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 | Felipe Lima/Gazeta do Povo
| Foto: Felipe Lima/Gazeta do Povo

Num distante dia de primavera do final do século 20, fui almoçar no restaurante da Ci­­dade Universitária de Paris. Eu estava lá fazendo um curso para jornalistas e vivia na Maison do Brasil, que vem a ser nada mais que uma moradia para estudantes, uma CEU com localização privilegiada. Depois do bandejão, ao sair pela porta principal, tive uma experiência que merece ser contada.

No pátio em frente ao grande edifício de linhas clássicas um automóvel antigo (imagine que fosse um Ford T) estaciona e dele sai uma moça usando roupas dos anos 30 – um vestido liso, de cintura baixa, um chapeuzinho igualmente sem volume. Olho para a esquerda e vejo outra pessoa caminhando com a mesma vestimenta. Ninguém mais, na distância que minha vista alcança, traja roupas que indiquem se tratar de um habitante do século 20. Por um segundo, caro leitor, achei que estava no passado. Por um segundo meu cérebro foi enganado pelo que os olhos viam e achei que um milagre tinha acontecido. Mas como nós, seres humanos, somos treinados para duvidar de milagres e procurar explicações, olhei para todos os lados. Estava longe da rua, que seria o lugar mais fácil para checar se ainda estávamos no "hoje". Em um canto, meio escondido por um grande arbusto, vi um cinegrafista e dois rapazes, todos com roupas atuais. Puf! A fantasia acabou.

Eu não tinha viajado no tempo. Estavam fazendo uma filmagem, usando os prédios antigos como cenário. Depois que saí dali vi as cordas de isolamento formando um círculo em torno do pátio onde a filmagem ocorria.

Fiquei impressionada com a sensação fugaz, mas tão real, de ter voltado a um passado que nem vivi. Bem vê o leitor que a ideia não me desagradou. Claro que eu ia preferir voltar ao meu presente depois de perambular nos anos 30 e matar a curiosidade. Como aquele personagem do Woody Allen em Meia-noite em Paris, que se postava em uma ruela escura transformada em portal do tempo para ele ir e vir através dos 80 anos que o separavam da Paris pré-Segunda Guerra Mundial, onde ele encontrava Picasso e Ernest Hemingway. Nem precisava tanto. Se eu viajasse no tempo, já ficaria muito feliz de andar pelas ruas e olhar as pessoas comuns.

Se a viagem no tempo fosse no Brasil, prestaria atenção também na cidade, fosse ela qual fosse, já que aqui a paisagem urbana muda muito em pouco tempo. Salvador, São Paulo, Rio, Curitiba ou Recife – qualquer uma delas era outra cidade há 80 anos. Paris têm ruas e avenidas inteiras que mantêm a mesma arquitetura dos anos 30 – daí a facilidade para criar fantasias como aquela em que embarquei. Aqui no Brasil seria difícil repetir a mesma viagem no tempo. Talvez no Pelourinho, em alguma rua de Ouro Preto, do Centro do Rio ou do Recife Velho.

Viagens no tempo são uma fantasia recorrente para mim. E a julgar pela quantidade de filmes que se propõem a fazer o mesmo, não devo estar sozinha nesta brincadeira. Já uma viagem ao futuro me parece enormemente menos interessante. Para começar, se o tecido espaço-tempo, como dizem os físicos quânticos, fizer uma dobra e eu for jogada no futuro, todo mundo que conheço estará sob sete palmos de terra. Vai ser triste ver seus vestígios e pensar que se foram.

Em segundo lugar, não sou capaz de imaginar futuro ne­­nhum que vá além de seis, oito anos. O Brasil estará mais rico ou estaremos lutando contra a volta da inflação galopante? A Europa estará em guerra? E a tecnologia, então, como posso prever o que teremos? Resumindo as possibilidades, diria que o mundo pode se transformar em outro mundo.

Já se disse que estamos em uma fase de descontinuidade na história. Na época da continuidade, cada passo fazia prever o passo seguinte. Mas a descontinuidade se caracteriza pela impossibilidade de se prever os rumos das sociedades. Por essas e outras, o máximo de futuro que consigo prever é que as crianças da família crescerão e todos nós envelheceremos. Se essa previsão se concretizar, já estamos no lucro.

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