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Colégio com mais de 50 anos de funcionamento sempre viveu debaixo de estigma | Daniel Castellano
Colégio com mais de 50 anos de funcionamento sempre viveu debaixo de estigma| Foto: Daniel Castellano
  • Professoras Raquel e Márcia, à frente de num grupo de 52 docentes: mudanças profundas nos últimos seis anos
  • Espaço bem cuidado, afeto e enfrentamento dos problemas fazem nota aquém apenas uma parte do cenário da escola

Sempre que alguém visita a Escola Municipal Itacelina Bittencourt, no bairro Guaíra, em Curitiba, a vice-diretora Márcia Dantas Amaral da Silva, 48 anos, repete um ritual: passeia com o recém-chegado. Começa pelo jardim da frente, de onde se pode perceber a arquitetura funcional da década de 1960 – o colégio comemorou 54 anos –; passa pelo hall, no qual chama atenção o assoalho avariado, porém aconchegante. O próximo passo é o grande pátio, com as 13 salas de aula voltadas para ele. Por fim, leva à horta. "Está chegando o dia do nosso sanduíche natural", festeja, com o indefectível sotaque do Florianópolis. Depois pergunta: "Reparou?"

Impossível não reparar. A "Itacelina Bittencourt" é uma escola bem cuidada. Está sem pichação. E mesmo não tendo mais do que três salas de aula reformadas – o risco de prender o pé no piso de madeira podre é grande – o local está cercado daqueles cuidados, que nem sempre são o forte das instituições públicas. Nem sempre foi assim.

Há seis anos, essa que é uma das mais tradicionais instituições da Zona Sul de Curitiba, passava por uma intervenção da Prefeitura Municipal, o que costuma ser o pior dos mundos. Os pais podiam entrar e levar os filhos para casa, ao bel prazer. Saques eram semanais. Os professores pediam remoção com a facilidade com que se vai à feira. O prédio – já velho – estava sucateado, contrastando com a antiga Vila Guaíra, convertida, na última década, em um reduto da classe média. A entrada das diretoras Raquel Zandomenighi, 34, e Márcia, não veio cercada de fogos de artifício. "Tivemos de ganhar todo mundo – os pais e os professores", conta a pedagoga Raquel, jovem de porte altivo, enérgica, direta e que é atropelada pelas 550 crianças quando pisa no grande pátio. Eles disputam quem vai abraçá-la primeiro. Festa. Quem pensou em palavrinhas chave como vínculo e afeto, acertou.

Observar essas e outras variantes faz parte da política de avaliação da Secretaria Municipal de Educação. E parece não haver laboratório mais propício para tanto do que a "Itacelina". Do ponto de vista do ranking educacional – se é que essa expressão faz algum sentido – a escola do Guaíra é deficitária. Passou da avaliação 4.1 em 2011 para 4.5 em 2013. Quando se olha a horta, o recreio e todos os professores posando, orgulhosos, para a foto, estabelece-se a dúvida. A nota não merece ali ser o fiel da balança.

O "Itacelina" tem quase 40% dos seus alunos beneficiados pelo Bolsa Família, logo, empobrecidos, e uma das maiores taxas de evasão escolar da capital, na casa dos 17%. Baixou para 8%. A inclusão de deficientes é alta – não há dados conclusivos, apenas a mordida que Raquel mostra no braço: tinha acabado de recebê-la. O relato das diretoras não deixa dúvida: Dos 30 estudantes que ingressam numa turma, em fevereiro, uma dezena chega ao final do ano. "Assino 3-4 transferências por semana, e 3-4 novas matrículas", explica Raquel. Ou seja – as crianças estão em vaivém, o que lhes prejudica o aprendizado e o laço escolar. É uma situação incomum – ignorá-la é uma forma de violência não catalogada, mas que amargura quem trabalha em zonas de risco. Ser chamada de "a pior escola" numa divulgação de Ideb pode minar a estima de uma instituição.

A propósito, o lugar pede um estudo de "território educacional", passível de ser objeto de estudo para futuros educadores. Raquel e Márcia reivindicam mais presença da sociedade do belo jardim da Itacelina para dentro. Há muito o que ver. Embora situada no Guaíra, é a escola da, ainda assim chamada, "favela do Parolin". No passado, tinha a seu lado outra favela, a do Valetão, hoje extinta. Se sofre estigma? Sim. Seis ônibus, em dois turnos, fazem o transporte das crianças e adolescentes – a distorção idade-série é alta e implica muitos alunos de 14 anos na 5.ª série. A vocação para "escola do Parolin" tem um efeito sobre os moradores do bairro: eles demonstram ter pouca ligação com o colégio, plantado ali, num quarteirão da Rua São Paulo, como um objeto não identificado. "Minha comunidade escolar não está aqui, está no final da Rua Brigadeiro Franco", diz Raquel, sobre mais essa "solidão" da Itacelina. Os alunos vivem quatro quadras para baixa, na mais antiga ocupação da capital, surgida em meados da década de 1950.

Noves fora, as diretoras pedem parênteses. De 2007 para cá, o Parolin passou por uma reurbanização e reassentamentos. Raquel e Márcia atestam que houve reflexos e que alguns pais – cada vez mais longe da informalidade da favela – cedem à formalidade da escola. No entorno, outro projeto de habitação popular, para moradores do Lindoia, igualmente, trouxe frutos. Com a escola mais organizada, menos professores pediram preferência: são 52 docentes, a maior parte na faixa dos 40 anos e, agora, com tendência a ficar por ali, reescrevendo a história do Itacelina. Hoje há um projeto pedagógico. E ninguém entra sem pedir licença para tirar criança da sala. Tem de pedir licença. Dar um dedo de prosa com quem ensina. Foram só 0.4 décimos a mais em dois anos – mas se aconselha multiplicar esse valor por 10.

Escola Municipal Itacelina Bittencourt

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