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Alexandre de Moraes
Procuradora-geral interina questionou a legalidade da decisão de Toffoli que permitiu a Moraes atuar como assistente de acusação.| Foto: STF

Quando o Supremo Tribunal Federal tem excesso de protagonismo na mídia, boa coisa não é. De fato, seus ministros dão entrevistas a respeito de tudo. Falam fora dos autos com uma desinibição que provocaria grande constrangimento em muitos de seus ilustres predecessores. É verdade que vivemos, todos, a síndrome da exposição compulsiva. E os integrantes da corte, seres humanos que são, não escapam ao fascínio e aos riscos de tamanha visibilidade.

A edição do jornal O Estado de S.Paulo de 1.º de novembro, em seu espaço opinativo, testemunhou, mais uma vez, a forte presença do STF nas páginas dos jornais. Um editorial e um artigo trataram de decisões da corte que, a meu ver, geraram perplexidade e insegurança jurídica.

O título do editorial foi sugestivo: “O privilégio do sr. Moraes”. Trata dos desdobramentos do imbróglio que envolveu o ministro Alexandre de Moraes e sua família no aeroporto de Roma. Em recurso interposto no inquérito que investiga suposta agressão contra o ministro e sua família, a Procuradoria-Geral da República (PGR) fez dois pedidos ao ministro Dias Toffoli, relator do caso: o levantamento integral do sigilo das filmagens contendo as supostas hostilidades e a reconsideração da decisão que admitiu a participação das supostas vítimas, desde a fase da investigação, como assistentes da acusação.

A corte suprema, infelizmente, não tem contribuído para fortalecer a sua credibilidade. Aos olhos da população, transformou-se num espaço político

O controle seletivo das filmagens passou a ser exercido de modo ilegal e abusivo num país em que a arbitrariedade do poder faz de conta que a lei não vale para todos. Basta pensar na triste comédia das imagens da baderna de 8 de janeiro. O ministro da Justiça já apresentou três ou quatro versões. Só não entregou as imagens solicitadas pelo Congresso Nacional e devidamente autorizadas pelo STF. “Não se pode construir privilégios em investigações criminais e, por tal razão, não se pode admitir a manutenção do sigilo fragmentado da prova no caso em exame”, disse a PGR a respeito do sigilo. Lembrou ainda que a restrição imposta prejudica o trabalho do Ministério Público e afeta a compreensão dos fatos pela opinião pública. Ademais, as supostas vítimas deveriam ser as maiores interessadas em que tudo aparecesse.

Por outro lado, a decisão do ministro Toffoli de admitir o colega Alexandre de Moraes e sua família como assistentes de acusação na investigação da suposta agressão contraria o Código de Processo Penal e a jurisprudência do próprio Supremo. Esse é o entendimento de juízes, procuradores e advogados ouvidos para esclarecer o assunto. Todos entendem que a assistência de acusação só poderia ser admitida em uma fase seguinte do caso, ou seja, no curso da ação penal. Sobre a participação de Alexandre de Moraes e familiares como assistentes de acusação, a PGR afirmou se tratar de um “privilégio pessoal” (forte isso), em razão de inexistir essa figura na fase de investigação. “Não se tem notícia de precedente de admissão de assistência à acusação na fase inquisitorial. Tal privilégio jamais foi admitido para quaisquer das autoridades acima elencadas, nem mesmo para o presidente da República”, diz o recurso do Ministério Público. O crescente poder político do ministro Alexandre de Moraes, a quem respeito como pessoa e constitucionalista, não é bom para o país, para a imagem da corte e para ele próprio.

Mas vamos ao segundo texto que chamou minha atenção: “Advocacia silenciada nos tribunais”. Seu autor, Ruiz Ritter, é advogado criminalista, doutorando e mestre em Ciências Criminais pela PUC/RS. Ele informa que a Diretoria do Conselho Federal, presidentes de diversas seccionais e membros honorários vitalícios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tiveram audiência com o ministro Alexandre de Moraes para “requerer respeito ao direito de sustentação oral” no Supremo Tribunal Federal, após o tribunal pautar no plenário virtual os julgamentos referentes aos atos de 8 de janeiro deste ano. O autor argumenta, com razão, que “acerta a OAB na cobrança institucional ao STF de ‘respeito’ ao direito dos advogados de se pronunciarem na corte, assim como em qualquer tribunal”. Impedir a realização da sustentação oral presencial, admitindo a modalidade “gravada”, é um modo concreto de silenciar a advocacia e inibir o direito de defesa.

O momento atual do Brasil é de paixões exacerbadas, nervos à flor da pele. É em momentos assim que se exige uma maior prudência e ponderação de todos. Há efeitos da politização que causam danos de difícil reparação para a vida de um país. Um deles é a destruição da segurança jurídica, que no Brasil de hoje é visível a olho nu e, infelizmente, está sendo causada pela conduta de alguns ministros do STF, que é – ou ao menos deveria ser – o principal responsável pela garantia do cumprimento e da estabilidade do ordenamento jurídico e da defesa das liberdades.

A corte suprema, infelizmente, não tem contribuído para fortalecer a sua credibilidade. Aos olhos da população, transformou-se num espaço político. Não creio que seja radicalmente assim. Mas é a percepção que existe. E isso não é nada bom. É hora de os ministros de STF fazerem uma sincera autocrítica. O Brasil merece.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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