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Jennifer Egan: história de O Torreão tem autoria subestabelecida | Walter Craveiro/Divulgação
Jennifer Egan: história de O Torreão tem autoria subestabelecida| Foto: Walter Craveiro/Divulgação

Livro

O Torreão

Jennifer Egan. Tradução de Rubens Figueiredo. Editora Intrínseca. 240 págs., R$ 29,90. Romance.

Uma escritora com um poder total sobre a narrativa – é assim que poderíamos definir a norte-americana Jennifer Egan, que tem agora publicado mais um livro no Brasil: O Torreão (Intrínseca, 2012). Aqui, ela mimetiza a estrutura dos thrillers, construindo uma narrativa em que um novo fato leva a outro e a outro e a outro etc. Há muitos acontecimentos neste livro, o que lhe dá uma velocidade que joga a história sempre para a frente, não permitindo que a abandonemos.

O livro se estrutura em três níveis.

Num primeiro nível, que poderíamos chamar de aparente, um jovem vai à Europa Oriental para trabalhar na restauração de um castelo empreendida por seu primo, a quem ele teme por ser hoje muito poderoso e por ter sido alvo de uma brincadeira terrível na infância. O clima dessa frequência do romance é a de uma história de fantasmas, com muito suspense e uma dose de fatos inexplicáveis, como uma piscina que ganha vida – como se guardasse um monstro – e uma castelã que tem a idade oscilante, entre 20 e 90 anos. Esta estadia no castelo é uma forma de exorcizar o mundo moderno, convivendo com o medieval.

No outro plano, que vai aos poucos se revelando ao leitor, temos um assassino que escreve uma história em um curso de redação criativa ofertado no presídio. Entre a ficção e a sua rotina na reclusão, esta parte vai construindo a imagem de um homem violento, mas que tem o poder de narrar. Vamos reconhecendo nele o autor da história número 1, que é o centro do livro.

Estes dois níveis criam uma tensão muito forte no romance. Danny, o narrador da história 1, vive completamente dominado pela tecnologia de conexão, internet e celulares. Ele entra em transe místico ao perder o contato com o mundo. Esta condição tecnológica lhe dava uma dupla existência, pois está onde está e onde a rede pode levá-lo. Ele tem que passar por uma nova situação de perigo para provar ao primo que não o sacaneará e para se descobrir habitante de um mundo único, e não dispersivamente múltiplo.

No nível 2, Ray, o aluno de redação criativa, está se apaixonando pela professora (por pura falta de opção) e se sente na necessidade de corresponder às expectativas dela. No presídio, ele corre risco de vida e tem uma realidade muito dura, levando-o a provações físicas. A ficção que ele escreve é ao mesmo tempo um canto de acasalamento (com a professora) e uma forma de suportar o aprisionamento.

Com uma influência das narrativas dentro das narrativas – própria de um Paul Auster –, Jennifer Egan levanta aqui uma história em que autoria é subestabelecida. Quem conta a história é uma voz em primeira pessoa (nível 1 – Danny), mas que se revela uma terceira pessoa (nível 2 – Ray), que se identificava com o primeiro, mas que não é ainda o autor do relato que se lê. Isso cria estranhamentos no leitor, que vai vendo a história mudar de ponto de vista.

Só na terceira parte se entende que o narrador é Danny e Ray, mas também quem finaliza a história. Sabemos então como tudo aconteceu e qual o sentido da própria escrita.

O Torreão é assim um romance não sobre castelos, sobre fantasmas ou sobre os presidiários, mas usa esses temas externos para discutir a própria escrita. É um romance sobre o entusiasmo, sobre a busca humana de momentos de elevação, de êxtase, antídotos para a depressão. No romance, estes dois estados de alma aparecem com o nome de alto (equivalente a torreão) e verme. Ou você sente o alto ou você sente os vermes. Do ponto de vista da escrita literária, é uma defesa pragmática da expectativa, uma forma de aprisionar a atenção: "É isso que um escritor mais deseja alcançar e é para isso que ele vive" (p.63). A literatura como uma forma de dar algum sentido para a aventura humana, refundando a realidade.

Dona de um estilo experimental, em que há uma inovação narrativa permanente, Jennifer Egan domina as formas clássicas de narrar, o que faz dela uma escritora completa, numa defesa da vida como literatura e vice-versa.

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