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Algo bom entra na sua vida, fica por alguns dias, meses ou anos. Torna-se parte da paisagem, talvez a parte mais bonita e reconfortante. Então vai embora porque é hora de ir ou porque foi engolido por um acidente qualquer, um buraco negro. Transforma-se em perda. Perdi algo bom.

Quando se é criança, a perda provoca uma reação mais ou menos violenta: choro, grito, agressividade. Criança pequena, punhos fechados, dando soquinhos no pai ou na mãe que a afasta da brincadeira – quem não viu essa cena?

Com o tempo, aprendemos que as perdas devem ser vividas em silêncio. Quanto mais importantes, mais nos puxam para dentro, para o silêncio doloroso da conformidade. Sim, há adultos que mantêm a prepotência infantil e, diante de uma perda, são capazes de usar violência. O amante que mata quem o rejeitou, por exemplo. Convenhamos que não é uma forma saudável de lidar com perdas.

Adultos carregam as perdas como feridas mais ou menos cicatrizadas. Como hematomas, talvez. Manchas dolorosas que preferimos esquecer que temos. Olho as pessoas na rua e imagino que levam suas perdas como pequenos mistérios que devem ficar ocultos sob o risco de impedi-las de caminhar.

Um amigo, pessoa extremamente desapegada, diz que só lamenta uma perda: o relógio que herdou do pai. A única herança – afora as lembranças, que estas ele não perdeu. A perda dos próprios pais já não pode lamentar, ficou muito longe no tempo e ele sabe que era inevitável. Perderemos todos uns aos outros porque a morte nos levará. Pensamento horrível, é verdade.

Passamos a vida aprendendo a aceitar essa verdade. Uns aprendem melhor, outros não aprendem. Tanto faz. Não tem como escapar. Dependendo de quem você é, de quem você consegue ser, se definirá a forma de lidar com a grande perda.

As pequenas perdas também doem, mas com o passar do tempo podem ser encaradas com bom humor, com um resto de melancolia. "Aceite, austero, a chave perdida, a hora gasta bestamente. A arte de perder não é nenhum mistério", diz o poema de Elisabeth Bishop.

Note que Bishop fala da convivência com as perdas como uma arte.

"Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero lembrar a perda de três casas excelentes. Perdi duas cidades lindas. E um império que era meu, dois rios, e mais um continente. Tenho saudade deles."

Por trás do tom leve do poema, a poeta abriga o conformismo forçado: "Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo que eu amo) não muda nada." Veja, se ela ama aquela voz, aquele riso, não tê-los por perto é doloroso. O que fazer, então? Para ser capaz de tocar a vida, ela aceita a perda, não luta contra ela. Neste caso, aceitar é libertar-se.

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