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Zapeio a tevê até encontrar um programa sobre a China. Programas sobre a China me fascinam. Esse, que fala sobre planícies e montanhas do interior remoto, sem fábricas ou milionários socialistas, me fascina ainda mais. Trata de um parque repleto de bambuzais e penedos, um pagodinho aqui e acolá, coisa linda. Lá pelas tantas, traz uma entrevista com um renomado biólogo que também é o diretor do parque.

Cara de chinês da velha cepa comunista, fardão surrado, boné; cabeça de chinês das antigas, pré-comunista e milenar. Sentado, bebericando seu chá, ele afirma que os dragões existem. Confrontado com a afirmação de que não há provas, de que nunca ninguém fotografou a cabeçorra magnífica ou o corpo de serpente descomunal, nosso biólogo faz um muxoxo. “Só não aparecem porque não querem. E deixam marcas, sim. Terremotos, por exemplo.” A repórter não insiste, em especial porque o idoso tem mestrado, doutorado e uma fé inquebrantável nos velhos mitos chineses. “Dragões são insondáveis”, arremata o entrevistado.

A história me fez lembrar outra. Sobre Taiwan, ilha chinesa dona de uma vasta rede de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. E que não para de construir elevados e minhocões. O desafio, lá, é contornar e furar montanhas. E o documentário tratava justamente disso: o projeto de um túnel construído em uma cordilheira sagrada.

O idoso tem mestrado, doutorado e uma fé inquebrantável nos velhos mitos chineses. “Dragões são insondáveis”

Os operários começaram a furar usando “tatuzões” e, a certa altura, os túneis se encheram de água. De fontes subterrâneas não percebidas, segundo os engenheiros; da ira dos dragões, segundo os moradores locais. A coisa caminhava para a conversão do túnel em aqueduto até que o engenheiro-chefe, desesperado, concordou com a mais insólita das possibilidades: liberou o canteiro para um ritual de aplacamento dos bichos. Era preciso pedir desculpas e, principalmente, licença.

O oficiante taoísta chegou, saudou as dez direções, cantou, agitou uma espada mágica e derramou uma garrafa de vinho de arroz na terra. Na saída, sorridente, decretou: “Agora vai!” No dia seguinte, os engenheiros entraram no túnel e, coisa estranha, o fluxo de água havia diminuído muito; em pouco tempo, as máquinas chegaram a uma área seca e o restante da obra transcorreu às mil maravilhas. Na inauguração, por via das dúvidas, deitaram mais um litro de vinho de arroz na porta do túnel e foram felizes para sempre. E os dragões, esses animais fantásticos que não existem, se aquietaram no fundo da terra – pelo menos, até o próximo projeto.

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