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Uma nova versão do chamado PL das Fake News está pronta para ser levada ao Plenário da Câmara de Deputados. O novo texto traz mudanças importantes em relação à versão anterior, especialmente no que diz respeito ao uso das redes sociais por políticos. Caso o projeto seja aprovado, partes da nova lei poderão entrar em vigor a tempo de interferirem nas eleições deste ano. Para isso, o relator da proposta, deputado Orlando Silva (PCdoB) quer que o projeto tramite em regime de urgência, para que a votação seja concluída até o fim deste mês.
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A principal alteração em relação à versão anterior do PL 2.630/2020 foi a inclusão de um item prevendo que os provedores de redes sociais, ferramentas de busca e de mensagem instantânea sejam tratados como veículos de comunicação para fins de cumprimento do artigo 22 da Lei de Inelegibilidade. Isso vai permitir, por exemplo, que coligações ou partidos peçam a abertura de investigação na Justiça Eleitoral sobre possível uso indevido das redes sociais e aplicativos de mensagens em benefício de algum candidato.
“Essa equiparação possibilitará, caso aprovada, que as campanhas entrem com ações de cassação, ações de investigação judicial eleitoral, contra condutas praticadas nas redes, com mais chances de serem consideradas de fato um uso indevido ou abuso e que resultem em eventual cassação de mandato”, explica a advogada Samara Castro, que atua na área de Direito Eleitoral e Partidário, Direito Digital, Privacidade e Proteção de Dados. Para ela, a alteração vai ter grande impacto nas eleições deste ano.
“É óbvio que isso não vem da melhor forma. Vem um pouco às pressas, colocado no final do texto, mas acho que isso é consequência do fato de que a gente não conseguiu aprovar o novo código eleitoral e ter mecanismos melhores e mais efetivos de combate à desinformação”, afirma.
Já na avaliação do advogado Amauri Nunes Filho, especialista em Direito Digital, a inclusão desses dispositivos foi inoportuna. Para ele, embora seja importante que o país tenha uma legislação que trate da regulamentação das redes sociais e aplicativos de mensagens, questões relacionadas a eleições não deveriam ter sido incluídas.
“A lei trata de muitos temas ao mesmo tempo, como a liberdade de expressão, publicidade, comunicação institucional, propaganda política e remuneração de veículos de comunicação. E o faz de forma muito ampla, no atropelo, sem se debruçar nos detalhes, o que seria fundamental”, diz ele.
O advogado ressalta que o texto do PL 2.630/2020 é resultado da análise de mais de 80 outros projetos que foram apresentados pelos deputados e que acabaram apensados (discutidos juntos). “Esse processo de ‘apensamento’ nem sempre é positivo, podendo levar a análises precipitadas. Na minha avaliação, parece que foi isso o que houve: uma pressa exagerada em discutir e, agora, para tentar aprovar, um texto ainda bastante falho”, avalia.
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Perfis oficiais ou pessoais
Outro ponto relacionado ao uso das redes por políticos, já presente na versão anterior do texto, prevê que contas ou perfis de órgãos públicos ou agentes políticos devem se submeter aos princípios da administração pública. Assim, essas contas não poderiam, por exemplo, bloquear usuários ou excluir mensagens. Porém, a nova versão do texto incluiu a possibilidade de que um político que possua mais de uma conta ou perfil possa indicar qual delas será a “oficial”, e que por isso ficará submetida às regras da administração pública. As demais serão consideradas “pessoais” e nelas o político não precisará seguir as regras determinadas para as contas oficiais.
Outra alteração foi a extensão da imunidade parlamentar a opiniões e posicionamentos emitidos por meio das redes sociais. Assim, da mesma forma como os parlamentares são protegidos juridicamente quando discursam oficialmente na Câmara ou Senado, também o serão em suas postagens nas redes sociais. Já em relação ao uso político de aplicativos de mensagens, como Telegram e WhatsApp, houve poucas mudanças.
O texto manteve a proibição de que contas comerciais sejam usadas para finalidade de propaganda eleitoral e partidária e a exigência de que as plataformas limitem a distribuição massiva de conteúdos e mídias, independentemente do tema. Igualmente, foi mantida a proibição da venda de softwares, plugins e quaisquer outras tecnologias que permitam disseminação massiva de conteúdos. Como em outros trechos da lei, não há especificação do que se deve considerar como “massivo”.
Indefinições permanecem
Problemas antigos presentes na edição anterior do texto permanecem na nova redação, como a falta de precisão de termos. Mesmo sendo chamado de "PL das Fake News", em nenhum momento o texto menciona ou explica o termo “fake news”. No artigo 36 do projeto, por exemplo, é considerado crime “promover ou financiar, pessoalmente ou por meio de terceiros, mediante uso de contas automatizadas e outros meios ou expedientes não fornecidos diretamente pelo provedor de aplicações de internet, disseminação em massa de mensagens que contenha fato que sabe inverídico que seja capaz de comprometer a higidez do processo eleitoral ou que possa causar dano à integridade física e seja passível de sanção criminal. Pena: reclusão, de 1(um) a 3 (três) anos e multa”.
Mas não há especificação de qual seria o número de disparos necessários para se considerar uma “disseminação em massa”. Também não há explicação sobre quais critérios seriam usados para definir a veracidade ou não de algum fato. Do jeito como está, o texto pode criminalizar, por exemplo, quem questionar ou apresentar dúvidas sobre a segurança das urnas eletrônicas.
Para a advogada Thaís G. Pascoaloto Venturi, doutora em Direito das Relações Sociais, o novo texto ainda tem pontos que precisariam de mais discussão, especialmente para buscar uma maior conformidade com o Marco Civil da Internet e a Lei de Proteção de Dados. Ainda assim, ela vê a lei como necessária. “Como acadêmica e professora de Direito, não tenho dúvida de que seria necessário mais discussão e análise do texto, mas, por outro lado, as redes sociais não podem continuar a exercer esse impacto absurdo sem nenhum tipo de regulamentação”, avalia.
Ela salienta que o projeto praticamente copia trechos de outras legislações, como o Online Safety Bill, da Inglaterra, e o Digital Services Act, aprovado recentemente pelo Parlamento Europeu, em relação ao Comitê Gestor da Internet, mas deixa de lado questões importantes, como a previsão de maior autonomia do órgão. “Lá fora os comitês têm uma autonomia muito grande também para fiscalizar a atuação das redes, o que não é previsto aqui”, explica.
Big Techs são contra projeto
Para a advogada, uma das alterações mais polêmicas é a que prevê a remuneração de empresas de conteúdo jornalístico. De acordo com o artigo 38 do projeto, textos, vídeos, áudio ou imagem produzidas por veículos de comunicação e usadas pelos provedores deverão ser remunerados. Entretanto, o texto diz que os critérios para isso, como forma de aferição de valores, negociações e resolução de conflitos, ainda dependerão de outra regulamentação. O texto não deixa claro de quem será a responsabilidade de fazer essa regulamentação e nem estabelece um prazo para isso.
É justamente a questão sobre remuneração dos veículos de comunicação que mais têm gerado resistência por parte das plataformas de tecnologias – as Big Techs. Em fevereiro deste ano, uma carta conjunta assinada pelo Facebook, Instagram, Google, Mercado Livre e Twitter, mesmo reconhecendo “os esforços do Congresso Nacional na formulação de uma proposta de lei que ofereça à sociedade meios eficientes de lidar com o problema”, disse que a nova lei seria uma “potencial ameaça para a Internet livre, democrática e aberta que conhecemos hoje e que transforma a vida dos brasileiros todos os dias”.
Conforme as empresas, o projeto pode restringir o acesso das pessoas “a fontes diversas e plurais de informação”, além de desestimular as plataformas a tomar medidas para manter um ambiente saudável online e ainda “causar um impacto negativo em milhões de pequenos e médios negócios que buscam se conectar com seus consumidores por meio de anúncios e serviços digitais”.
Segundo a carta, o projeto não é claro em relação aos critérios para definir o que são veículos de imprensa elegíveis a receber pelas notícias publicadas nas plataformas e nem leva em conta as parcerias já existentes entre plataformas e veículos. “Isso pode acabar favorecendo apenas os grandes e tradicionais veículos de mídia, prejudicando o jornalismo local e independente, e limitando o acesso das pessoas a fontes diversificadas de informação”, argumentam.
Com o anúncio de que o PL das Fake News pode ser votado em breve, as plataformas subiram o tom crítico. O Google, por exemplo, publicou materiais publicitários contra a proposta em jornais impressos como O Globo, Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo, e Correio Brasiliense alegando que o projeto poderá obrigar a empresa a financiar notícias falsas. Em texto publicado na página do Google, o presidente da empresa no Brasil, Fábio Coelho, disse que o PL das Fake News poderia promover a disseminação de mais notícias falsas no Brasil e ainda resultar “uma péssima experiência para os brasileiros buscando informações em mecanismos de pesquisa na internet”.
“A proposta exige o pagamento por conteúdos jornalísticos utilizados por plataformas de tecnologia. Sem uma definição precisa do que deve ser considerado conteúdo jornalístico ou de como ele seria utilizado, o Google seria obrigado a pagar a produtores de conteúdo apenas por exibir seus sites nos resultados de pesquisa. Do jeito que está, o projeto prejudica profundamente o funcionamento de um serviço gratuito e aberto que foi construído para atender a todos”, justificou Coelho.
Já para o relator do projeto, Orlando Silva, as Big Techs estariam mentindo e usando seu poder econômico para tentar atrasar a tramitação do projeto. Em sua conta no Twitter, o deputado escreveu que “verdade é que o Google usa conteúdo alheio para enriquecer, não tem ética e nem solidariedade com quem produz informação. Querem ganhar sozinhos", afirmou o deputado.