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A ideia de que as federais devem ser privatizadas para acabar com a doutrinação esquerdista não faz sentido.
A ideia de que as federais devem ser privatizadas para acabar com a doutrinação esquerdista não faz sentido.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Há quem adore falar mal de comentarista de portal. Eu não, longe de mim. Estou em paz com a caixa de comentários. Ao ver a entrevista de Abraham Weintraub para a Rede TV na sexta-feira passada, porém, me lembrei de uma teoria sobre a realidade educacional que pulula nos comentários de portal. É a ideia de que as federais devem ser privatizadas para acabar com a doutrinação esquerdista feita pelos concursados. É batata: todo texto mostrando algo ruim das federais tem lá nos comentários alguém mandando privatizar.

É um fenômeno interessante, já que a ideia não resiste a um minuto de exame. Quer ver? Não precisa nem de discussão ideológica. Basta perguntar quem vai comprar uma federal. Só doido. O orçamento das federais mais antigas, como a UFPR, UFRJ, UFBA, são bilionários. As federais não são como empresas normais, que encerram as obrigações com o empregado depois da aposentadoria. Professor aposentado recebe integral da época em que o salário era muito maior, quando muitas funções podiam ser acumuladas e bater no teto. A aposentadoria sai da folha todo mês. Não dá para mexer nisso sem enfrentar o bicho papão do direito adquirido.

Depois, há o problema de ser praticamente impossível exonerar concursados por serem medíocres ou incompetentes. Exonerar, só com pressão de coletivos, que vão atrás de dissidentes. Para resolver isso, só enfrentando o bicho papão do direito adquirido também. Que louco compraria uma federal sem poder demitir ninguém nem reduzir custos?

O fato de uma ideia tão ruim ser repetida pelo povo é, a meu ver, fruto de uma concepção do livre mercado como panaceia. Depois de o nosso povo sofrer muito com o intervencionismo estatal, passamos a glorificar o mercado como coisa boa em si, capaz de resolver todos os males. Em vez de comunismo, agora é o espírito do anarcocapitalismo que ronda o Brasil: como se leis não fossem necessárias para regular as relações entre grandes proprietários e o resto da sociedade. Sem lei, há mercado até para comércio de escravos e venda de órgãos. Virando anarcocapitalistas, caímos no colo do Partido Comunista Chinês, que usa trabalho escravo e mata internos de campos de concentração para vender órgão.

Um plano abortado para as federais

Como algo tem que ser feito com as federais, Weintraub propôs ao Future-se uma mudança bastante modesta, que consistiria em parar de fazer concurso e contratar professor por CLT. O professorado concursado reagiu como se fosse a III Guerra Mundial. Parecia que com Weintraub, e só com ele, as federais parariam de contratar professores por meios diferentes de concurso. A famigerada precarização era novidade. Pois bem: já fui professora substituta na UFBA e ninguém assinou minha carteira. É contrato com tempo máximo de dois anos; ou seja, por mais competente que o jovem professor seja, são 0 as chances de ter estabilidade no emprego. CLT é um baita luxo para os jovens alunos dos concursados. Desde a expansão do Reuni, os concursados dão a mesma quantidade de aulas e suprem a demanda por professores com os contratos temporários de substitutos, que dão o dobro das aulas recebendo menos da metade. Sem nem CLT.

Outro problema das federais é o claro conflito de interesse da eleição para reitor. Com FHC, professores, técnicos e alunos votavam, com pesos diferentes, para compor uma lista tríplice a ser enviada para o MEC, onde o ministro escolheria um dos três nomes para a reitoria. Com Lula e Dilma, o mais votado da lista tríplice passou a ser escolhido sempre, criando-se na prática uma eleição de reitor.

Quem é o reitor? Um professor-sindicalista, eleito pelos seus pares sindicalistas. Terminado o mandato, ele volta a ser professor. Isso significa que sindicalistas que vivem exclusivamente do erário passaram a escolher o próprio chefe, que é também um colega. Quando Weintraub enfrentou isso, eles criaram candidaturas laranjas para lotar a lista tríplice.

Para além de brigas com sindicalistas, o Future-se pretendia aplicar às federais um modelo de gestão similar ao Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), uma organização social pública com gestão privada. Ou seja, o Estado contrata um gestor profissional e tem liberdade para demiti-lo. A matemática brasileira é uma ilha de excelência. Nosso país, que tanto pena nas demais disciplinas, tem uma medalha Fields, o Nobel da matemática. O Brasil também está no top 10 da União Internacional da Matemática (IMU). Toda essa qualidade da matemática brasileira não chega às escolas porque a responsável por isso é a faculdade de educação, a guilda dos freireanos que habita as federais. (Veja-se este artigo sobre a disparidade entre a matemática escolar e a produção da elite).

Qual seria o ideal mais tangível? Ir liberando as federais aos poucos. Qualquer um que tenha passado por uma federal sabe que os professores se dividem entre os que querem trabalhar em paz e os sindicalistas lacradores. Como os lacradores mandam, os que querem trabalhar em paz ficam de bico fechado. Tirar o poder da lacração, transformando as federais em organizações sociais, daria mais liberdade aos professores que querem trabalhar.

O plano era para o médio prazo. Com o tempo, os professores com aposentadorias nababescas vão morrendo e os lacradores concursados vão se aposentando. As novas contratações, por CLT, são feitas não em bancas viciadas (como já descrevi aqui), mas por uma gestão alheia a panelinhas acadêmicas. E assim, quem sabe, o Brasil não poderia passar da água para o vinho? O Future-se era um plano de Weintraub para reformar e dar nova vida às federais. A excelência brasileira alcançada na matemática mostra que não estamos fadados ao Jurassic Park sindical montado nos anos setenta.

De resto, outro ponto importante do Future-se era a maior autonomia para captar recursos. Hoje é uma dificuldade imensa dar dinheiro a uma instituição pública. No entanto, vale ressaltar que as dificuldades são magicamente suplantadas pela Fundação Ford, a maior responsável pela introdução do racismo negro no Brasil e financiadora contumaz, mundo afora, de antissemitismo disfarçado de antirracismo. A UERJ e a UFRJ foram facilmente colonizadas pela Fundação Ford. Foi a UERJ a primeira instituição brasileira a colocar critérios raciais no vestibular.

O bilionário judeu George Soros é, com razão, muito vigiado por causa de seu invasivo lobby pró ideologia de gênero e pró bandidagem. Falta a sinistra Fundação Ford, carro-chefe do racismo, sofrer o mesmo escrutínio. Ela interfere na universidade brasileira desde os anos 1970, tendo como ponto de partida a criação do CEBRAP. O Future-se não tinha nenhum mecanismo de defesa contra essa ingerência.

Monopólio fabricante de tabatas

Não é segredo para ninguém que as federais decaem. Uma vez que os aposentados nababos morram e a geração atual se aposente, é bastante factível que as federais simplesmente deixem de existir ou se convertam em algo análogo ao ensino básico público: salário ruim, qualidade ruim, formação de validade meramente burocrática. Ou seja, um puro desperdício de dinheiro público.

Mas não parece provável que a universidade deixe de existir; logo, enquanto as federais se decompõem, o mercado, que também tem horror a vácuo, começa a ocupar o lugar. Isso já está acontecendo. Sem citar o nomes, Abraham Weintraub alude à compra de conglomerados educacionais por um gigante das bebidas. Trata-se, naturalmente, de Paulo Lemann, que criou a Ambev a partir da controversa fusão da Antarctica com a Brahma ocorrida em 1999. Hoje a Ambev é dona das marcas Skol, Budweiser, Corona, Quilmes, de modo que é mais fácil perguntar qual cerveja não é da Ambev do que qual é. Ainda por cima, a Ambev é dona bebidas não-alcoólicas populares, como o Guaraná Antarctica e a Pepsi.

Com a morte de Safra, Lemann deve ser o homem mais rico do Brasil agora.Além das bebidas, Lemann é dono do conglomerado Eleva Educação, cuja rede de escolas pode ser vista aqui. Com o coronavírus, as escolas e faculdades particulares levaram um duro golpe. Assim, em fevereiro deste ano, a Eleva comprou o conglomerado Cogna, dono não só de redes escolares famosas, como Anglo e Pitágoras, como também da gigante do ensino superior Kroton. A Kroton foi uma grande beneficiária do Prouni, e saiu comprando faculdades privadas Brasil afora. A meu ver, ela foi responsável pelo sucateamento de instituições privadas outrora decentes, que se converteram em pagou-passou, sendo que o pagamento vai quase todo para o lucro. Só contratam como professor o morto-a-fome que aceita qualquer coisa.

É bastante plausível, portanto, o que nos conta Weintraub: ajudados por sindicalistas venais, monopolistas da educação querem muito tirar as universidades federais da competição por recursos públicos. E que universidades eles nos ofereceriam? Nada leva a crer que seria algo diferente das pagou-passou atuais, desprovidas de excelência e pesquisa. E, a julgar por sua grande representante, Tabata Amaral, o que podemos esperar é a adesão ao progressismo.

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