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Nesta quinta-feira (17), o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará uma ação ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que busca fomentar pela via judicial a ideologia de gênero para crianças e adolescentes em todas as escolas brasileiras, tanto públicas quanto privadas.
A justificativa do partido é de que a medida estaria relacionada ao combate ao bullying “homotransfóbico” no ambiente escolar. Entretanto, a coibição de bullying, violências e discriminações contra crianças e adolescentes já faz parte das atribuições das instituições de ensino e está prevista tanto constitucionalmente quanto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5668 havia sido retirado de pauta em novembro de 2020 pelo ministro Luiz Fux, na época presidente do STF. A decisão ocorreu após encontro de Fux com deputados das frentes parlamentares evangélica e católica. No entanto, no último sábado (12), a presidente da Corte, Rosa Weber, decidiu colocar a ação, que tem como relator o ministro Edson Fachin, novamente em pauta.
O ajuizamento da ação no STF representa uma nova cartada do PSOL para fomentar a ideologia de gênero nas escolas após terem sido frustradas tentativas diversas no Legislativo e no Executivo. Durante as discussões do Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado pelo Congresso Nacional em 2014, e de planos de educação estaduais e municipais, discutidos em 2015, partidos e parlamentares de esquerda tentaram, sem sucesso, incluir nas diretrizes dos documentos menções às palavras “gênero”, “identidade de gênero” e “orientação sexual”.
Houve investida semelhante nas discussões sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), homologada em 2017 após ser amplamente discutida com a participação de entidades representativas da educação básica nas esferas federal, estadual e municipal. O tema novamente ficou de fora.
O partido entende que a retirada desses termos tem sido interpretada pelas escolas como uma proibição à abordagem da ideologia de gênero e pede ao Supremo “interpretação constitucional” ao Plano Nacional de Educação, o que, caso validado pela Corte, implicaria na obrigatoriedade às escolas de abordar o tema.
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Ação propõe abordagem de sexualidade contrária à biologia humana nas escolas
Inicialmente o texto apresentado à Corte argumenta que deve ser combatida a noção de que a escola seria uma espécie de “curso técnico” voltado à aprovação de adolescentes no vestibular e pede o reconhecimento do dever constitucional das escolas de combater “a perseguição de crianças e adolescentes LGBT”.
Dentre as reivindicações apresentadas pelo PSOL também estão obrigar as escolas a chamar pelo nome social crianças e adolescentes que se identifiquem com o gênero oposto ao sexo biológico; permitir que se vistam e se portem de acordo com sua “identidade de gênero transgênera”; e reprimir as discriminações por orientação sexual, identidade de gênero e gênero que lhes forem denunciadas.
O livre uso dos banheiros escolares de acordo com o gênero com que alunos venham a se identificar não é pedido expressamente na ação, apesar de o partido mencionar, na petição, que alunos travestis e transexuais costumam abandonar a escola por, dentre outras medidas, não poderem usar o banheiro do sexo com que se identificam.
No texto, o PSOL questiona a visão binária – e, portanto, biológica – da sexualidade humana, criticando o fato de que “pessoas que nascem com um pênis sejam designadas como ‘meninos’ e pessoas que nascem com uma vagina sejam designadas como ‘meninas’ pela sociedade”.
Na prática, fomentar pela via judicial tal visão nas escolas representaria ampliar ainda mais a difusão a crianças e adolescentes das chamadas “questões de gênero”, que sustentam que as diferenças entre masculinidade e feminilidade decorrem de “construções sociais” e não da biologia humana. Na ação, o PSOL alega que impulsionar tal perspectiva significa “desbiologizar as normas de gênero socialmente impostas e que cotidianamente geram o machismo social e institucional”.
Segundo o partido, a oposição ao negacionismo da biologia humana frente ao assunto, vinda em especial dos pais e familiares dos alunos, seria capitaneada “pelos setores fundamentalistas e conservadores da sociedade” e “por cristãos fundamentalistas que querem impor sua ideologia moralista às escolas”.
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Ideologia de gênero em sala de aula foge às necessidades pedagógicas, diz jurista
Na avaliação do professor de Direito Constitucional e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (SP), Antônio Jorge Pereira Júnior, uma consequência de eventual julgamento da ação como procedente seria antecipar determinados assuntos relacionados à sexualidade para o universo infanto-juvenil. “Estamos mexendo com o imaginário, com a dimensão psíquica das crianças. Ao trabalhar questões de gênero para esse público, pode haver antecipação de experiências, tornando as crianças familiarizadas com temáticas que escapam às suas necessidades pedagógicas”, declara.
O professor também reforça que já há obrigatoriedade às escolas quanto a combater bullying, além de existir previsões pedagógicas e legais relacionadas à valorização de aspectos como solidariedade e respeito a todas as pessoas. Pereira Júnior questiona, ainda, se os docentes estariam preparados para abordar questões tão sensíveis em sala de aula. “Qual seria a formação adequada para que o professor possa dar aulas de questões de gênero? Nessa lacuna podem entrar manipulações diversas, ainda mais em grupos vulneráveis como as crianças”, destaca.
Em nota enviada à Gazeta do Povo, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), que figura dentro do processo como amicus curiae, reforçou que o combate ao bullying nas escolas já está previsto em lei e disse esperar que a realização do julgamento em intervalo de tempo curto após sua inserção em pauta não seja um empecilho para a promoção de um debate plural da Corte com a sociedade civil, com a devida apreciação dos argumentos de seus diversos representantes.
“A Anajure entende que o Plano Nacional de Educação já contempla disposições voltadas ao combate do bullying, como a previsão ao princípio geral de não discriminação, o que deve gerar a improcedência da ação. Ressalte-se, ainda, que a demanda pode gerar efeitos negativos sobre a liberdade religiosa e de expressão, que devem ser considerados pela análise da Corte. O necessário combate ao bullying que afeta pessoas LGBT certamente deve ser norteado por noções de respeito e não discriminação, mas não deve implicar em restrições indevidas ao discurso religioso”, diz a nota.



