• Carregando...
Ilustração de Benjamin Henry Latrobe, datada de 1798, com cena de trabalho de escravos nos Estados Unidos.
Ilustração de Benjamin Henry Latrobe, datada de 1798, com cena de trabalho de escravos nos Estados Unidos.| Foto: Wikimedia Commons/Domínio público

À medida que observamos a paisagem cultural e política do Brasil, torna-se cada vez mais evidente a deplorável escalada do cancelamento e do discurso de ódio, especialmente direcionado a líderes cristãos, com o claro intento de abafar suas crenças, uma evidente violação de três direitos humanos fundantes da civilização ocidental e da democracia: as liberdades de crença, religiosa e de expressão.

Este contexto desafiador revela uma preocupante tendência de narrativas distorcidas, impulsionadas por grande parte da esquerda brasileira e mundial e pelos autoproclamados “progressistas”, como se fosse progresso violar direitos humanos. A disseminação de falsas informações e a criação de narrativas manipuladoras têm se tornado uma ferramenta para atingir objetivos específicos, dentre eles, o de um grande “erase” daqueles que não concordam com suas sanhas de dominar as mentes e as almas da população.

É alarmante perceber como a narrativa do cancelamento pode ser instrumentalizada, criando um ambiente propício para a supressão de vozes cristãs e a deturpação de suas crenças. O que torna essa situação ainda mais desafiadora e preocupante é a compra integral de tais narrativas por uma parte significativa da sociedade. Não há um escrutínio mínimo. Se um blogueiro diz que Fulano é apoiador de uma determinada agenda, todos se municiam das pedras necessárias e começam o apedrejamento, sem qualquer pudor de, ao menos, fazer uma breve pesquisa sobre a vítima da vez.

É alarmante perceber como a narrativa do cancelamento pode ser instrumentalizada, criando um ambiente propício para a supressão de vozes cristãs e a deturpação de suas crenças

A disseminação de mentiras alimenta percepções distorcidas e contribui para a polarização, minando a compreensão mútua e a liberdade de expressão, valores fundamentais em uma democracia saudável. Neste contexto complexo, é crucial examinar criticamente as motivações por trás do cancelamento crescente, compreender como as narrativas são construídas e discernir entre a realidade e a manipulação. O desafio está em cultivar um espaço onde o diálogo honesto e respeitoso possa florescer, promovendo uma sociedade que valorize a diversidade de pensamento, o pluralismo político, a cidadania e a liberdade de crença.

A bola da vez é o cancelamento do evento reformado Consciência Cristã, que está em sua 26.ª edição. Muitos críticos progressistas têm atacado a organização do evento, alegando que estaria trazendo ao Brasil um pastor reformado que seria defensor da escravidão. Entretanto, essa é uma grande fake news. O pastor Douglas Wilson nunca endossou a escravidão. Em seu contexto nos Estados Unidos, sua posição é de que a abolição da escravidão deveria ter ocorrido de maneira gradual, sem recorrer a uma guerra sangrenta, como aconteceu por lá, resultando na morte de centenas de milhares de pessoas, principalmente escravizados.

Essa é a perspectiva do pastor Wilson. Para ele, a escravidão, quando baseada na raça e alimentada pelo racismo, “é uma afronta contra o Evangelho e um insulto contra Deus”. No próprio blog do pastor Wilson isto é claro:

“Portanto, enquanto nos esforçamos para erradicar o pecado étnico de nossas vidas, existem duas formas básicas que o pecado étnico pode assumir nas Escrituras. Uma é quando a filiação de uma pessoa a uma tribo específica é usada como base para justificar malícia ou inimizade em relação aos membros de um grupo diferente. A segunda é quando é usada como base para um falso orgulho ou uma sensação inflada de superioridade. Os dois pecados são, portanto, inimizade étnica e vaidade étnica, e ambos são odiados por um Deus santo. No entanto, eles não são mais radicalmente malignos do que outras formas de inimizade ou vaidade, fundamentadas em outras futilidades sem fundamento. O pecado é sempre o mesmo tipo de loucura cega, e Cristo morreu por tudo isso.” (tradução nossa)

Ontem mesmo, após o cancelamento de sua vinda ao Brasil, o pastor Wilson se manifestou em seu blog, traduzido pela Monergismo. Vejam o que ele diz sobre racismo e escravidão:

“Embora seu país tenha abolido a escravidão alguns anos mais tarde do que nós, nos Estados Unidos, vocês tiveram a bênção de fazer isso sem uma guerra mortal e ruinosa. Matamos 600 mil homens e, em muitos aspectos, essa guerra resultou em uma ferida que nunca cicatrizou de verdade. Portanto, minha posição não é a de um defensor da escravidão. Um de meus grandes heróis evangélicos é William Wilberforce, o homem que foi fundamental para acabar com o comércio de escravos no Império Britânico. E ele não fez isso com canhões. Meu argumento nunca foi o de que a escravidão era necessária, mas sim que a carnificina não era necessária.

(...) A escravidão é uma questão perene porque a raça humana é decaída e rebelde, e a Bíblia descreve isso como uma escravidão fundamental ao pecado: ‘Mas graças a Deus porque, outrora, escravos do pecado, contudo, viestes a obedecer de coração à forma de doutrina a que fostes entregues’ (Rm 6,17). Enquanto os cristãos estiverem proclamando o evangelho, eles terão de falar sobre um certo tipo de escravidão, o tipo de escravidão ao pecado da qual o evangelho nos liberta.”

Nos Estados Unidos, inclusive, pessoas que foram críticas contundentes do posicionamento – realmente controverso – do pastor Wilson retrataram-se de sua aspereza inicial, como se pode enxergar no texto do pastor Thabiti Anyabwile, no portal Gospel Coalition (o texto está em inglês).

“Nenhum dos veículos de comunicação da mídia nacional que abordaram a presença do pastor Douglas Wilson no evento da Consciência Cristã buscou a Vinacc para obter sua versão e resposta aos fatos noticiados.”

Trecho da Nota de Esclarecimento da Vinacc

Assim, é crucial esclarecer o que tem ocorrido no Brasil e como o caso envolvendo o pastor Wilson e a Consciência Cristã revela isso. É fundamental ressaltar a injusta situação em que a Vinacc, entidade organizadora da Consciência Cristã, foi maldosamente envolvida, tornando-se vítima de um cancelamento fundamentado em narrativas distorcidas. Por temer pela segurança física do preletor (sim, muitas e muitas foram as ameaças à sua integridade), ela teve de cancelar a vinda do pastor Wilson ao Brasil. A Vinacc enfrenta, portanto, não apenas as consequências do cancelamento de um palestrante, mas também o desafio de combater uma narrativa enganosa que ameaça obscurecer a verdade e prejudicar a integridade do evento que realiza há mais de duas décadas.

Esse episódio destaca a urgente necessidade de discernimento diante de informações distorcidas, enfatizando a importância de buscar a verdade antes de aderir a narrativas que podem ter repercussões prejudiciais e injustas.

Segue a nota de esclarecimento divulgada pela entidade sobre o caso:

Visão Nacional para a Consciência Cristã – 26.º Encontro para a Consciência Cristã: “No Poder do Espírito” – Nota de esclarecimento

Com muita alegria, ao nos aproximarmos de mais uma edição de nosso Encontro para a Consciência Cristã, evento teológico promovido há mais de duas décadas pela Vinacc – Visão Nacional para a Consciência Cristã, podemos agradecer a Deus pelos grandes frutos desse ministério que alcança milhares de vidas anualmente.

Sabemos que o Evangelho é o “poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Romanos 1,16), mensagem reiterada ano após ano nesse encontro. Temos consciência de que seguimos em uma realidade pecaminosa, em que as várias vozes e ruídos do mundo se opõem ao doce chamamento do Espírito Santo, e que assim será até que Cristo intervenha direta e definitivamente na história, inaugurando o seu Reino Eterno. Enquanto aqui vivermos, nós, crentes em Cristo Jesus, andamos não por nossa força, mas sempre sob a influência do Espírito Santo, procurando manifestar o Seu fruto, a saber: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio (Gálatas 5,16-26).

Compreendendo que Deus comanda todas as coisas e faz tudo cooperar para o bem daqueles que O amam (Romanos 8,28), decidimos cancelar a participação do pastor Douglas Wilson, da Christ Church (EUA), após polêmicas levantadas por interpretações de falas do preletor sobre o tema sensível da escravidão no contexto americano, as quais, por solicitação da Vinacc, foram prontamente respondidas em carta aberta ao povo brasileiro, onde ele faz o devido esclarecimento.

Considerando as reações às veiculações de sua presença entre nós – inclusive com incitação a crimes de ódio, e, eventualmente, à escalada de violência física, julgamos por bem, em mansidão e amor cristão, cancelar sua participação, no intuito de garantir a segurança física do pastor Wilson, dos demais preletores, e das mais de 100 mil pessoas que passarão pelo encontro entre os dias 8 e 13 de fevereiro próximo. Esperamos que a verdade circule livremente em nosso meio, e que os veículos de comunicação deem ao pastor Wilson o espaço necessário para que possa também falar e dar sua versão sobre os fatos. Esperamos que o Brasil possa seguir sendo um país aberto à fé e ao respeito a todas as manifestações religiosas, incluindo o cristianismo de tradição reformada, tal como o recebemos das gerações anteriores.

Esclarecemos que tomaremos todas as medidas de segurança para o bom andamento do evento, bem como as providências judiciais cabíveis para responder a eventuais ilícitos cíveis e criminais que tenham ou venham a ocorrer, pelo bem do nosso ministério e da garantia da liberdade religiosa e laicidade colaborativa, tal qual previsto em nossa Constituição.

Ademais, é importante salientar que nenhum dos veículos de comunicação da mídia nacional que abordaram a presença do pastor Douglas Wilson no evento da Consciência Cristã buscou a Vinacc para obter sua versão e resposta aos fatos noticiados. Isso contraria um princípio fundamental do jornalismo, que consiste em ouvir todos os lados, derivado do contraditório e da ampla defesa, fundamentais em uma democracia.

Por fim, a Vinacc repudia qualquer violação aos direitos humanos, incluindo todas as formas de escravidão. A organização compreende que cada ser humano é criado à imagem e à semelhança de Deus (Gênesis 1,27), e, portanto, dotado de dignidade humana, que é o vetor de todos os direitos humanos fundamentais.

Campina Grande, 17 de janeiro de 2024
Euder Faber Guedes Ferreira – presidente da Visão Nacional para a Consciência Cristã

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]