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Pessoas em estação de trem em Seul, Coreia do Sul, assistem notícia sobre o lançamento de dois mísseis balísticos na Coreia do Norte, 15 de setembro
Pessoas em estação de trem em Seul, Coreia do Sul, assistem notícia sobre o lançamento de dois mísseis balísticos na Coreia do Norte, 15 de setembro| Foto: EFE/EPA/JEON HEON-KYUN

Não, o título da coluna não se trata de literalmente uma corrida entre submarinos para ver qual embarcação é mais rápida. Recentes eventos na bacia do Pacífico, entretanto, podem causar uma corrida em busca do desenvolvimento e da aquisição de melhores e mais potentes submarinos pelos países da região. Especialmente pelo Japão, o que deve esquentar ainda mais o debate público no país sobre sua constituição pacifista, na véspera de novas eleições gerais.

Primeiro, no domingo dia doze, a Coreia do Norte anunciou um teste bem-sucedido de um novo míssil de cruzeiro de longo alcance. Esse tipo de projétil não é proibido pelas sanções da ONU contra a república norte-coreana e, embora não seja uma grande ameaça imediata, representa tanto um avanço tecnológico por parte do país quanto mais uma opção em seu arsenal, já que sua velocidade e tamanho reduzido fazem dele de difícil interceptação.

Somado ao fato de que parte considerável do arquipélago japonês esteja dentro do alcance do novo armamento, o lançamento teve repercussão regional. O míssil foi disparado de um veículo lançador terrestre, mas poderia eventualmente ser utilizado em submarinos. A Coreia do Norte, lembre-se, já possui essa tecnologia. Seu primeiro teste bem sucedido com um míssil balístico lançado debaixo da superfície marítima foi realizado ainda em outubro de 2019, em uma plataforma fixa.

Não se sabe ao certo se a Coreia do Norte possui submarinos capazes de lançar mísseis balísticos, o que deve ser apenas uma questão de tempo. Relatórios de inteligência falam de antigos submarinos soviéticos convertidos e de um submarino desenvolvido de maneira autóctone com esse propósito em mente. Um submarino capaz de lançar mísseis balísticos, conhecidos pela sigla em inglês SSB, representa um ganho estratégico enorme.

Essa possibilidade faz parte da chamada tríade nuclear, a capacidade de realizar ataques nucleares por mísseis balísticos baseados em terra, via submarinos e com ogivas disparadas por bombardeios estratégicos de longo alcance. Isso garante que uma potência terá poder de retaliar contra um ataque preemptivo inimigo, impedindo que suas forças nucleares sejam neutralizadas de antemão.

Ao sul da península

São pouquíssimos os países que detêm essa tecnologia. E, na quarta-feira, dia quinze, a Coreia do Sul tornou-se apenas o sétimo país do mundo com essa capacidade. Talvez oitavo, já que Israel adota uma política opaca. Antes, na própria quarta-feira, a Coreia do Norte testou outros dois mísseis balísticos de curto-alcance. Horas depois, na presença do presidente Moon Jae-in, a Coreia do Sul lançou seu primeiro míssil balístico a partir de um submarino. Tanto o projétil quanto o navio são de fabricação sul-coreana.

A marinha sul-coreana, além de nova integrante desse seleto clube, também é a única que pode lançar mísseis balísticos de um submarino sem possuir ogivas nucleares, ou seja, não chega a ser parte de uma “tríade nuclear”. Ao menos por enquanto, já que Coreia do Sul, Japão, Alemanha e Brasil são algumas das “potências nucleares dormentes”, países que possuem tecnologia suficiente para poder construir uma ogiva nuclear caso desejem.

Ambos os lançamentos de quarta-feira foram realizados após a visita do ministro de Relações Exteriores da China, Wang Yi, a Seul, onde se encontrou com o presidente Moon. Mais do que uma resposta de uma república coreana à outra, os testes também tiveram como “timing” a visita da potência em ascensão da região. Embora a China seja a principal aliada da Coreia do Norte, a relação entre os dois países passa longe de ser um mar de rosas, enquanto chineses e sul-coreanos compartilham tanto pendências quanto uma rivalidade em comum, o Japão.

Mais ao sul, na mesma quarta-feira, dia quinze de setembro, o presidente dos EUA, Joe Biden, o premiê do Reino Unido, Boris Johnson, e o premiê australiano, Scott Morrison, realizaram uma videoconferência para anunciar um novo pacto de defesa. Batizado pelo acrônimo em inglês dos três países, AUKUS, o pacto inclui a cooperação militar, em cibersegurança e em inteligência artificial.

Nas palavras de Joe Biden, os países "enfrentarão juntos as ameaças do século 21" para garantir um "Indo-Pacífico livre". Para bom entendedor, o sujeito oculto é a China. Talvez até para os maus entendedores. De fato, a embaixada chinesa em Washington pediu o fim da “mentalidade de Guerra Fria”. Principalmente, o anúncio do pacto veio acompanhado de outro anúncio: de um programa de desenvolvimento de um submarino de propulsão nuclear para a marinha australiana.

A Austrália já planejava a aquisição de novos submarinos, para substituir os navios que entraram em serviço na década de 1990 e possuem vida útil até 2030. Inicialmente, o país compraria uma versão movida à diesel do francês Barracuda. O plano, agora, foi abandonado. Inclusive, as autoridades francesas se disseram ultrajadas, não apenas pelo fim do convênio, mas pelo anúncio público sem um diálogo prévio entre os aliados da OTAN. Claro, a perda financeira também pesa no ultraje francês.

Japão e corrida armamentista

Enquanto isso, no Japão, o governista Partido Liberal Democrata, conservador, vai realizar sua convenção partidária no dia 29 de setembro. O partido escolherá o sucessor de Suga Yoshihide, que renunciou devido sua baixa aprovação devido a pandemia e aos Jogos Olímpicos. A pessoa escolhida vai governar o Japão por pelo menos dois meses, até o dia 28 de novembro, quando o país terá eleições gerais, que vão escolher o novo parlamento e um eventual novo governo.

Uma das favoritas é Takaichi Sanae, ex-ministra do governo Abe Shinzo. Assim como Abe, ela faz parte do grupo nacionalista e revisionista Nippon Kaigi. Os integrantes do grupo negam as atrocidades japonesas da Segunda Guerra Mundial e defendem uma política militarista, com o fim da constituição pacifista do país e a adoção de leis que permitam a expansão das forças armadas e o eventual desenvolvimento de armamentos nucleares. O próprio Abe, em 2002, foi explícito nesse sentido.

As recentes notícias certamente vão impactar o clima eleitoral japonês, independente de alianças ou de terem parceiros em comum, como os EUA. A marinha japonesa possui uma moderna frota de submarinos, pioneira no uso de baterias de lítio, mas, ainda assim, limitada em seus armamentos estratégicos, enquanto dois países da bacia do Pacífico, Coreia do Sul e Austrália, exibem novos e modernos equipamentos, que são vetados aos japoneses.

Mais que isso, pensando nas vantagens estratégicas e usos táticos de submarinos por marinhas reduzidas e com menor orçamento, a última semana pode ter jogado gasolina na fogueira da corrida armamentista regional. O foco de tensões e disputas territoriais do Pacífico é o Mar do Sul da China, e países como Vietnã, Indonésia e Filipinas podem se tornar cada vez mais interessados em expandir ou melhorar suas frotas submarinas. No caso filipino, inclusive, ela sequer existe. Uma verdadeira corrida submarina no oceano Pacífico, cada vez menos digno de seu nome.

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