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Lula, Alckmin e Haddad
O ex-presidente Lula (PT), o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB) e o candidato Fernando Haddad (PT).| Foto: Reprodução/Facebook

Formalmente, o Partido dos Trabalhadores ainda não apresentou o seu plano de governo, incorrendo em prática flagrante de estelionato eleitoral. Mas, embora o partido exija do eleitorado que lhe dê um cheque em branco, isso não impede que, a despeito do risco de incorrer no delito kafkiano de “desordem informacional”, os comentaristas políticos tentemos deduzir esse plano a partir de um conjunto de informações prévias disponíveis. Informações verdadeiras, ressalte-se, posto que eventualmente incômodas à candidatura socialista e seus apparatchiks.

Dentre essas informações, temos, primeiro, algumas declarações recentes de figuras de destaque no campo lulopetista. Na terça-feira (dia 18), por exemplo, discursando num palanque em Presidente Prudente (SP), o candidato ao governo de São Paulo Fernando Haddad reafirmou o propósito de relativizar a propriedade privada, um antigo desejo do partido socialista, consagrado, por exemplo, no famigerado 3.º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), a carta bolivariana proposta pelo então presidente Lula em decreto de dezembro de 2009. “A maior parte das terras não cumpre a função social, e a lei diz que a terra tem de cumprir função social”, disse Haddad. E, pretendendo poupar os camaradas do MST e MTST do trabalho de ocupar terras e terrenos julgados (por eles mesmos) “improdutivos”, arrematou: “Nem precisa ocupar, é só me mandar uma carta dizendo onde é a terra que não cumpre a função social que nós vamos lá e desapropriamos”.

Quanto à economia, embora não tenhamos sido apresentados aos possíveis ministros do candidato socialista, já sabemos que a propalada “aproximação ao centro” – ostentada no apoio de “neoliberais” como Henrique Meirelles, Armínio Fraga, Pedro Malan, Pérsio Arida, e Edmar Bacha – não passa de propaganda enganosa (que, a propósito, só engana trouxa). Com efeito, a nova tentativa de “carta aos brasileiros” – que já era fraudulenta em sua primeira versão – só durou até que, ressentidos e ousados, os bolcheviques do partido começassem a cantar. O primeiro passarinho vermelho foi o psolista Guilherme Boulos. Em entrevista ao programa Roda Viva, o invasor profissional de propriedades comentou sobre o papel figurativo de Geraldo Alckmin, candidato a vice-presidente na chapa socialista. “O Alckmin foi posto como expressão de uma frente democrática anti-Bolsonaro” – disse Boulos. “Em nenhum momento as ideias liberais foram incorporadas ao plano de governo”.

Quanto à economia, já sabemos que a propalada “aproximação ao centro” não passa de propaganda enganosa (que, a propósito, só engana trouxa)

O mesmo foi confessado por um espécime mais graúdo da fauna vermelha, o ex-ministro (e ex-agente cubano de inteligência) José Dirceu. Em entrevista ao canal Opera Mundi, disse um dos chefes do mensalão: “É natural que a campanha vá para o centro. Agora, Lula não admitiu nomear ministros nem assumir compromissos sobre manutenção do teto de gastos. Pelo contrário. Nas entrelinhas dos discursos dele, está claro que investimento em ciência, tecnologia, inovação e saúde não é gasto”.

Mas, afora essas e outras tantas declarações de radicalismo explícito, há documentos registrados que servem de rascunho ou embrião do programa socialista de governo – ou, antes, de poder. É o caso, por exemplo, das Resoluções do Encontro Nacional de Direitos Humanos do PT, aprovadas em dezembro de 2021, e validadas em redação final em fevereiro deste ano. O documento abre com a arenga de sempre, baseada na falsa associação entre esquerda e direitos humanos – como se, hoje, não viessem justamente de regimes socialistas apoiados e patrocinados pelo PT os casos mais escabrosos de violações de direitos humanos. Os redatores condenam o “neoliberalismo”, o “golpe de 2016” (ou seja, o impeachment de Dilma Rousseff) e a ascensão do “neofascismo”, ou seja, do governo de Jair Bolsonaro, também caracterizado como uma “aliança entre militares e milicianos”, supostamente anátema aos ditos “direitos humanos”.

No texto, são apontados dois obstáculos essenciais ao exercício da democracia e dos direitos humanos no Brasil: as Forças Armadas e as polícias militares. De acordo com o programa informal de governo do PT, ambas são um inimigo a ser vencido. “No que se refere às Forças Armadas, sabemos bem que o governo Bolsonaro defende forças armadas que sejam tutoras do poder civil, antagonistas da democracia e dos Direitos Humanos e subordinadas ao Comando Sul dos Estados Unidos”, lê-se no documento. “A atual cúpula das forças armadas é cúmplice desta conduta do governo Bolsonaro. Não há como separar as FFAA da catástrofe que é o governo Bolsonaro. Transformaram-se em peça fundamental desde o apoio ao golpe contra a presidente Dilma, à prisão do Lula e construção da candidatura do atual governante. Mais do que participar do governo, avalizam e conduzem as diretrizes políticas e orientações governamentais, aceitam o programa neoliberal de ajuste fiscal, que envolve a eliminação de direitos e privatizações, a supremacia do capital financeiro e submissão à hegemonia americana. As FFAA são uma força importante de governo Bolsonaro, ocupando cargos, exercendo funções chaves e definindo orientações. Os compromissos são mais profundos do que aparentam, os vínculos nasceram na campanha, na montagem do atual governo e na viabilização de suas políticas”. Como solução, o partido defende mudanças estruturais na instituição, muitas das quais realizadas por meio da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte para a elaboração de uma nova Constituição.

“Já as Polícias Militares brasileiras são as que matam em escala industrial” – continua o programa petista. “Não é possível falar-se em democracia quando, na prática, a PM tem licença para matar. Há toda uma sorte de violências e humilhações, praticadas no dia a dia dos centros urbanos e especialmente das periferias, cujo alvo principal é o jovem negro e pobre. Essa intimidação diária e constante é Terrorismo de Estado”. Significativamente, aliás, o termo “terrorismo de Estado” para qualificar a atuação das polícias militares é o mesmo que, em dezembro de 2001, uma resolução do Foro de São Paulo – assinada, entre outros, pelo PT – utilizou para descrever as ações do governo colombiano contra os narcoterroristas das Farc. Depois de desfiar o rosário de estigmas usualmente lançados por socialistas contra os policiais militares – acusados de “racistas”, “genocidas”, “lacaios da elite” etc. –, o partido propõe a solução inescapável: a desmilitarização (também entendida como sindicalização).

Após o diagnóstico, o documento elabora uma lista de 20 pontos programáticos, que vale a pena reproduzir:

“1. O PT vai promover em 2022 Conferências Populares de Direitos Humanos, em todos os estados do Brasil, como parte da mobilização social e construção programática da campanha Lula;

2. Recriar, desde o primeiro dia de governo a democracia, revogando todas medidas golpistas (decretos, portarias, etc.) e começar o desmonte do Estado de exceção;

3. Convocar nos primeiros dias de governo uma grande Conferência Nacional Popular de Direitos Humanos, que vai desenhar as linhas mestras do Plano Nacional de DH 4, recriando e reconstruindo toda arquitetura institucional das políticas de proteção, defesa e promoção dos DH no Brasil;

Afora as tantas declarações de radicalismo explícito, há documentos registrados que servem de rascunho ou embrião do programa socialista de governo

4. Recriar os Ministérios das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, bem como a Secretaria Nacional de Juventude, LGBTI e das Pessoas com Deficiência;

5. Instituir uma política de reparação e punição. Memória, Verdade e Justiça. Processar e punir os responsáveis pelo genocídio (Covid), criar uma política de promoção da memória, da verdade, com a criação de uma justiça de transição. Tribunal de Manaus para julgar Bolsonaro e seus cúmplices;

6. Implantar políticas imediatas para acabar com o extermínio em massa de jovens pretos, priorizando a redução dos homicídios – hoje são 45 mil pessoas por ano;

7. Rever toda arquitetura da Segurança Pública. Reorganizar e desmilitarizar as polícias. Retomar e ampliar as diretrizes do Pronasci, colocar a pauta da segurança cidadã como prioridade de todo governo Lula;

8. Cessar a guerra às drogas: regular, descriminalizar, redução de danos, educação e saúde.

9. Reverter o encarceramento em massa de pretos e pobres, a começar por desencarcerar milhares de presos provisórios;

10. Educação em Direitos Humanos. Estruturar um aparato de educação e cultura de direitos humanos, com propaganda massiva de valores democráticos, pluralistas, enfrentando o neofascismo

11. Criar o Sistema Nacional de Direitos Humanos – com marco legal aprovado no Congresso, estrutura federal, estadual e municipal – política federativa –, recursos orçamentários, planos organizados

12. Desarmar o país, campanha massiva anti-armas, rever toda legislação bolsonarista, política radical de redução do número de armas circulando no país, retomar Estatuto do Desarmamento.

13. Reconstruir todas políticas para as pessoas com deficiência, em todas áreas do governo, ir além do “viver sem limites”, assegurar mais recursos e estrutura;

14. Recomeçar a promoção de direitos das LGBTI; estruturar uma política nacional de defesa e promoção dos direitos da população LGBTI, com verba federal, marco legal, indução de ações, transversalidade; criar o Transcidadania nacional;

15. Incluir a questão do envelhecimento no centro da agenda, a começar enfrentando a violência contra os idosos; colocar de pé uma política articulada de promoção dos direitos integrais, da saúde, da assistência e de uma rede pública que vai garantir o bem-viver dessa população

O golpe do “Lulinha Paz e Amor, segunda edição” está aí. Cai quem quer...

16. Nortear todas ações relacionadas às crianças e adolescentes tendo a revalorização do ECA como fundamento. Romper com as manipulações conservadores dessa pauta – criando e fortalecendo ações que de fato protejam crianças e adolescentes de abusos sexuais, do trabalho infantil, da violência, do abandono. Fortalecendo espaços de participação social, como os Conselhos tutelares;

17. Fortalecer os programas de proteção dos defensores e defensoras de direitos humanos;

18. Reconhecer a cidadania plena das pessoas migrantes, através de políticas públicas de acolhida, integração económica, social e cultural, lutar pelo direito ao voto e garantir espaços de participação, revogar o decreto de Temer que regulamenta a Lei 13445 de 2017 e regulamentar o artigo 120 que institui uma política nacional de migração ampla, participativa e acolhedora.

19. Reconstruir a política de saúde mental que respeita os direitos humanos, valorizar a rede de atenção psicossocial, retomar o investimento nos CAPS; focar no SUS – voltar às diretrizes da reforma psiquiátrica, nenhum financiamento às organizações privadas autodenominadas “comunidades terapêuticas”;

20. Garantir dinheiro; sem recursos não há políticas públicas; o orçamento para o conjunto das políticas de promoção e defesa dos DH será enormemente ampliado”.

Enfim, como se diz popularmente: o golpe do “Lulinha Paz e Amor, segunda edição” está aí. Cai quem quer...

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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