Benjamin contribuiu para a criação da Lei de Improbidade Administrativa.| Foto: Evaristo SA/AFP

O ministro Herman Benjamin, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), está correndo contra o tempo para deixar sua marca no processo mais importante da história daquela corte. Contrariado pela maioria dos seus pares - que insistiram em ouvir mais testemunhas -, tomará o depoimento do casal de publicitários João e Monica Santana, no próximo 24 de abril. Nenhuma grande força política nacional parece interessada em encerrar o governo Temer antes de 2018, mas Benjamin ambiciona conseguir terminar o processo de cassação da chapa Dilma-Temer antes de sair do tribunal. Quer deixar sua marca no combate à corrupção. Descrito como um homem de brilhantismo pessoal por colegas que trabalharam com ele no Ministério Público de São Paulo (MP-SP), o ministro pertence a uma das mais tradicionais famílias de políticos no Brasil. Essas qualidades todas lhe valeram muito. Benjamin chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2006 com fama de jurista progressista e, ao mesmo tempo, apoiado por José Sarney.

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Uma herança de um século de política corre no sangue do homem rigoroso, de fala fina, quase infantil. Nascido em Catolé do Rocha, no sertão paraibano, Antonio Herman Vasconcellos e Benjamin veio ao mundo no seio de uma família de políticos e juristas. Apesar do pai médico, seguiu os passos do avô, João Sérgio Maia, um lendário desembargador da Paraíba, e formou-se em Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Promotor, Benjamin ajudou então a tecer a corda que hoje está no pescoço de muitos políticos. Figura central na consolidação de leis sobre direito do consumidor e direito ambiental, o atual ministro atuou fortemente também na aprovação da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8429/1992).

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Quem mostra essa faceta pouco conhecida do hoje ministro do TSE é Antonio Augusto Camargo Ferraz, procurador de Justiça do MP-SP. Em agosto de 1991, lembra Ferraz, o governo Collor enviou às pressas ao Congresso Nacional um projeto de lei contra a corrupção que não passava de uma versão requentada da Lei Billac-Pinto, ineficaz desde sua promulgação em 1958. “Eu abri o jornal, li a notícia sobre o projeto, e vi uma janela de oportunidade”, conta. O procurador criou um grupo de trabalho para oferecer subsídios à apresentação de emendas ao projeto e chamou o então promotor Herman Benjamin para a missão.

Em menos de uma semana, Benjamin colheu, por meio de seus contatos no exterior, o que havia de mais avançado no mundo em matéria de combate à corrupção. “Ele estava muito mais bem informado em matéria de Direito Comparado do que todos nós”, relembra o procurador. As emendas que partiram do Ministério Público acabaram dando a feição da versão final da lei, aprovada em 1992, e hoje uma pedra no meio do caminho da classe política brasileira. “Eu nunca imaginei que nossa proposta pudesse dar certo. Aquilo foi uma das coisas mais surpreendentes que já vi acontecer no Congresso. Se arrependimento matasse, estava todo mundo morto lá Congresso”, ri Ferraz.

Nelson Nery Junior, professor titular da Faculdade de Direito da PUC-SP e procurador de Justiça no MP-SP por 27 anos, trabalhou com Benjamin na elaboração do Código de Defesa do Consumidor. Nery Junior ressalta que a experiência do então promotor na elaboração de leis é tão importante quanto sua obra como jurista. “Ele tem um trabalho muito profícuo na área de assessoria legislativa”, diz. Em uma das incursões de Benjamin em Brasília, o então promotor estreitou laços com o senador José Sarney e seu filho, Zequinha Sarney, atual ministro do Meio Ambiente. Sarney Filho foi titular da mesma pasta entre 1999 e 2002, período em que Benjamin passou a ocupar uma vaga no Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).

Quando, em 2006, Herman Benjamin foi indicado para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pelo presidente Lula, ele reunia as credenciais de jurista progressista, o entusiasmo da vasta rede de juristas e políticos amealhada desde a década de 1980 e o apoio da família Sarney. O estofo rendeu-lhe uma aprovação quase unânime no plenário do Senado, com apenas dois votos contrários. Apesar de a votação ser secreta, os então senadores Tião Viana (PT-AC), Efraim Morais (PFL-PB), Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), Ney Suassuna (PMDB-PB), Aloísio Mercadante (PT-SP) e Osmar Dias (PSDB-PR) declararam o voto e louvaram as qualidades do indicado. Até Romero Jucá (PMDB-RR) fez questão de exaltar Benjamin, sem poder imaginar que, dez anos depois, seria ele mesmo alvo de ações sobre corrupção.

Ministério Público

O círculo de Herman Benjamin remonta aos anos 1980, quando o jovem promotor do MP-SP começou a destacar-se na proteção dos interesses difusos e coletivos. Naquela época, os promotores de São Paulo estavam na vanguarda dos projetos que deram ao Ministério Público os músculos que a instituição projeta hoje: a Lei Orgânica, a Lei da Ação Civil Pública, as competências consagradas na Constituição de 1988, o Código de Defesa do Consumidor, a legislação ambiental das décadas de 1980 e 1990. O atual ministro do TSE participou da elaboração de quase todas essas leis, foi pioneiro no terceiro setor, fundando Organizações Não Governamentais (ONGs), e consolidou a produção jurídica na área, criando as Revistas de Direito Ambiental e do Consumidor, as mais importantes publicações nesses nichos até os dias de hoje.

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Ao mesmo tempo, Benjamin trabalhava com seus pares para fortalecer a atuação do MP paulista nesses campos, coordenando grupos de trabalho e de capacitação de promotores e estreitando laços com a magistratura, a advocacia e com universidades ao redor do mundo. Tornou-se professor visitante nas Universidades do Texas e de Illinois sem sequer ter doutorado. “O Benjamin é um empreendedor acadêmico, um azougue para conseguir as coisas”, conta Ronaldo Porto Macedo Junior, professor da USP, da FGV-SP e procurador do MP-SP. “Ele tem uma grande capacidade de fazer e promover contatos e de envolver gente jovem. Eu mesmo sou exemplo disso”, completa Macedo Junior, que acabou se doutorando em Direito do Consumidor por influência de Benjamin.

Embora descrito pelos colegas como um homem solitário e leitor voraz, Benjamin sempre soube portar-se como um gentil-homem dos salões. Desenvolto nos espaços do poder e do conhecimento, parte acadêmico, parte militante, embora sem vida partidária, o promotor ganhou estatura no MP-SP, ainda que um tanto tarde, porque, segundo as pessoas próximas, o brilhantismo de sua atuação lhe rendia animosidades por parte daqueles que o consideravam extravagante demais. Benjamin nunca conseguiu tornar-se promotor do consumidor. Foi, no entanto, um expoente da tradição de conciliação nacional, dobrando seus desafetos, convidando-os para eventos e integrando-os aos quadros das organizações que fundou.

Foi assim que Benjamin criou uma teia de contatos acadêmicos e políticos para fazer avançar projetos de leis caros à sua esfera de atuação e aplicá-los com rigor. Em 1998, o então procurador chegou a processar a apresentadora Xuxa Meneghel por propaganda enganosa e danos ambientais em um empreendimento lançado pela rainha dos baixinhos. “Ele gostava de se definir como um cause lawyer, um jurista com uma causa”, resume Macedo Junior.

O advogado Antonio Fernando Pinheiro Pedro, especialista em Direito Ambiental, trabalhou de perto com Benjamin entre 1991 e 1998, quando esteve nas Comissões de Direitos Humanos e Direito Ambiental da OAB de São Paulo. “O Herman tem uma capacidade fabulosa de articulação. Ele não é apenas um parecerista ou um elaborador de doutrina”, salienta Pinheiro Pedro, que conheceu o ministro no I Encontro Nacional de Estudantes de Direito, em 1979. “Ele está acostumado a lidar com embates políticos desde a época do movimento estudantil e tem uma facilidade de lidar com o poder que só quem já contestou o poder tem”, completa.

Raio-X: Herman Benjamin

- Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1980)

- Ingressa no Ministério Público de São Paulo (1982), torna-se procurador de Justiça (1994) e coordena o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente (1996-2006)

- Mestre em Direito pela Universidade de Illinois (1987)

- Participa da criação do IDEC-Instituto Brasileiro de Direito do Consumidor (1987)

- Participa da comissão de juristas encarregada de elaborar o Código de Defesa do Consumidor (1988-1990)

- Participa do grupo de trabalho do Ministério Público de São Paulo para oferecer subsídios à Lei de Improbidade Administrativa (1991)

- Idealiza o BRASILCON-Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (1992)

- Integra a Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo, na pasta de Édis Milaré, durante a gestão Fleury (1993)

- Participa da Comissão de Juristas da ONU sobre crimes contra o Meio Ambiente (1993-1995)

- Idealiza o Instituto “O Direito por um Planeta Verde” (1995)

- Cria a Revista de Direito Ambiental (1995)

- Relator da Comissão de Juristas encarregada de elaborar a Lei de Crimes contra o Meio Ambiente (1996-1998)

- Cria a Revista de Direito do Consumidor (1997)

- Conselheiro do CONAMA-Conselho Nacional do Meio Ambiente (2001-2006)

- Doutor em Direito do Consumidor pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2005)

- Ministro do Superior Tribunal de Justiça (2006)

- Ministro do Tribunal Superior Eleitoral (2014), escolhido pelo pleno do STJ

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Direito Ambiental

O advogado Antonio Fernando Pinheiro Pedro destaca a importância da atuação do ministro Herman Benjamin no Direito Ambiental. Foi a partir dos trabalhos em parceria com a ONU e da aproximação entre o MP-SP e a OAB-SP que surgiu a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9605/1998), a lei de recursos hídricos (Lei 9433/1997), a lei de unidades de conservação (Lei 9985/2000) e a modificação da legislação de licenciamento ambiental. “Não existiria Marina Silva sem essas leis”, avalia o advogado. Para Pinheiro Pedro, a ida de Benjamin para o STJ representou a maturidade democrática do jurista. “A sua capacidade de articulação impôs uma jurisprudência ambiental diferenciada no STJ (...), mas ele mudou uma série de opiniões próprias. Isso é maturidade e humildade”, ressalta.

Ana Maria Nusdeo, professora de Direito Ambiental da USP, também destaca que, como juiz no STJ, Benjamin não adotou uma postura radical de militante. “O Benjamin trouxe muitas contribuições do direito dos Estados Unidos e começou desenvolvendo o princípio do poluidor-pagador na responsabilidade ambiental e, posteriormente, a partir das inovações legislativas dos anos 1980, organizou a atuação do Ministério Público a partir do reconhecimento da responsabilidade civil objetiva em matéria ambiental”, afirma. Nessa época também se desenvolveu a ideia de responsabilidade propter rem no direito ambiental, ou seja, o dono de terras deve responder pela inadequação da situação de sua propriedade às exigências legais, independentemente de ter dado causa a ela. Quando Benjamin chegou ao STJ, em 2006, era de conhecimento público que sua posição era pró-meio Ambiente. “Mas ele tem tido uma postura adequada a um juiz. Ele tem uma postura progressista em matéria ambiental, mas não tendenciosa”, diz Ana Maria. A professora lembra que Benjamin alargou a responsabilidade do causador indireto do dano ambiental, mas, por outro lado, entendeu, junto à maioria da corte, que a responsabilidade administrativa, diferentemente da civil, é subjetiva.

Mas nem tudo são flores no Direito Ambiental brasileiro. Um dos maiores críticos da legislação penal ambiental em vigor é o jurista Miguel Reale Júnior, professor titular da USP e ex-ministro da Justiça. Reale publicou diversos artigos atacando a “falta de técnica legislativa” na elaboração da lei, seu “exagero punitivo” e as condutas genéricas criminalizadas. O jurista, que costuma referir-se à lei como “lei hedionda” ou “pior lei brasileira”, resume sua avaliação em um artigo publicado na Revista de Informação Legislativa, em 2008: “Constata-se, portanto, a elevação de condutas insignificantes à categoria de crimes, em uma expansão de cunho meramente simbólico, instrumentalizando-se o Direito Penal, afastando-o dos pressupostos de dignidade e merecimento de pena das condutas incriminadas próprios de um Estado de Direito Democrático”.

Genealogia

Quem vê no mapa, no sertão da Paraíba, divisa com o Rio Grande do Norte, a pequena cidade de Catolé do Rocha, com cerca de 30 mil habitantes, não imagina a importância do local na vida nacional. A cidade natal de Herman Benjamin é o berço de uma das famílias mais influentes na política brasileira, os Maias, de quem descendem o senador José Agripino Maia (DEM-RN) e o atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), filho do ex-prefeito do Rio, César Maia (DEM-RJ), os quais pertencem a um ramo que migrou para o Rio de Janeiro na década de 1950. José Agripino começou sua carreira política indicado para a prefeitura de Natal, em 1979, por seu primo, Lavoisier Maia, que fora indicado para o governo do Rio Grande do Norte pelo general João Batista Figueiredo. O pai de José Agripino, Tarcísio Maia, já tinha sido governador do estado, indicado pelo general Ernesto Geisel.

O próprio Herman Benjamin pertence a um ramo da família, por parte de mãe. Seu avô materno, João Sérgio Maia, foi um desembargador na Paraíba cujo irmão, José Sérgio Maia, comandou a prefeitura de Catolé do Rocha em quatro mandatos. José Sérgio foi uma liderança incontestável na cidade por mais de cinco décadas, até sua morte em 1992. Em Catolé do Rocha nasceu também João Suassuna, pai do escritor Ariano Suassuna, e governador da Paraíba entre 1924 e 1928, assassinado em 1954. A briga entre as famílias Maia e Suassuna, os Capuleto e Montecchio do semiárido, foi uma das mais notórias da história brasileira e estendeu-se por sete décadas. A importância dos Maias acentuou-se a partir da década de 1930, quando se aliaram ao grupo vitorioso na Revolução de 1930, acelerou-se na segunda metade do século XX e consolidou-se definitivamente durante a Ditadura Militar.