Paul S. Reichler agora é sócio de Foley Hoag, com escritório no sofisticado bairro de Washington que deixou 30 anos atrás.| Foto: Mary F. Calvert/NYT

Paul S. Reichler teve seu primeiro grande caso no final dos anos 1970, quando, pouco depois de se formar na Escola de Direito de Harvard, começou a trabalhar para uma grande firma advocatícia de Washington. Os Sandinistas haviam acabado de tomar o poder na Nicarágua e a firma não se importou de colocar um jovem advogado idealista para trabalhar em tempo integral e recuperar bens nacionais que a ditadura de Somoza fez desaparecer.

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Mas então Ronald Reagan chegou à Casa Branca, virando de cabeça para baixo a política da América Central. Alguns dos sócios do escritório entraram para a nova administração, que já havia assumido que expulsar os Sandinistas seria seu principal objetivo de política externa. Reichler teve então que optar: largar o grupo ou deixar a firma.

Ele ficou com os nicaraguenses e, em 1986, ganhou um caso histórico no Tribunal Internacional de Justiça em Haia. O réu era seu próprio país, os Estados Unidos, que foi obrigado a parar de plantar minas em portos da Nicarágua. O governo Reagan, que havia se recusado a assinar a Convenção da ONU sobre Direitos Marítimos, ignorou a decisão, confiante que conseguiria enfrentar acusações de violação do Direito Internacional.

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Reichler, de 68 anos, agora é sócio de Foley Hoag, com escritório no sofisticado bairro de Washington que deixou 30 anos atrás. Recentemente, no entanto, ele voltou a Haia, onde, no término de um processo de três anos, obteve uma vitória esmagadora para as Filipinas, quando o tribunal internacional acabou com quase todas as reivindicações chinesas ao Mar do Sul da China.

Há uma série de semelhanças com o caso da Nicarágua. Reichler novamente está ajudando um país pequeno, as Filipinas, que luta contra um gigante. E, novamente, o grande país – nesse caso a China – se recusou a participar e denunciou publicamente o tribunal, chamando-o de tendencioso e antiasiático. (Os Estados Unidos participaram nas fases iniciais do caso Nicarágua, na década de 1980, mas logo se retiraram.) Com uma ferocidade ainda maior que a da administração de Reagan, a China prometeu ignorar o resultado.

Para Reichler, agora membro de um grupo restrito de advogados que representam países perante cortes e tribunais internacionais, o comportamento da China é mais extremo do que o dos Estados Unidos há três décadas.

“O caso da Nicarágua é uma exceção, uma grande e terrível exceção. Considero que a administração de Reagan foi uma anomalia em termos de respeito ao Direito Internacional. Os Estados Unidos têm um histórico de cumprimento das decisões do Tribunal Internacional de Justiça”, disse Reichler.

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O caso trazido pelas Filipinas foi o primeiro contra a China em um tribunal internacional ou tribunal de Haia, embora Pequim esteja envolvida na arbitragem ligada à Organização Mundial do Comércio e tenha respeitado decisões adversas, disse Reichler.

Para quem vê de fora, a ausência da China pode parecer ter tornado o processo mais fácil. Na verdade, segundo ele, as cadeiras vazias no salão elegante em Haia tornaram tudo mais difícil. “Em um caso como esse, o tribunal quer fazer tudo direito. Aqui você tem cinco juristas dos mais eminentes, que sabem que há um grande jogo de interesses no caso. E que tudo vai ser lido com muita atenção.”

Então, em vez de apenas confiar no que Reichler e sua equipe de advogados e peritos ambientais apresentaram, os árbitros realizaram suas próprias investigações, nos mínimos detalhes, da história do Mar do Sul da China, incluindo a profundidade da água em torno de ilhas artificiais construídas pelos chineses.

“Depois de quase 40 anos como advogado, sei que é sempre melhor ter a outra parte presente. As Filipinas foram interrogadas pelo menos 10 vezes mais do que em qualquer outro caso no qual já estive envolvido. Às vezes, ao desenvolver seus argumentos, o tribunal apresenta alguns melhores do que o outro lado faria.”

Ao montar o caso contra o governo Reagan, o jovem Reichler sabia que precisaria de alguma seriedade na equipe. Por isso, recrutou Abram Chayes, antigo consultor jurídico do Departamento de Estado e conhecido professor da Escola de Direito de Harvard. Chayes foi incisivo, contando fervorosamente aos 15 juízes de Haia sobre as mortes e a destruição imposta à Nicarágua pelas minas americanas nos portos. Por uma votação de 15-0, o tribunal ordenou que os Estados Unidos parassem.

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Carreira nos direitos humanos

Porque Reichler era o espírito por trás do caso, o crédito pela vitória foi em grande parte dado a ele. A partir daí, construiu uma carreira de advogado progressista com questões que lhe agradavam: direitos humanos, soberania territorial e danos ambientais fronteiriços, entre outros, quase sempre do lado dos aflitos.

Quando as Filipinas decidiram que suas negociações com a China em relação às disputas no Mar do Sul da China haviam chegado a um beco sem saída, o ministro das Relações Exteriores, Albert del Rosario, também advogado, decidiu apelar à arbitragem internacional.

Del Rosario disse ter procurado advogados pelo mundo todo, buscando os interessados em enfrentar a China, e finalmente recomendou Reichler ao presidente Benigno S. Aquino III.

A China exibiu uma posição intransigente em relação à decisão de Haia, dizendo que não iria aceitá-la, reconhecê-la ou executá-la, tornando-se uma renegada, aos olhos de muitos, quando se trata de aceitar decisões jurídicas internacionais.

Assim como no caso da Nicarágua, não há nenhum mecanismo para impor a decisão do tribunal, mas há esperança de que, como na década de 1980, ela acabe levando a um acordo.

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Com a atitude desafiadora do governo Reagan, a decisão de 1986 ajudou a garantir a oposição do Congresso e fortaleceu a determinação dos governos centro-americanos de buscar o fim da guerra na Nicarágua.

“Isso pode fazer com que, em seis meses ou um ano ou mais, a China busque uma maneira de resolver a disputa com as Filipinas, o que significa uma adaptação significativa à decisão final”, disse Reichler.