A cada cinco escolas em construção, no Brasil, uma tem obras paralisadas ou completamente abandonadas. Os dados são do Censo de 2014, que também descobriu que 1,2 milhões de crianças entre 4 e 14 anos estavam fora da escola. Com apoio da comunidade, a ONG Transparência Brasil quer mapear essas obras. É uma forma de pressionar o poder público e liberar dinheiro para o que realmente interessa: investir na qualidade da educação. Meio cidadão, meio tecnológico, o projeto “Cadê minha escola” é um dos vencedores do Desafio Google de Impacto Social, na categoria escolha do público.
No total, a multinacional vai investir aproximadamente R$ 10 milhões em projetos brasileiros, dos quais R$ 6 milhões serão destinados aos vencedores que atuam na área de política cidadã e o restante aos demais finalistas.
A ideia do “Cadê minha escola?” é simples. Os próprios moradores tiram fotos da escola em construção no seu bairro e publicam na plataforma, em um aplicativo que pode ser instalado no próprio celular ou pelo site do projeto. A ONG faz a checagem dos fatos: a liberação do dinheiro em esfera federal, a publicação no Diário Oficial, a contração da empresa, qual o histórico da empreiteira contratada. E por aí vai.
“São informações que a gente já coleta, mas que nem sempre ficam disponíveis de forma clara para o cidadão”, explica Juliana Sakai, coordenadora de pesquisa do Transparência. Para garantir a contrapartida da população, o projeto prevê parceria com ONGs e líderes locais. São pessoas que vão ter o compromisso de acompanhar as obras.
A ideia é usar o prêmio de R$ 1,5 milhão do Google e criar o aplicativo dentro de quatro a seis meses. O treinamento com os parceiros é a segunda etapa. Além dos parceiros da sociedade civil, a ONG aposta no apoio dos ministérios públicos estaduais e do Ministério da Transparência, antiga Controladoria Geral da União (CGU), para utilizar os dados para fazer a cobrança dos governos municipais.
O júri selecionou outros três projetos de política cidadã. O Mudamos (para criar projetos de lei de iniciativa popular); o Vetor (que incentiva jovens líderes a encontrarem soluções para o serviço público); e o Arredondar (que facilita doações financeiras para ONGs).
O Ipam, que trabalha mudanças ambientais com indígenas na Amazônia, faturou um quinto prêmio. A exceção de cinco vencedores foi aberta pela qualidade dos projetos apresentados na edição brasileira do prêmio, segundo a empresa. Os outros cinco finalistas faturaram R$ 650 mil (veja no box ao lado).
A escolha de projetos focados em tornar o cidadão mais envolvido com o governo não foi uma coincidência, considerando a situação política do Brasil, na opinião de Jacqueline Fuller, diretora do braço de filantropia da empresa, o Google.org.
“Vemos que alguns dos nossos vencedores são focados em petições, um ato civil muito pequeno, até doar toda a sua carreira para trabalhar no governo”, opina. E não é uma coincidência que o vencedor do público é relacionado à transparência: “Precisamos de transparência em relação aos investimentos. Não só saber quanto dinheiro está sendo investido. Mas quais os resultados? Quantas escolas estão sendo construídas?”, afirma.
Leis populares
Outro premiado, o Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio) quer criar uma plataforma na internet para projetos de lei de iniciativa popular. A ideia é transportar o bom e velho abaixo assinado para a internet, por meio da plataforma Mudamos.org, que hoje já funciona como espaço de fomento ao debate público. estados.
“Não é uma plataforma de petições. Porque essas petições na internet em geral estão ligadas a causas. É importante, mas queremos um espaço para criação de leis”, explica Ronaldo Lemos, do ITS. A lei brasileira prevê projetos de lei populares, desde que assinados por 1% do eleitorado.
A plataforma vai incluir guias de estilo para a redação de leis, para aumentar a chance dos projetos serem aprovados. Além disso, a assinatura digital vai ser certificada pela tecnologia blockchain. A validade das assinaturas digitais para projetos de iniciativa popular já é reconhecida em lei no estado do Rio de Janeiro. Projeto similar tramita na Câmara dos Deputados, em Brasília. As comissões da Casa já deram parecer favorável; falta aprovação em plenário, para a lei seguir para o Senado.
Jovens líderes no setor público
A engenheira Joice Toyota passou a vida em escolas públicas, angustiada e sem entender o porquê de seu colégio enfrentar tantos problemas. Já no mercado, foi prestar consultoria para uma prefeitura, na área de educação. Seu sonho - de mudar a escola - encontrou a realidade e os desafios enfrentados pela gestão pública. Com o Vetor Brasil, ela busca fomentar encontros como esse. Hoje a organização conta com 46 jovens líderes alocados em 11 governos diferentes, de partidos diferentes.
Com o dinheiro do prêmio, a ideia é ampliar isso em escala. Atrair mais trainees e estabelecer parcerias com outros governos. Os profissionais recebem treinamento antes de serem encaixados nos governos e ao longo de todo o trabalho. Cada trainee deve apresentar um projeto com aplicabilidade prática. A meta é chegar a 30 mil profissionais no primeiro ano. E sair do eixo administração e engenharia, que hoje representa a maioria dos trainees. “Um dos nossos principais valores é diversidade, seja de gênero, étnico racial, e buscamos isso nos nossos trainees”.
O projeto já derrubou alguns mitos da administração pública. O primeiro é de que muitos governantes estão dispostos a abrir mão de indicações políticas para contratar técnicos qualificados, mas não sabem por onde começar, opina Joice. Além disso, muitos políticos mantêm bons projetos das gestões anteriores. “As vezes só mudam de nome”.
Além de alocar bons profissionais nas gestões públicas, o Vetor pretende sensibilizar futuros líderes. Joice provoca: “Hoje vemos muitos protestos, pessoas reclamando do governo. Mas como é mudar de dentro? Quais desafios?”.
Trocado que vale muito
A diferença entre R$ 4,90 e R$ 5. É com esses centavos que o Arredondar conta para financiar projetos sociais importante. Hoje, a ONG conta com 23 varejistas parceiros no Rio de Janeiro e em São Paulo. São grandes lojas, onde o vendedor convida o cliente a doar seu troco.
O problema, hoje, é ampliar a escala de abrangência do projeto. Com o dinheiro do prêmio, a organização pretende abrir mais duas frentes de doação. Uma seria o e-commerce, comércio pela internet. A outra é adaptar a opção de arredondar o troco para máquinas de cartão de crédito e débito.
Mudanças climáticas
Quinto vencedor, o Ipam Amazônia vai criar uma plataforma tecnológica de proteção da floresta Amazônica e dos povos indígenas que lá vivem. A ideia é usar a mídia mais popular entre esses povos, o smartphone. Por meio de um aplicativo, os moradores das florestas podem verificar mudanças climáticas que podem atingir sua região e seu ecossistema.
“O agricultor sabe que o El Niño do próximo ano vai trazer seca para a Amazônia, tem meios de saber, mas o indígena não tem”, explica Paulo Moutinho, pesquisador do Ipam. Até mesmo rituais indígenas são afetados pelas mudanças climáticas. Uma celebração que ocorre todos os anos sob determinada chuva, por exemplo, fica comprometida se não há precipitação.
Os indígenas são parte do ecossistema da floresta, “este grande regador” das cidades, argumenta Paulo. E ajudar a protegê-los é ajudar a proteger o meio ambiente como um todo.