez com o vestido que sobrou, não se sabe. Deve ter vendido.

Contra uma pechincha não há argumentos. O brasileiro tem raiva de pagar caro por tudo de que precisa, inclusive educação e saúde. Daí a mágoa acumulada e o deslumbramento com os pacotinhos que o carteiro entrega. É uma espécie de revanche. Contra quem? Contra nós mesmos, infelizmente.

Além do mais, as lojas também estão lotadas de produtos chineses. É só procurar a etiqueta ou a caixa para confirmar. Deve ser por isso que uma butique ali nas redondezas da Praça Zacarias anuncia em um cartaz: "Temos blusas do Rio Grande". A origem brasileira como um certificado de garantia. A blusa do Rio Grande não é um genérico, tem personalidade. Para mim, o cartaz funcionou. Ainda volto lá para comprar uma.

Dê sua opinião

O que você achou da coluna de hoje? Deixe seu comentário e participe do debate.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]