Há alguns anos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fala que uma de suas prioridades em seu retorno à Presidência seria aprovar um projeto de regulação da mídia. A proposta, que já inspirava temor de censura, torna-se mais preocupante após a criação do 'Ministério da Verdade' – como vêm sendo chamados os novos órgãos da União criados alegadamente em defesa da democracia e da liberdade de expressão.
Os decretos que estabeleceram a Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia e o Departamento de Promoção da Liberdade de Expressão – dentro da Advocacia Geral da União (AGU) e da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, respectivamente – são vagos em relação às atribuições desses dois órgãos. A depender do teor da regulação da mídia que o PT pretenda avançar, há o risco de que eles possam servir como veículos de uma censura instituída pelo Estado.
Os dois órgãos contemplam eventuais aspirações de censura a adversários políticos tanto do ponto de vista regulatório quanto persecutório.
O Departamento de Promoção da Liberdade de Expressão poderá “propor e articular políticas públicas para promoção da liberdade de expressão, do acesso à informação e de enfrentamento à desinformação e ao discurso de ódio na Internet, em articulação com o Ministério da Justiça e Segurança Pública”. Ou seja, deste órgão poderão partir propostas de leis e políticas públicas relacionadas aos vagos conceitos de “desinformação” e “discurso de ódio”.
Em entrevista recente à Gazeta do Povo, o professor e advogado Maurício Bunazar, doutor em Direito Civil pela USP explicou os riscos do uso de termos desse tipo para legislar. “Quando eu uso ‘discurso de ódio’, eu me furto a dizer que leis foram violadas, qual o limite do ordenamento jurídico foi ultrapassado. Basta que eu use esta fórmula mágica, politicamente correta – ‘discurso de ódio’ – para que eu bloqueie o seu discurso e agora possa processá-lo judicialmente, por discurso de ódio”.
Já a Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia poderá “representar a União, judicial e extrajudicialmente, em demandas e procedimentos para resposta e enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas”. Bunazar explica que isso representa “a constituição de uma advocacia pública que pode ser voltada para interesses privados”, e que, “a pretexto de se defender a democracia, o que se terá é um órgão voltado diretamente à busca de conformação de discursos”. “Se alguma ideia não se conformar com as noções que eles têm de democracia, haverá a possibilidade de medidas judiciais e extrajudiciais, como o próprio decreto autoriza”, diz.
Em nota enviada à Gazeta do Povo, a AGU disse que sob nenhuma hipótese “cerceará opiniões, críticas ou atuará contrariamente às liberdades públicas consagradas na Constituição Federal”. O órgão definiu desinformação como “fatos inverídicos ou supostamente descontextualizados levados ao conhecimento público de maneira voluntária com objetivo de prejudicar a adequada execução das políticas públicas, com real prejuízo à sociedade”.
A AGU também afirmou que seguirá entendimentos já existentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para pautar suas decisões. Ao longo dos últimos quatro anos, estes foram justamente os principais braços do Judiciário responsáveis por popularizar o vocabulário e criar o clima social para normalizar estratégias de controle estatal sobre o que se diz na internet.
Caso a regulação da mídia de Lula e as ações relacionadas aos novos decretos tenham como inspiração a atuação do Judiciário nos últimos anos, as consequências seriam especialmente preocupantes para meios de comunicação e usuários de redes sociais que defendem ideias conservadoras. Este foi o perfil mais alvejado por juízes das cortes superiores nos últimos tempos.
E, assim como o Judiciário, a AGU pretende amparar suas decisões na atuação das agências de checagem – órgãos com evidente viés ideológico. “Já há experiências bem-sucedidas de parcerias dessas agências com órgãos de Estado, a exemplo da realizada entre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante as eleições de 2022. A atuação da nova Procuradoria fortalecerá o papel das agências de checagem”, diz a AGU.
O que já se sabe sobre o projeto de regulação da mídia de Lula
Durante o período de transição entre os dois governos, a equipe do presidente eleito já debatia os aspectos tributários do setor da comunicação e o combate às chamadas “fake news”, segundo o Valor Econômico. Um plano para uma lei sobre o assunto deverá ser apresentado logo nos cem primeiros dias do novo governo. Cogita-se ainda a criação de uma Secretaria de Serviços Digitais dentro da estrutura do Ministério das Comunicações.
Próximo ao governo e relator do PL das Fake News que tramita na Câmara, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) disse recentemente ao site O Antagonista que estudam-se duas alternativas: pautar o projeto já existente ou aguardar que o Executivo encaminhe a sua proposta. “Eu tenho convicção que nos primeiros cem dias do governo deve ser encaminhado um projeto de lei ao Congresso Nacional ou o projeto que nós trabalhamos será pautado”, disse o deputado.
Caso prevaleça o projeto do Executivo, as ideias devem seguir a linha de um plano de regulação apresentado pelo jornalista Franklin Martins, homem de confiança de Lula na comunicação, em 2010. Tanto Martins como Lula já lamentaram em entrevistas o fato de a ex-presidente Dilma Rousseff não ter levado adiante esse plano durante seu mandato, entre 2011 e 2016. Petistas costumam responsabilizar as fake news e a falta de controle estatal da internet pela ascensão da direita e a eleição de Bolsonaro.
O plano de Martins se originou de discussões realizadas em um evento convocado por Lula no penúltimo ano de seu mandato, em 2009: a Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). Na época, entidades que representavam os veículos de comunicação se retiraram da comissão organizadora do evento por enxergarem ameaças aos “preceitos constitucionais da livre iniciativa, da liberdade de expressão, do direito à informação e da legalidade”, como afirmaram em nota conjunta. Entre elas estavam a Associação Brasileira de Emissoras de Radio e Televisão (Abert), a Associação Brasileira de Internet (Abranet) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ).
PT volta ao poder com clima social e vocabulário pronto para regulação da mídia
Ao contrário do que ocorria na época de suas primeiras propostas de regulação da imprensa, quando grande parte das empresas de mídia e da elite intelectual se voltava contra a ameaça de controle estatal dos meios de comunicação, o PT volta ao poder com caminho bem mais aberto para instituir uma lei nesse sentido.
Ideias de regulação da mídia estão normalizadas na sociedade, encontram respaldo no Congresso e são apoiadas no discurso e na prática pela alta cúpula do Judiciário, que, por meio de ativismo judicial, antecipou-se a qualquer legislação sobre o tema e exerceu controle arbitrário sobre os meios de comunicação ao longo do governo Bolsonaro.
Já em abril de 2019, o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news no STF, censurou o site O Antagonista e a revista Crusoé por uma reportagem que associava o ministro Dias Toffoli ao empreiteiro Marcelo Odebrecht. O jornalista Allan dos Santos, fundador do site Terça Livre, mudou-se para os Estados Unidos para fugir da perseguição judicial.
Entre 2019 e 2022, as redes sociais de dezenas de apoiadores de Jair Bolsonaro sofreram censuras determinadas pelo Judiciário em diversos níveis, seja por meio da remoção de conteúdo ou do bloqueio de contas. A tendência se intensificou durante a corrida eleitoral.
No dia do primeiro turno da eleição, já como presidente do TSE, Moraes ordenou a retirada do ar de uma publicação do Antagonista segundo a qual Marcola, chefe da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), considerava Lula preferível a Jair Bolsonaro. Na corrida para o segundo turno, o Judiciário intensificou a perseguição, censurando inclusive a Gazeta do Povo por um conteúdo que indicava o apoio de Lula à ditadura de Daniel Ortega na Nicarágua.
O TSE também praticou censura prévia: decretou que o documentário da Brasil Paralelo “Quem mandou matar Jair Bolsonaro?”, que nem havia sido lançado, não poderia ser exibido até que as eleições terminassem. Além disso, proibiu os canais da Jovem Pan de abordar o tema das condenações de Lula na Justiça durante o mesmo período.
Com todas essas decisões, o Judiciário criou o clima social necessário para normalizar a ideia de regulação da mídia e favorecer um projeto do PT nesse sentido. Compôs ainda um glossário de expressões e conceitos para justificar o controle estatal da livre manifestação, como “fake news”, “discurso de ódio”, “ataque às instituições” e, mais recentemente, “desordem informacional”.
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