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Elvira Vigna: biografia com princípio e meio, evita o fim | Divulgação
Elvira Vigna: biografia com princípio e meio, evita o fim| Foto: Divulgação

Romance

O Que Deu para Fazer em Matéria de História de Amor

Elvira Vigna. Companhia das Letras. 208 págs., R$ 34.

Esticando os fios emaranhados de sua memória e de sua imaginação, a narradora de O Que Deu para Fazer em Matéria de História de Amor, romance de Elvira Vigna (Companhia das Letras, 2012), tenta criar alguma ordem, uma biografia com princípio e meio, mas evitando sempre o final. Nada é claro no começo do romance. A vida pessoal da narradora se mistura com a vida de outras pessoas, e tudo gira num grande torvelinho, enquanto ela espera o seu amado – o dono de uma galeria de arte e herdeiro de um artista do movimento concreto, a quem ela serve como funcionária faz-tudo. Nas três partes do livro, ela está sempre aguardando Roger. Sua vida se resume a uma longa e paciente espera. Ela se afasta para que o homem que ela ama desde a adolescência a procure.

Sem nome no romance, a narradora é uma mulher na meia-idade que passou pelos movimentos libertários dos anos 60, e que agora se encontra em um estado de fragilidade emocional. Na primeira parte, ela tenta desenhar – com impressões e meias confissões – a vida de Roger, filho oficial de Rose e Arno, mas fruto de um adultério. Essas reconstruções se misturam com suas próprias recordações e vivências. Não é possível distinguir bem de quem ela fala nesta primeira parte, pois há um jogo de sobreposições que turva tudo. As cenas recorrentes aqui são: uma mulher que dança nua; casais que se reúnem para jogar; um encontro furtivo no banheiro; um prédio em construção; a história dos parentes de Arno etc. Enquanto isso, ela espera o esquivo Roger no Bar Amarelinho, na Cinelândia (Rio de Janeiro), sentindo-se velha e só.

Apenas na segunda parte do livro começam a ficar mais claros os fatos. Ela segue para o litoral paulista, para desmontar o apartamento do pai de Roger, recentemente morto – um pouco depois da esposa. Esvaziar o apartamento é mais uma oportunidade de tentar compreender tudo o que se passou com eles e com ela. Há ainda a busca da última peça desse artista, para abrir uma retrospectiva. Arno, adepto da arte cinética, fazia pequenas maquininhas que destacavam a gratuidade da beleza por meio de um funcionamento no vazio. Este cosmopolita morava de forma convencional, tendo parado de produzir havia anos. Manifesta-se uma tensão entre arte ascética e afeto em todo o livro. É como se as falências afetivas desses personagens fossem corroendo o desejo concretista de uma arte pura, objetiva, coisal.

A última peça de Arno, descobrirá a narradora na terceira parte do livro, traz um crime ou uma declaração de amor. E ela exige que o ato violento que está na origem desta obra – Arno usa os remédios da mulher em fase terminal de um câncer para construir a sua máquina – seja conhecido por todos, e faz isso, meio rocambolescamente, durante a abertura da exposição. O pequeno escândalo gera um novo rompimento com Roger. Isso a obriga a se distanciar novamente, até receber a proposta de um reencontro. O romance termina com ela esperando o amado.

Só no final sabemos que o nascimento de Roger (filho de um pai que não o assume) se repete no filho da narradora (esta, na juventude, ficara grávida secretamente de Roger). A história dos casais que ela tanto quer reconstruir é também a sua, por isso tudo aparece sobreposto no início.

A beleza simbólica do romance está nesta luta de uma mulher para construir um espaço amoroso longe dos valores convencionais. Tudo cabe nessas vidas (adultério, desejo por pessoas do mesmo sexo, falta de atenção, pequenas vinganças), indicando que o amor maduro é feito de esperas e renúncias.

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