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Thiago Duarte e a esposa Roberta Jérsyka, que foi presa por participar dos atos de 8 de janeiro. Ele organizou as imagens de câmeras de segurança para demonstrar que Roberta não cometeu crime.
Thiago Duarte e a esposa Roberta Jérsyka, que foi presa por participar dos atos de 8 de janeiro. Ele organizou as imagens de câmeras de segurança para demonstrar que Roberta não cometeu nenhum crime.| Foto: Arquivo Pessoal

Depois que as imagens dos atos de 8 de janeiro registradas por câmeras de segurança dos prédios públicos foram disponibilizadas, o engenheiro de telecomunicações Thiago Duarte, 37, comprou um HD externo de seis terabytes para demostrar que a esposa, a estudante de medicina da USP Roberta Jérsyka, 35, não cometeu crime. Apesar disso, o STF não considerou as provas.

As imagens (assista abaixo ou neste link) mostram Roberta chegando ao Congresso Nacional pela entrada da chapelaria, passando pelo Salão Verde e Salão Azul e indo até o plenário do Senado Federal, onde ficou cerca de quatro horas. Como a Gazeta do Povo mostrou, para a Corte, os atos de 8 de janeiro são considerados crime multitudinário, ou seja, cometido por multidões e independendo da conduta individualizada dos réus. “Não importa o que a gente fez ou tenha deixado de fazer. O fato de a gente estar lá já nos faz ser tratado como criminoso”, comenta. O julgamento de Roberta ainda não foi marcado.

Na maior parte do tempo em que esteve no plenário, Roberta orou de joelhos no chão. Nas imagens, é possível ver que os policiais que acompanham os manifestantes mexem no celular, conversam, tiram fotos e até ficam sentados. “Teve um momento que o policial falou que ali era o melhor lugar para a gente ficar. A gente estava ouvindo uns barulhos lá fora”, relata. O barulho era das bombas de gás que estavam sendo jogadas, mas que Roberta só descobriu depois.

No dia 6 de janeiro, aniversário de Roberta, ela estava no QG em São Paulo, cidade em que foi morar em 2020, quando começou o curso de medicina na USP. Foi aí que comentaram que havia um vaga em um dos carros para ir à Brasília participar da manifestação. Roberta chegou na capital no dia 7 de janeiro e dormiu em uma barraca simples que trouxe, no próprio QG de Brasília.

“Não houve esse financiamento ou essa liderança que querem falar. Não é assim, é uma coisa orgânica”, comenta ao explicar que não houve horário definido para descerem até a Esplanada. No caminho, foi revistada por uma barreira policial. “Eu tinha água, fruta e pão integral na bolsa”, conta. Como os outros réus, mesmo assim, foi indiciada por associação criminosa armada.

A estudante de medicina passou sete meses na prisão. Só conseguiu falar com o marido cinco meses depois, durante uma visita virtual de quinze minutos. Foi nesse contato que Roberta tentou explicar para o esposo qual percurso fez dentro dos prédios públicos, os horários aproximados que chegou e saiu e como estava vestida. “A sorte dela foi a mochila vermelha que estava usando, assim foi possível identificá-la”, conta a advogada de defesa, Carolina Siebra.

O marido comprou um HD externo, baixou as imagens que foram recebidas pela advogada e começou a “investigação” para encontrar Roberta. Conseguiu identificá-la do momento da entrada na chapelaria até ser retirada pelos policiais do plenário do Senado Federal (veja no vídeo). No plenário, Roberta passou a maior parte do tempo sozinha, sentada ou de joelhos orando.

O vídeo mostra também outras pessoas, sendo a grande maioria idosa, apenas registrando o momento com o celular, conversando, rezando. “No relatório da própria polícia do Senado Federal diz que as avarias dentro do plenário do Senado foram poucas. Um microfone, uma cadeira desparafusada. Não teve grandes avarias, foi o lugar mais preservado dentro do Congresso”, aponta Siebra. Em um momento, Roberta passa a oferecer a comida que levou a pessoas que estavam por ali.

“Houve um momento em que um policial disse em particular que se eu saísse com ele nada aconteceria, mas a forma com que ele me abordou mostrou que eu sairia às escondidas e eu não teria coragem de deixar outras pessoas ali”, relata.

“Um policial deu a entender que não seríamos presos, mas que passaríamos por uma espécie de triagem e que iriam nos ouvir, que haveria uma audiência de custódia em 24 horas e eu seria solta, mas não foi o que aconteceu”, conta. Roberta chegou a fornecer as senhas do celular e do tablet que portava aos policiais, pois estava tranquila que não tinha cometido crime algum.

Depois de sair do plenário, ficou em um estacionamento até a madrugada, onde não há câmeras de segurança. Em seguida, fez os exames de corpo de delito e encaminhada para o presídio. “Ninguém me deu voz de prisão. Ou se deu, eu não entendi”, comenta Roberta. Foram sete meses na Colmeia, presídio feminino do Distrito Federal. Agora, ela aguarda os próximos passos do julgamento no Supremo Tribunal Federal.

Processo administrativo pode fazer com que Roberta perca vaga na USP

“Estude para o vestibular mais difícil. Se você estiver preparada para o mais difícil, você passa para qualquer outro”, foi o conselho recebido por um professor quando Roberta estava pensando em estratégias para conseguir mais rápido a aprovação no vestibular de medicina. “Muita gente estuda pelas mesmas apostilas e tem os mesmos professores no Brasil todo. E as vagas são limitadas. Então, o que faz alguém conseguir uma vaga no menor tempo possível de cursinho?”, se perguntou.

Ela levou o conselho a sério. Prestou vestibular para várias universidades federais e juntou dinheiro para pagar passagem, inscrição e hotel em São Paulo para fazer a prova. “Já que eu estava estudando pelas provas da USP, eu pensei ‘Por que não fazer a prova da USP?’”. O pai, que já estava recebendo os cuidados paliativos após o diagnóstico de câncer de próstata, faleceu na semana do exame em São Paulo. Roberta desistiu da viagem para viver aqueles últimos momentos com o pai, mas no dia anterior à prova os amigos a presentearam com uma nova passagem aérea. Fez a prova conturbada e não passou, apesar de ter ido bem.

Mesmo com várias aprovações em outras universidades federais para o curso de medicina, voltou a estudar para a USP. No aniversário daquele ano, pediu de presente aos familiares e amigos os vinte livros de literatura cobrados nos vestibulares da USP e da Unicamp, que estão entre os mais concorridos do Brasil. Roberta se oferecia para tirar as dúvidas dos concorrentes “Uma forma de aprender é ensinando. Então procurava pessoas que nem conhecia para ajudar e falava ‘Se eu não souber da resposta, eu vou atrás’”, relata. Naquele ano foi aprovada pelo Sisu e em fevereiro de 2020 já estava morando em São Paulo, onde ficou até o dia que foi a Brasília. Após os sete meses de prisão, voltou para Fortaleza, sua cidade natal.

Roberta até fez um perfil no Instagram para contar a trajetória da aprovação e incentivar outras pessoas. Depois de alcançar a tão sonhada vaga, Roberta agora corre o risco de perdê-la. Isso porque a universidade abriu um processo administrativo pela participação dela nos atos de 8 de janeiro, após colegas pedirem a sua expulsão. Ela já foi ouvida pelos diretoria, mas ainda não teve nenhum retorno. Além disso, não sabe muito bem o que a espera no julgamento do próprio STF, vendo outros réus receberem condenação de 17 anos de prisão.

“Eu saio de casa e me despeço dos meus familiares sem saber se vou voltar”

Casada há seis anos, Roberta estava esperando a formatura para ter filhos, mas com o futuro com tantas incertezas não sabe muito bem o que irá fazer. “Eu tenho interesse em fazer medicina, sim, abri mão de muita coisa na minha vida para isso. Inclusive, posterguei até hoje, aos 35 anos, o sonho de ter filhos”, confidencia.

“Agora, aos 35 anos, minha faculdade está trancada. Não sei como será em relação ao STF, porque eu não tenho mais esperança em relação a eles. Só um milagre mesmo”, revela. Roberta comenta também sobre a insegurança que vive. “Às vezes, eu saio de casa e me despeço dos meus familiares sem saber se vou voltar. Sem saber se vai aparecer um mandado de prisão. Eu me despeço sempre como se fosse a última vez”, reitera.

Com tudo o que viveu, Roberta conseguiu ter claro o que é prioridade para ela. “Quando a gente descobre o que é o mais importante da vida, eu percebo que não é mais a faculdade mais renomada da América Latina, mas estar perto da minha família”, confessa.

“Hoje somos nós, amanhã pode ser qualquer um”

Segundo a advogada Carolina Siebra, o plenário virtual prejudica os réus, especialmente o caso de Roberta, já que há provas robustas que demonstram a inocência dela. “Ela merecia um julgamento em plenário físico, inclusive com a presença dela, porque seria a primeira vez que o ministro Alexandre de Moraes iria olhar para a cara da pessoa que ele está julgando”, comenta Siebra. Uma possível repercussão pública também poderia influenciar a decisão do STF.

Carolina Siebra também ressalta que o posicionamento da Procuradoria-Geral da República é perigoso não só para a Roberta, mas para a sociedade como um todo, pois abre precedentes jurídicos perigosos. “Juridicamente falando, a Procuradoria-Geral da República, a titular da ação penal, é que deveria trazer provas para incriminá-la. Não é o que tem acontecido nesse processo, eles têm trabalhado com meras suposições”, afirma a advogada.

“Hoje somos nós, de direita, conservadores, amanhã pode ser qualquer um. Eu não estou pedindo privilégio, eu estou pedindo um julgamento justo, que todo cidadão merece”, finaliza Roberta.

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