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Stephanes: mudanças necessárias são muito claras do ponto de vista técnico, mas há muita dificuldade política para aprová-las. | Daniel Derevecki/Daniel Derevecki
Stephanes: mudanças necessárias são muito claras do ponto de vista técnico, mas há muita dificuldade política para aprová-las.| Foto: Daniel Derevecki/Daniel Derevecki

O secretário de Administração do Paraná, Reinhold Stephanes, atuou duas vezes como ministro da Previdência. A primeira vez foi no governo Collor, quando permaneceu no cargo de janeiro a abril de 1992. Anos mais tarde, em 1995, assumiu novamente o cargo no governo Fernando Henrique Cardoso, e foi responsável pela última grande reforma na Previdência, em 1998. Para Stephanes, a discussão sobre a idade mínima de 65 anos para aposentadoria, levantada pelo novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, é a questão mais urgente a ser resolvida – e ficou de fora na reforma promovida em 1998. Stephanes avalia que o Brasil está longe de ter um regime previdenciário adequado em relação aos demais países. Além disso, o ex-ministro critica a idade mínima muito diferenciada entre o trabalhador CLT e servidores públicos. Veja e entrevista que Stephanes concedeu à Gazeta do Povo.

O novo ministro da Fazenda defende alterações na Previdência. Uma delas é a alteração da idade mínima para a aposentadoria. O que o senhor acha disso?

Nós temos aí duas visões em relação a isso. Tecnicamente, você pode fazer um bom sistema previdenciário reunindo especialistas. Eles sentam, veem o que se faz no mundo, o que se pratica. No mundo você tem toda uma doutrina, você tem fundamentos, princípios que se consagraram ao longo de mais de um século. Você senta, vê o que se faz, qual é a doutrina, quais são os princípios e elabora um bom sistema previdenciário. Que seja justo, que seja correto, que seja financiável. Enfim, que obedeça todos aqueles princípios que são considerados corretos. Esse é um lado da coisa. Sobre esse aspecto, o Brasil sempre se portou muito mal. Ou seja, nós sempre tivemos um sistema previdenciário com desequilíbrio de um lado, com privilégios de outro. Sempre diferente em vários aspectos daquilo que se faz como correto no mundo inteiro. Um exemplo era aquele exemplo mais tradicional. Aqui no Brasil você pode acumular uma, duas, três, quatro aposentadorias. Por exemplo, você tem duas pessoas, uma médica casada com um desembargador, ambos têm uma renda boa. E o desembargador falece e deixa a aposentadoria para a mulher, embora ela tenha uma renda boa. Isso não acontece em lugar nenhum do mundo. O Sarney chegou a ter três aposentadorias. Franco Montoro chegou a ter quatro aposentadorias, tinha como governador [de São Paulo], tinha como senador. Enfim, tinha várias. Isso são erros que o Brasil adotou ao longo do tempo. O país não foi técnico suficiente para fazer o que o mundo faz como correto.

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O segundo aspecto é ver, politicamente, como corrigir quando você tem pessoas que têm expectativa de se aposentar com 50 e poucos anos de idade a R$ 30 mil por mês. Como você altera isso? Um operário tem que trabalhar pelo menos até os 60 anos para ganhar um salário mínimo ou um pouco mais de aposentadoria. Ou alguém na área rural que tem aquela idade mínima de 65 anos. Só para ver a diferença, a idade mínima para uma pessoa do campo se aposentar é 65. A idade mínima para um servidor público se aposentar é 53, para homem, e 47, para mulher. E o aposentado rural vai ganhar salário mínimo e o servidor pode receber até R$ 33 mil, ou seja, teto de ministro de Supremo. Como você altera isso quando há sindicatos e pessoas que defendem radicalmente a não alteração em absolutamente nada? Isso é uma tarefa extremamente difícil. Tecnicamente, facílima. Politicamente, é difícil. A grande reforma que houve nos últimos 20 anos fui eu que fiz. Nós conseguimos fazer 50% do que tinha que ser feito. Inclusive, a idade mínima, na época, em 1998, não foi aprovada por apenas um voto. Então não há nenhuma novidade. Essa coisa se discute, discute, discute, mas não se apresenta algo concreto. Agora você me pergunta, idade mínima é importante? Sim. Agora nunca esqueça o seguinte: quando se fala em previdência social se fala em servidor publico, em policias militares, em servidor municipal, em servidor estadual, servidor federal, se fala em toda a previdência, não fala só CLT, o trabalhador privado. E, no momento as empresas, só falam nos trabalhadores, que é a menos problemática, que é a mais estruturada, a mais organizada, a mais contributiva, é a do trabalhador CLT. Agora, você tem o déficit dos outros setores muito maior que o déficit do setor dos trabalhadores. Só que os demais setores você não sabe que tem déficit porque é pago com o dinheiro dos impostos, é pago com os tesouros, o orçamento dos estados e municípios.

O senhor acha que uma saída justa seria igualar a idade mínima de aposentadoria, tanto para servidores quanto para trabalhadores CLT?

Em princípio, pelo menos ter uma certa equidade nisso. Vamos usar o princípio da equidade previdenciária, que é um princípio universal. Agora, como se faz essa equidade é a discussão. Porque se começou mal lá atrás. Você não imagina um servidor público na Alemanha, ou mesmo em países menos desenvolvidos, se aposente com menos de 65 anos de idade. Isso não é agora. Aqui é possível, com 50 e poucos.

Além da idade mínima, quais são as principais alterações que o senhor acha que devem ser feitas na Previdência? O senhor comentou que na última reforma conseguiu apenas 50% do que deveria ter sido feito. O que ficou para trás?

Uma das questões básicas é você ter uma idade mínima e que essa idade mínima seja compatível com a qualidade de vida, com os momentos atuais. O interessante é o seguinte, em 1923 quando a previdência surgiu no Brasil oficialmente, tinha a idade mínima para a aposentadoria e ela era tão alta quanto algumas que têm hoje, depois ela caiu fora.

Agora, essa questão que diz que pensões chama pensões seletivas também é uma questão. Pensão seletiva significa que, de acordo com a renda que a pessoa tem, você faz o sistema de pensões. Mas eu diria que o fator fundamental é a questão da idade mínima. Agora, quando eu falo em idade mínima, ela é quase desnecessária para o trabalhador CLT. Porque você já tem uma série de regras, fator previdenciário que diminui, o valor, você tem a fórmula 85/95, que vai aumentar para 90/100 em 2026. Ou seja, ela praticamente está corrigindo os defeitos na área CLT. Mas essas fórmulas só se aplicam para o CLT, não se aplicam às demais categorias. Esse é um dos problemas.

O que o senhor acha da mudança promovida por Temer, em que a Secretaria de Previdência foi incorporada ao Ministério da Fazenda?

Isso deve ter uma única função. É dar um status politico ao ministro da Fazenda, que tem mais credibilidade no sentido de conduzir uma reforma previdenciária. No momento só tem essa função. Porque colocou um dos problemas de grande déficit, que é a previdência, na mão do próprio ministro da Fazendo, o homem do Tesouro, das finanças, e com credibilidade para dizer ‘Olha, isso precisa ser feito’. Só tem esse sentido. Em nenhum outro lugar do mundo a previdência estaria vinculada ao Ministério da Fazenda.

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