
França - Escavada no leito lamacento do Rio Rhone, escondida sob carcaças de carros, pneus e 20 séculos de sedimentos, a visão da estátua de mármore branco era clara como a luz do dia. "Meu Deus, é César!", exclamou Luc Long após sua equipe de arqueólogos e mergulhadores terem descoberto a estátua, em 2007.
O romano apresenta poucos fios de cabelo, uma testa enrugada, pomo de adão proeminente e aparenta, de acordo com Long, "ter sido esculpido em carne humana". Na época da descoberta, todavia, o arqueólogo nem imaginava ter descoberto o que chama de "o primeiro retrato da vida de César". O busto, datado pelo Ministério da Cultura da França como sendo de 46 a.C., é considerado a única estátua remanescente conhecida a ser esculpida durante a vida de Júlio César.
Os historiadores alegam que imagens de um César contemporâneo são raras elas são geralmente versões idealizadas, produzidas após seu assassinato, dois anos mais tarde, em 44 a.C o que fez a notícia da descoberta de um busto gerar suspeitas sobre sua autenticidade. Christian Goudineau, historiador francês que leciona sobre Júlio César no prestigioso College de France, em Paris, foi pego de surpresa quando Long lhe contou sobre a descoberta. "Fiquei desconcertado", relembra. Alguns colegas, disse, sugeriram que o César encontrado no Rhone não se parecia com a imagem do César normalmente exibida e que a estátua parecia mais ser uma imagem de um nobre de Arles, cidade fundada pelos romanos. Uma professora de Cambridge, a cética Mary Beard, ressaltou em seu blog no Times Online, afiliado ao Times de Londres, que "este estilo de retrato durou séculos em Roma. Não existe nada que sugira que esta peça seja datada entre 49-46 a.C."
Exposição
Após mais de dois anos de restaurações e identificação, o busto repousa hoje em uma plataforma branca em um museu e é parte integrante de uma coleção de cerca de 700 itens encontrados no Rhone nos últimos 20 anos. A coleção foi inaugurada mês passado no Musée Departmental de lArles Antiques. O diário francês Le Monde descreveu a exibição "César: o Rhone como Memória" como sendo "uma das mais belas e inteligentes exposições dos últimos 30 anos".
A mostra inclui uma rara escultura em mármore do século 3.º do deus Netuno; um baixo-relevo da deusa romana Vitória coberta com uma folha de ouro; e uma peça em bronze de um bárbaro cativo com as mãos amarradas atrás das costas, provavelmente aguardando seu destino.
Acredita-se que o busto tenha sido esculpido como homenagem a César, patrono de Arles, cidade usada como base da sua campanha contra seu rival Pompeu pela liderança do Império Romano. Goudineau revelou acreditar que o busto mostrava o mesmo rosto do César das moedas romanas; ele ignorou os argumentos dos que questionaram a sua autenticidade. "Que nobre de Arles encomendaria um busto de si mesmo esculpido no mais caro e raro mármore e o transportaria de barco?", questionou.
Long escreveu um ensaio de 20 páginas sobre as origens do busto para o catálogo da exposição. Ele ainda trouxe vários especialistas mundiais a Arles, a fim de estudar a descoberta. Para Claude Sintes, diretor do museu de Arles, as descobertas de Long poderiam mudar fundamentalmente o entendimento dos historiadores sobre a importância da cidade, "um porto intensivamente romano onde Roma queria estender seu poder", na sua descrição. "Podemos descobrir que Arles era muito mais extensa do que pensávamos e muito mais poderosa economicamente do que pudéssemos imaginar", declarou Sintes, acrescentando que ainda é muito cedo para conclusões precipitadas. Goudineau, o historiador, disse que Arles era duas vezes maior do que se imagina. "Estava convencido de que havia algo do outro lado do rio", complementou, citando Ausônio, poeta latino do século 4.º d.C., que se referia a Arles como "a dupla Arles".
Mina de tesouros
Para um arqueólogo e mergulhador experiente como Long, que além de tudo cresceu em Arles, o Rhone é uma surpreendente mina de tesouros. "Eu trabalhei na Líbia, Malta e Gabão, mas as descobertas mais excepcionais eu acabei fazendo na frente da minha casa", revelou Long em uma entrevista. O Rhone é um "mundo sombrio. Ele não oferece visibilidade, tem uma corrente muito forte, muita poluição e muitos barcos". A água imunda é a causa conhecida de muitos males e infecções, sendo a mais popular a inflamação do ouvido dos mergulhadores. Mas Long também acredita que o Rhone tem um poder secreto. "Ele preserva madeira, calcários e mármore melhor do que qualquer mar. O rio também não conta com a abrasividade da areia do mar e sua corrente sempre corre na mesma direção", diz.
Em 1986, Long mergulhou com um colega a uma profundidade de 30 metros em busca de artefatos. Por 20 anos, acompanhado de uma equipe de 20 estudantes de história da arte e mergulhadores profissionais, ele mergulhou várias vezes ao dia, recuperando centenas de vasos e ânforas romanas. Ele pensava que não havia outros tesouros a explorar. Mas em outubro de 2007 ele fez a "descoberta milagrosa", como chama: um busto de Netuno. Sintes, o diretor do museu, está convencido de que o Rhone continuará oferecendo maravilhas. "Se a próxima descoberta for Cleópatra, teremos de aumentar o museu", disse ele, sorrindo.



