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ONG cria campanha para pressionar STF a retomar julgamento sobre uso de banheiros por transexuais
Julgamento sobre uso de banheiros públicos por transexuais foi paralisado em 2015 após pedido de vista de Luiz Fux| Foto: Nelson Jr./STF

No início de julho, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) criou uma campanha para pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) a dar sequência ao julgamento que trata do uso de banheiros por transexuais de acordo com o gênero com que se identificam. Denominada “Libera meu xixi, STF”, a campanha faz comentários frequentes nos perfis da Corte nas redes sociais e disparos massivos de e-mails ao gabinete do ministro Luiz Fux, que suspendeu temporariamente o julgamento ao pedir vista em novembro de 2015.

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O julgamento em questão tem repercussão geral, ou seja, seu resultado norteará todas as decisões sobre o assunto nas instâncias inferiores da Justiça – na prática, balizará processos judiciais que tratam do uso de banheiros femininos por homens biológicos e vice-versa.

O caso que originou o processo foi ajuizado por uma mulher transexual (nascida como homem biológico) que ajuizou ação de indenização por danos morais contra um shopping de Santa Catarina alegando que foi impedida por funcionários da empresa de utilizar o banheiro feminino do estabelecimento “em abordagem grosseira e vexatória”, segundo a acusação.

A sentença de primeiro grau condenou o shopping ao pagamento de R$15 mil por danos morais. A empresa recorreu e em segunda instância a decisão foi revertida no Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. No Supremo, antes de o julgamento ser interrompido por pedido de vista de Fux, os ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin já haviam votado favoravelmente à transexual.

Ministro relator ignora insegurança de mulheres biológicas em seu voto

No voto de Barroso (relator do caso), ao ponderar entre o direito de uso de banheiros femininos por homens biológicos que se autodeclaram mulheres e o direito de privacidade das mulheres, o ministro concluiu que “a mera presença de transexual feminina em áreas comuns de banheiro feminino, ainda que gere algum desconforto, não é comparável àquele suportado pela transexual em um banheiro masculino”.

Ele sustenta que, nesse cenário, restaria uma restrição leve ao direito à privacidade contra uma restrição intensa aos direitos à igualdade e à liberdade, e que a solução para isso é “o reconhecimento do direito dos transexuais serem socialmente tratados de acordo com a sua identidade de gênero, inclusive no que se refere à utilização de banheiros de acesso público”.

Por outro lado, em nenhum momento o ministro aborda a questão da insegurança de mulheres diante da falta de controle ao acesso aos banheiros. O núcleo brasileiro da Women's Human Rights Campaign (Campanha pelos Direitos Humanos das Mulheres) tem insistido nos riscos comprovados de medidas que permitem a livre entrada de mulheres trans em banheiros femininos. Alegam que não são raros os casos de homens que se aproveitam dessa abertura para fingir outra orientação sexual e cometer abusos.

Em representação enviada em uma ação judicial – em caso semelhante, que também envolveu o impedimento à entrada de uma travesti em um banheiro feminino de um shopping – a entidade abordou os riscos da autodeclaração e explicou por que não se configura preconceito impedir a entrada de pessoas nascidas como homens biológicos nesses locais, principalmente sem a cirurgia de redesignação sexual.

No ano passado, Barroso concedeu medida cautelar concedendo a detentos que se identificam como transexuais o direito de optar por ficar em presídios masculinos ou femininos, sob a justificativa de que a medida garantiria proteção à população carcerária LGBT. Há, do mesmo modo, críticas a esse entendimento. Como mostrado pela Gazeta do Povo, na primeira quinzena de julho uma mulher transgênero detida em uma prisão feminina de Nova Jersey, nos Estados Unidos, foi transferida para outra instalação após engravidar duas prisioneiras.

O presídio feminino em questão começou a receber mulheres transgênero no ano passado após uma ação movida por um preso trans que esteve por 18 meses em presídios masculinos. Atualmente, a instituição aloja 27 presos identificados como transgêneros – não há exigência de cirurgia de mudança de sexo para cumprir pena no local. No ano passado, duas prisioneiras entraram com uma ação para impedir a política de identidade de gênero em Nova Jersey, alegando terem sido assediadas por detentos trans. Elas denunciaram que presos trans estavam fazendo sexo com prisioneiras.

Debate sobre uso de banheiros em Brasília

A atuação do Judiciário nesse tema é reflexo da ausência de lei federal que discipline o uso de banheiros por transexuais. Havendo essa lacuna, algumas decisões judiciais têm se orientado por uma resolução publicada em 2015 pela Secretaria de Direitos Humanos do governo de Dilma Rousseff. O artigo 6º da norma menciona que “deve ser garantido o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero, quando houver, de acordo com a identidade de gênero de cada sujeito”. Vale destacar, no entanto, que a resolução não tem força de lei.

Há, atualmente, diversas propostas no Congresso sobre o tema, mas com poucas chances de irem a plenário. Em 2016, o ex-deputado federal Professor Victório Galli (PTB-MT) apresentou o Projeto de lei (PL) 5774, que propõe alteração na Lei das Contravenções Penais para definir como contravenção o uso de banheiro público diferente do sexo biológico de quem o utilizar. O projeto de lei está parado desde o início de 2019 e aguarda a designação de relator na Comissão de Direitos Humanos e Minorias.

Apensado a ele está o PL 9742, protocolado em 2018 pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL/RJ). O texto também estabelece como contravenção penal o uso de banheiros públicos por pessoas de sexo diferente do determinado pelo sanitário. Nos dois projetos, a pena prevista para quem descumprir a norma é de prisão de até três meses e multa. Em ambas as propostas a vedação não é aplicável a pessoas que tenham feito cirurgia de redesignação sexual.

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Em sentido contrário, o PL 5008/2020, de autoria do deputado David Miranda (PDT-RJ), propõe “vedar qualquer tipo de discriminação com base na orientação sexual ou identidade de gênero” em banheiros públicos. Pelo texto, eventual proibição ao livre uso dos banheiros poderia ocasionar responsabilização do autor por discriminação.

Essa proposta está apensada a outra de autoria do mesmo parlamentar (PL 2653/2019), que cria uma série de mecanismos para proteção de pessoas em situação de violência baseada na “orientação sexual, identidade de gênero, expressão de gênero ou características biológicas ou sexuais”. O projeto de lei aguarda criação de comissão especial para análise da matéria.

Estados e municípios buscam criar leis sobre o tema

Enquanto há lacuna na esfera federal, diversos estados e municípios têm proposto – e, alguns casos, aprovado – projetos de lei sobre o tema. Em 2015, o município de Sorocaba, interior de São Paulo, aprovou lei que proibia o livre uso de banheiros nas escolas. Após a Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo ingressar com ação pedindo nulidade da lei, a Justiça entendeu que somente a União tem competência para legislar sobre o tema e anulou a lei municipal.

Em Sorocaba, aliás, o diretor de uma escola foi afastado de sua função em abril deste ano após proibir a entrada de estudantes em banheiros que não correspondem ao seu sexo biológico. A decisão do diretor se deu depois de receber relatos de meninas que se sentiam incomodadas com a presença de um rapaz que se identifica como uma moça no banheiro feminino.

Outros municípios que criaram mecanismos para impedir o uso por orientação sexual dos sanitários foi Caucaia, no Ceará. Em dezembro do ano passado, o prefeito da cidade, Vitor Valim (Pros), sancionou lei que impede que transexuais acessem banheiros do sexo com os quais se identificam.

Em junho deste ano, vereadores de Vitória, no Espírito Santo, aprovaram projeto de lei que proibia os chamados banheiros coletivos “unissex” em espaços públicos – isto é, sanitários de livre acesso para homens e mulheres. Na época, ONGs LGBT alegaram que a proposta era transfóbica. O prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) decidiu vetar a lei.

No estado do Paraná, 22 deputados estaduais apresentaram, na semana passada, uma petição com o objetivo de incluir projetos de lei que tratam do uso de banheiros por alunos transexuais nas escolas do estado em regime de urgência. No estado, o tema ganhou maior relevância após um episódio de violência em uma escola estadual de Maringá, no interior do Paraná.

Como mostrado pela Gazeta do Povo, no início de julho uma estudante transexual agrediu fisicamente duas alunas nas proximidades de uma das principais instituições de ensino da cidade após as jovens reclamarem à diretoria da instituição da presença de meninos biológicos em banheiros femininos.

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