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O fácil acesso às drogas têm impacto direto no consumo precoce
O fácil acesso às drogas têm impacto direto no consumo precoce.| Foto: Arquivo / Gazeta do Povo

O consumo de drogas entre adolescentes aumentou nos últimos anos e não faltam denúncias sobre o uso e apreensão de entorpecentes nas escolas brasileiras. Um caso recente ocorreu na semana passada, no município de Canela, onde dois jovens de 16 anos foram apreendidos pela Polícia com drogas e uma balança de precisão próximo a uma escola.

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A experimentação ou exposição ao uso de drogas, entre os adolescentes de 13 a 17 anos, saiu de 8,2% em 2009 para 12,1% em 2019, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), feita pelo IBGE e divulgada no ano passado. Em relação à precocidade dessa exposição, ou seja, antes de completar 14 anos de idade, o percentual passou de 3,4% em 2009 para 5,8% em 2019.

A pesquisa ainda revelou um aumento expressivo da exposição às drogas entre as meninas em comparação com os meninos, que chegaram a apresentar uma redução na razão de chances de experimentar drogas ilícitas nas escolas privadas (-30,4%). O maior aumento das chances de experimentar drogas ilícitas se deu entre as meninas escolares da rede pública, que dobraram as chances de experimentação, atingindo 107,4% de variação no período.

A experimentação de bebida alcóolica nessa faixa etária também cresceu de 52,9% em 2012 para 63,2% em 2019. Esse aumento foi mais intenso entre as meninas, que saíram de 55% em 2012 para 67,4% em 2019. Para os meninos, o indicador foi de 50,4% em 2012 para 58,8% em 2019.

O professor Paulo Pio, especialista em Dependência Química pelo Grea/ USP, atribui esse aumento do consumo a vários fatores interligados, que vão desde a curiosidade, pressão do grupo social, até saúde mental fragilizada. Segundo o professor, "a disponibilidade e acessibilidade das drogas também têm impacto direto" nesse consumo precoce.

"Os jovens querem se encaixar em grupos e acabam experimentando drogas para serem aceitos. Alie-se a isso uma baixa autoestima e problemas de autoimagem, que podem levá-los a recorrerem às drogas como forma de autoafirmação. E se estiverem facilmente disponíveis em ambientes familiares ou escolares, a probabilidade de experimentação aumenta", explica.

Pio também ressalta que a "falta de informações adequadas sobre drogas é outro fator relevante". "Sem educação sobre os riscos e programas eficazes de prevenção, os adolescentes podem subestimar os danos potenciais do uso de algumas drogas", diz.

O psicólogo Marcelo Parazzi, que tem um centro de reabilitação para dependentes químicos e alcoólicos em São Paulo, atribui o consumo entre os jovens ao apelo comercial do álcool, à influência dos familiares e à própria tendência da legalização da maconha no Brasil. "Os indivíduos consomem cada vez mais cedo e em maiores quantidades, devido as interações digitais. E muitas vezes a própria família também colabora e contribui ao entender que é melhor indivíduo consumir em casa do que fora, e não estabelece regras e parâmetros, simplesmente libera esse consumo no seio de casa", menciona.

Sobre o aumento do consumo de álcool entre as mulheres mais jovens, Parazzi aponta que isso, provavelmente, se deve à influência da mídia, especialmente de filmes e séries, onde as mulheres aparecem bebendo bebidas mais fortes, como whisky. “Conseguimos ver nas séries, filmes e redes sociais um apelo bastante grande, inclusive para o próprio consumo da mulher. Porém, isso preocupa porque as mulheres vão sentir mais, por questões fisiológicas, hormonais, impactos maiores e mais duradouros e até mesmo uma propensão maior ao desenvolvimento de uma dependência alcoólica. Elas estão mais vulneráveis, devido a metabolização mais lenta e oscilações hormonais maiores”, destaca o psicólogo.

Pesquisa “camuflada”

Apesar dos dados do PeNSE já serem preocupantes, o professor Paulo Pio avalia que a pesquisa do IBGE pode estar camuflada, porque existe uma migração e uma tendência crescente de jovens substituindo o cigarro tradicional pelo narguilé ou o eletrônico (vaper). “Essa mudança de comportamento acontece em parte devido à percepção de que essas escolhas são menos prejudiciais do que os produtos de tabaco tradicionais. No entanto, vale lembrar que esses produtos alternativos ainda apresentam graves riscos à saúde”, disse.

Segundo Pio, "muitos acreditam erroneamente que o uso de narguilé é mais seguro do que fumar cigarros, mas pesquisas têm mostrado que a fumaça do narguilé contém substâncias químicas prejudiciais e pode levar a diversos problemas de saúde, semelhantes aos associados ao cigarro tradicional".

"Embora os cigarros eletrônicos não contenham muitas das substâncias nocivas presentes nos produtos de tabaco queimado, eles ainda contêm nicotina, que é altamente viciante, especialmente para os cérebros em desenvolvimento dos jovens", reforça.

Riscos precoce

O psicólogo alerta que quanto mais cedo um indivíduo inicia um consumo de substância psicoativas, maiores são as alterações de sentimentos e as chances de o indivíduo desenvolver a dependência química. "É uma relação alterada que gera pra esse indivíduo aprisionamento, compulsão e uma série de consequências negativas no âmbito cognitivo, emocional, a partir o pressuposto que o cérebro está em formação até os 25 anos de idade. E isso significa dizer que pode proporcionar más formações e dificuldades comportamentais", explica.

Parazzi ainda reforça que quando um adolescente desenvolve uma dependência química, o tratamento é "mais árduo e difícil", além de ter "um risco de fracasso aumentado".

O professor Pio também acrescenta que entre os problemas comuns associados ao uso precoce de drogas, estão "prejuízos no desempenho acadêmico, dificuldades em construir relacionamentos saudáveis, aumento do risco de envolvimento em comportamentos criminosos e maior vulnerabilidade a problemas de saúde mental".

O trabalho de enfrentamento às drogas e prevenção da dependência química exige uma parceria governo, escola e família. "A escola deve oferecer programas educacionais que abordem os riscos e consequências do uso de drogas de maneira objetiva e realista. Os pais também devem conversar abertamente com seus filhos sobre o assunto. Caso um jovem apresente problemas com drogas, é fundamental buscar ajuda profissional imediatamente. Psicólogos, terapeutas e médicos especializados podem oferecer tratamento e suporte adequados para lidar com a dependência química", complementa Pio.

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