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Americanos vão às ruas protestar contra as regras do jogo: querem que o dinheiro mande menos e que o mundo fique mais justo. Tem um quê de movimento hippie nesse Occupy Wall Street. Só um quê, um quezinho. Falta o radicalismo de quem estava disposto a ir viver em comunidades e ganhar o sustento com as próprias mãos. Os manifestantes de hoje estão acostumados demais com o consumismo para pedir algo tão radical. Provavelmente o que eles querem é garantir que poderão todos comprar à vontade e, ao mesmo tempo, que o planeta seja preservado para os seus filhos. Se querem isso, querem um milagre.

É esquisito dizer isso, mas os hippies eram mais realistas. Pressionados por uma sequência de guerras (Coreia e Vietnã) e pelo peso de uma sociedade que adotava um ritmo acelerado para manter a economia aquecida custasse o que custasse, eles gritaram "pare o mundo que eu quero descer."

Os hippies queriam "descer" do mundo. Ou seja, viver à parte. Eram utópicos, sonhavam sonhos gigantes. "Sejamos realistas, peçamos o impossível", resumiu o ruivinho Daniel Cohn-Bendit, que não era hippie, mas estava dentro do espírito da época quando incitou os franceses a fazerem barricadas na Paris de 1968. Eles eram realistas no sentido de que reconheciam a incompatibilidade de alguns modelos: conciliar o capitalismo desenfreado com igualdade social? Impossível. Consumismo à vontade e manutenção do equilíbrio ambiental? Impossível. Havia, portanto, que abrir mão de algumas coisas, havia que mudar o estilo de vida.

Não sei direito o que querem os novos manifestantes. Até porque em toda manifestação que cresce espontaneamente há pessoas querendo coisas diferentes. Não há mal nisso. Mas como o Ocupar Wall Street teria começado com um movimento de mães preocupadas em dar um futuro melhor para os filhos, pode-se deduzir que há no seu DNA a preocupação em corrigir as rotas do mundo.

Quero crer (sendo otimista) que mais e mais gente está percebendo que a ganância, o querer consumir muito, gera situações de profundo desequilíbrio seja em Wall Street (e tudo que ela representa) como nas nossas cidades, em qualquer lugar do mundo.

Temo (sendo menos otimista) que as pessoas só queiram que a economia volte ao normal para todo mundo correr para o shopping center, como se nada tivesse acontecido, e endividar-se comprando uma nova tevê gigantesca, um novo celular ou iPad/Pod/Phone ou coisa que o valha. Nesse mundo baseado no consumo, a tecnologia faz o papel de ópio do povo: ela nos dá a sensação de que vivemos melhor, de que progredimos, de que estamos integrados a um mundo moderno e criativo. Ela muda rápido exigindo que, para acompanhá-la, corramos atrás dela como o dependente corre atrás da droga. O dependente nunca vai ficar satisfeito. Nem nós.

Tenho pra mim que a inovação tecnologia vem sendo usada como uma espécie de lavagem de dinheiro para os mercados financeiros. Faz o capital circular, faz a especulação parecer justificável (lembra da "bolha das empresas ponto-com"?). Justifica o ritmo acelerado, a não reflexão.

Os americanos que estão indo para as ruas também experimentaram duas guerras (Afeganistão e Iraque) como seus "ancestrais", os hippies. Ao contrário do movimento hippie, que começou nos Estados Unidos, esta inquietação já estava pipocando em outros países. Mas sua expressão espontânea nas ruas americanas a torna mais significativa. O que ainda falta ao movimento é o lado sonhador, a ousadia e – por que não? – a vontade de ser loucamente feliz dos hippies.

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