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Fábrica do presidente do Paraguai responde por um terço do cigarro produzido no país | Christian Rizzi/ Gazeta do Povo
Fábrica do presidente do Paraguai responde por um terço do cigarro produzido no país| Foto: Christian Rizzi/ Gazeta do Povo

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  • Indústrias ocupam quarteirões inteiros na fronteira paraguaia

Não poderia haver lugar melhor para os caça-fortunas do que a tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina. Tudo ali está pronto para quem busca dinheiro fácil. A cultura do contrabando como subsistência instalou-se junto com a Ponte da Amizade, erguida em 1965 para integrar brasileiros e paraguaios. De um lado, Ciudad del Este passou a oferecer toda sorte de mercadorias – remédios, eletrônicos, armas, roupas, drogas, perfumes –; de outro, convergiu para Foz do Iguaçu uma multidão disposta a cruzar a fronteira levando tudo nas costas.

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Há uma década, Ciudad del Este recebia três milhões de brasileiros e movimentava US$ 12 bilhões por ano. Hoje, as cifras caíram para US$ 2 bilhões por causa da repressão ao contrabando no lado brasileiro. Muitas fortunas nasceram do dia para a noite e não daria para simplesmente desperdiçar a estrutura existente. Além do mais, há várias casas de câmbio para lavar o dinheiro sujo e algumas filiais de bancos internacionais para mandá-lo para fora do país. Ciudad del Este soube se reinventar, sem perder a vocação para os negócios escusos.

A tríplice fronteira é um microcosmo. Morre uma estrela, nasce outra. Some um negócio, surge outro. Assim, o empresário Horacio Cartes passou a brilhar ante o ocaso das velhas estrelas da tríplice fronteira, a exemplo do general Lino César Oviedo e do ex-governador fronteiriço Carlos Barreto Sarubbi, que fizeram fortuna nos anos 1990 associados aos cartéis colombianos do narcotráfico. Eles tinham Ciudad del Este em suas mãos, mas foram despojados do poder e dos negócios. Com Cartes, o cigarro se tornou o novo motor da engrenagem dos negócios.

Nem a capital Assunção, nem o longínquo Chaco. Cartes escolheu a tríplice fronteira para instalar a Tabacalera del Este, a catalisadora de sua fortuna. O cigarro pirata não é só mais um negócio nessa miríade de ilegalidade. Ele traduz o surgimento de uma nova classe de empreendedores. Saem Oviedo e Sarubbi com suas atividades criminosas, entra Cartes com o verniz da legalidade sobre seus negócios, ainda que seu produto saia do país por vias ilegais – mas isso não é problema dele, como costuma dizer para purgar a culpa.

A tríplice fronteira concentra a maioria das 32 tabacaleras paraguaias, embora algumas comecem a migrar para Salto del Guairá, na fronteira com Guaíra (PR) e Mundo Novo (MS). A região rivaliza com a tríplice fronteira também nas rotas para escoar o cigarro ao Brasil e criou seus próprios magnatas do tabaco. Seu maior expoente é o brasileiro Roque Fabiano Silveira, de 49 anos. Foragido da Justiça brasileira, condenado por contrabando e homicídio, ele mantém uma vida de ostentação semelhante à dos chefões dos cartéis do narcotráfico da Colômbia e do México.

Versão contrabandista do lendário Pablo Escobar, Roque se tornou uma lenda na região de Salto del Guairá. Conhecido como "Zero Um", ou "O chefe", é demasiado audaz para abandonar os negócios. Pudera, os ganhos são siderais. Dono da Tabacalera Central, Roque tem dinheiro e poder suficiente para levar uma vida nababesca na clandestinidade. Possui fazendas no Paraguai, visita Guaíra com alguma frequência, namora as mulheres mais bonitas da região, mas ninguém o vê. A generosidade da fortuna mal havida lhe assegura o dom da invisibilidade.

Os barões

Osvaldo Domínguez Dibb

Outro grande senhor do tabaco é o argentino Julio Osvaldo Dominguez Dibb, conhecido no Paraguai como ODD. No mercado de cigarro desde 2002, é dono das tabacaleras Boquerón e Montecarlo. ODD tem manias de milionário. Fundou o jornal La Nación na década de 1990 para se defender das acusações de falsificador de cigarros. Candidato derrotado à Presidência do Paraguai pelo Partido Colorado, também é dono de 15 emissoras de rádio. Foi presidente do Olimpia, time campeão da Taça Libertadores da América.

Várias vezes ODD tentou registrar em seus cigarros o selo de controle da Receita Federal brasileira que identifica o pagamento do IPI, imposto sobre produtos industrializados nacionais e estrangeiros. O IPI é um dos principais recursos para dificultar o contrabando.

As tabacaleras de ODD produzem as marcas Campeão, Oscar, Derby, Ritz, Minister, LS, Belmont e Plaza, que responderam por 1,8 bilhão de maços apreendidos no Brasil desde 2010.

Roque Fabiano Silveira

O brasileiro Roque Fabiano Silveira, de 49 anos, é uma lenda na fronteira do Brasil com o Paraguai, conhecido como "Zero Um" ou "O chefe", na região de Guaíra e Salto del Guairá. Dono da Tabacalera Central, também negocia cigarro com outras fábricas para distribuir no Brasil. Ingressou no ramo depois de fugir para o Paraguai ao ser acusado de mandar matar um empresário de Guaíra, em 1996. Montou o próprio negócio em 1999. Conseguiu registro de imigrante e passou a residir em Salto del Guairá.

Com um grupo de comerciantes norte-americanos, Roque ajudou a inundar os Estados Unidos com mais de 120 milhões de maços de cigarro paraguaio a partir de 2003. O esquema foi descoberto, mas ele pagou multa e acabou liberado por cooperar nas investigações.

Em 2006, a operação Bola de Fogo da PF indiciou 90 pessoas em 11 estados por cooperar com Roque, que controlava três redes criminosas para contrabandear cigarros.

João Cezar Passos

O brasileiro João Cezar Passos abriu em 1999 a Companhia Paraguaia de Tabacos S.A. (Tabapar) em sociedade com José Sabastian Burró Franco, eleito deputado nas últimas eleições no Paraguai. Passos ainda figura como acionista na Tabacalera Mediterrâneo e na South American Tobaccos. Foi preso em 2002 na Operação Nicotina, após a Polícia Federal apreender em Salvador um caminhão com 330 caixas de cigarros falsificados.

Gravações telefônicas autorizadas pela Justiça demonstraram a participação de Passos na introdução ilegal de cigarros falsificados no Brasil, assim como a aplicação dos recursos ilícitos em nome de terceiros, ocultando sua origem e propriedade, além de enviar ilegalmente recurso ao exterior. Acabou beneficiado com habeas corpus. A Tabapar continua em atividade. Produz, entre outras, as marcas Milenio e KA, que respondem por 69 mil maços apreendidos no Brasil desde 2010.

Os operadores

Alcides Carlos Grejianim

Também conhecido como Polaco, já foi o maior contrabandista de cigarro do país. A Justiça Federal rastreou os bens de Polaco e localizou 11 fazendas na fronteira com o Paraguai. Uma delas, de 2,5 mil hectares, foi avaliada em R$ 25 milhões. Condenado por contrabando, responde em liberdade.

Polaco foi preso em outubro de 2010 na Operação Alvorada Voraz. A Polícia Federal investigou a quadrilha liderada por ele e apreendeu 50 carretas e 8 milhões de maços de cigarro em Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul, dando um prejuízo de R$ 20 milhões à quadrilha.

Entre as 16 pessoas presas estavam dois filhos de Grejianim, o irmão dele e um cunhado, além de um capitão da Polícia Militar, um sargento, dois cabos e um soldado. Um fiscal aduaneiro está foragido. Grejianim ficou preso em Campo Grande de novembro de 2011 a março de 2012, quando saiu graças a um habeas corpus. A defesa questionou a prisão, decretada por um juiz militar.

Éderson Foletto

Foi preso junto com outras 17 pessoas em outubro de 2013 pela Polícia Federal na Operação Dupla Face. Dono de uma casa de shows em Foz do Iguaçu (PR), foi apontado como cabeça de uma quadrilha especializada em contrabando de cigarros e eletrônicos do Paraguai para o Brasil. Foram apreendidos R$ 30 milhões em mercadorias. Para a PF, ele financiava a quadrilha, fornecendo recursos para a compra de mercadorias no Paraguai. Foletto conseguiu habeas corpus em fevereiro e passou a responder à acusação em liberdade.

Foletto recorria a uma estratégia comum no mercado de seguros para diluir os prejuízos com eventuais apreensões: usava um sistema idêntico ao resseguro, operação pela qual o segurador transfere a outro uma parte do risco assumido ao emitir uma apólice e cede também parte da responsabilidade e do prêmio recebido. Ele fechava um carregamento de cigarro fracionando-o em cotas, de maneira a dividir o prejuízo em caso de perda ou compartilhar o lucro em caso de sucesso na transação.

José Doniseth Balan

Ligado a Oswaldo Domínguez Dibb, ele foi preso em maio de 2005 na Operação Hidra, que mobilizou mais de 700 policiais, prendeu 80 pessoas e confiscou 400 veículos. Dono de transportadora no Paraná, Balan foi apontado pela Polícia Federal como chefe de uma das maiores quadrilhas de contrabando do país. Respondia por metade da mercadoria contrabandeada para o Brasil, em especial cigarro, mas também eletrônicos e remédios.

Balan foi condenado a 12 anos de prisão por contrabando, e também a outros quatro anos e meio como chefe de uma operação que retirou mercadorias de um depósito da Receita Federal em Maringá, em 2001. Balan era o homem-chave para a entrada no Brasil de produtos contrabandeados a partir das cidades brasileiras de Guaíra (PR), Mundo Novo (MS) e da paraguaia Salto del Guiará. Balan ficou pouco tempo na prisão. Saiu da prisão graças a um habeas corpus.

Esta reportagem foi produzida com apoio do Instituto Prensa y Sociedad, do Peru, com a colaboração dos jornalistas Martha Soto, do jornal El Tiempo, da Colômbia, e Ronny Rojas, do jornal La Nación, da Costa Rica.

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