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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Só ontem meu vizinho soube que Curitiba, sua cidade natal e amada, é o tema da escola de samba paulistana Nenê de Vila Matilde. Passou o dia ouvindo o samba-enredo no celular. Quer decorar. “Lá vem Nenê, segura que eu quero ver” – é o Mateusz cantarolando. A letra z no fim do prenome indica sua origem: ele é filho de um polonês escorraçado por Hitler de um vilarejo na Pomerânia. O pai de Mateusz tinha arranjado trabalho em um navio mercante e fazia sua primeira viagem. A mãe conseguiu mandar um recado: “Não volte enquanto os alemães estiverem aqui”. Um dia os alemães foram embora, mas aí os russos apareceram e o avô achou melhor ficar no Brasil, onde havia aportado. Polônia, nunca mais. Quem apareceu por lá foi Mateusz, e não faz muito tempo. Foi nessa viagem que ele teve a ideia de acrescentar a letra z no fim do nome, para “apolacá-lo” em homenagem ao pai.

Mateusz gostou do samba-enredo da Nenê de Vila Matilde. Quis saber se eu já assisti, ao vivo, ao desfile de São Paulo. Sim, vi há muitos anos, trabalhando como repórter para o Jornal do Brasil. Claro que o Jornal do Brasil, carioca, não estava interessado nas escolas paulistanas, por isso só precisei acompanhar algumas horas. Era bem melhor do que eu esperava, com alegria genuína e bonitas fantasias. Me animei e no ano seguinte fui ver o do Rio (ao de Curitiba assisti duas vezes). O desfile no sambódromo carioca faz jus ao título de “maior espetáculo da terra”. A Viradouro, campeã daquele ano, trouxe o samba-enredo “Trevas! Luz! A explosão do universo”. Joãosinho Trinta, que vi passar exibindo as sequelas de uma isquemia cerebral, usou resíduos recicláveis para montar um carro alegórico todo negro que representava o início do universo. Não é o que se esperava para um desfile de carnaval – era melhor. Por sua vez, a bateria inventou de dar uma paradinha, interrompendo bruscamente a música. Quando recomeçou, o impacto do som era tão forte que podia ser sentido no peito. Até o amigo alemão, que nos acompanhava na arquibancada, vibrava como se fosse de Niterói e não de Berlim.

Bloco de carnaval tem de nascer espontaneamente, em meio à brincadeira

Recordei detalhes daquele desfile lendo o livro Pra tudo começar na quinta-feira, em que os pesquisadores Luiz Antonio Simas e Fabio Fabato exploram a história dos sambas-enredo cariocas.

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No início deste fevereiro calorento, cruzei com um bloco – melhor será chamá-lo de bloquinho – ali na Vicente Machado. Era tarde de sábado e a moçada bonita e corajosa vinha arrastando os pés no asfalto ao som de Bandeira Branca. Será que não levaram um balde d’água na cabeça, jogado por algum morador irritado com o barulho? Aliás, será que cantaram “lata d’água na cabeça, lá vai Maria, lá vai Maria”?

A força dos blocos está no repertório de canções que as pessoas amam ou que fazem parte da história desse país. “Bandeira branca, amor, não posso mais, pela saudade que me invade eu peço paz” – versos lindos, um ritmo que não exige atropelo nem samba no pé. Era ao som dessa canção, de 1970, que dançava a rapaziada que cruzou comigo na Vicente Machado.

Tenho inveja daqueles paulistanos que, nos últimos anos, saíram dos apartamentos, esqueceram as rodovias lotadas, e ressuscitaram os blocos de carnaval. É um fenômeno que não dá para transplantar. Bloco de carnaval tem de nascer espontaneamente, em meio à brincadeira, nas quadras onde moram ou circulam seus integrantes. O planejamento e o artificialismo não geram blocos convidativos. Aqui em Curitiba o carnaval tem inimigos ferrenhos, que querem mantê-lo longe das ruas. Confinado aos clubes, tudo bem. Mas clubes quase não há mais. Portanto, me arrisco a dizer que 95% dos curitibanos não têm contato com carnaval. Queiram eles ou não.

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