O ministro da Justiça, Flávio Dino, e o presidente da República, Lula.| Foto: Ricardo Stuckert/PR
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Esta semana soubemos pela imprensa que assessores do Ministério da Justiça receberam na sede do ministério a mulher de um conhecido traficante do Comando Vermelho no estado do Amazonas – o Tio Patinhas, preso em 2022 e condenado em outubro passado a mais de 31 anos de prisão por tráfico de drogas, participação em organização criminosa e lavagem de dinheiro. A mulher, cuja alcunha é sugestiva, “Dama do Tráfico”, assim como o marido já foi condenada pela Justiça, a 10 anos de prisão por atuar na lavagem de dinheiro do tráfico, mas aguarda em liberdade o julgamento de recursos. Ela foi recebida em Brasília como presidente da Associação Instituto Liberdade do Amazonas (ILA), uma ONG de defesa dos direitos dos presos. Segundo a polícia civil do Amazonas, a ONG atua em prol dos detentos ligados ao Comando Vermelho. A organização também seria financiada com dinheiro do tráfico. Coisa muito linda.

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O que era já ruim, fica ainda pior. A viagem foi custeada com recursos públicos, ou seja, pagos por você e por mim, e todos os brasileiros que pagam impostos. O Ministério dos Direitos Humanos pagou as passagens de ida e volta entre Manaus e Brasília e também diária para que a Dama do Tráfico participasse de um evento de combate à tortura no dia 6 de novembro no Distrito Federal. O ministério de Silvio Almeida confirmou o pagamento em nota, esclarecendo que pagou as despesas de todos os participantes do evento.

O que interessa é tachar tudo aquilo que não lança aplausos e incensos a Lula e sua trupe de fake news.

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Pode piorar? Claro que sim! E é justamente esse o ponto que mais nos interessa. Na defesa de seu braço-direito Flávio Dino, que poderá em breve ser colocado em uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente petista em terceiro mandado usou as palavrinhas mágicas que usa sempre que quer tentar desmentir algum escândalo: fake news. Em suas contas nas redes sociais, Lula escreveu que "As acusações infundadas contra o ministro Flávio Dino são irresponsáveis. Presto, também, todo meu apoio ao amigo Dino e contra quem promove ódio e fake news" (grifo meu).

De tanto ser usado e reusado, nem sempre paramos para pensar no que, de fato, significa o termo fake news – ou o que certos grupos querem que ele signifique. Na verdade, ainda há muita discussão em torno do que define algo como fake news, em especial no que se refere à estrutura de distribuição de uma informação falsa. Embora existam aqueles que veem qualquer notícia ou informação falsa como sendo uma fake news, outros – e me incluo entre eles – só consideram algo como fake news quando há a real intenção de usar uma informação sabidamente falsa em proveito próprio ou contra o oponente, ou seja, quando a pessoa que divulga a informação sabe que se trata de algo falso, mas mesmo assim a divulga porque tem algo a ganhar com isso.

Uma notícia ou informação verdadeira jamais poderia ser chamada de fake news. A menos que estejamos em uma distopia

Essa distinção é importante porque evita que conteúdos que as pessoas divulgam ou repassam com boa-fé, sem saber que se trata de algo errôneo, algo sem comprovação ou mesmo outros tipos de conteúdos como opiniões e posicionamentos divergentes, possam ser enquadrados na mesma categoria das mentiras estrategicamente criadas por grupos de marketing para promover uma pessoa ou ideia (ou prejudicar o concorrente).

Mas mesmo ainda existindo divergências sobre como caracterizar uma fake news, em ao menos um ponto todos parecem concordar: uma fake news é essencialmente algo falso (fake). Uma notícia ou informação verdadeira jamais poderia ser chamada de fake news. A menos que estejamos em uma distopia – aquelas sociedades ficcionais, que deveriam ficar apenas no reino da imaginação. Numa distopia até faz sentido chamar de fake news a verdade e de verdade as mentiras: no reino das fantasias, tudo é permitido; então esse tipo de estratégia não causaria espanto.

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O problema é que não estamos em meio a uma novela orwelliana: é no Brasil real que um presidente e seus ministros tentam chamar de fake news uma matéria jornalística devidamente comprovada e fartamente documentada, incluindo pelo personagem principal, a tal Dama do Tráfico, e até o próprio governo, que admitiu a veracidade de todas as informações divulgadas. Assessores do Ministério da Justiça receberam a Dama do Tráfico, que foi à Brasília com as despesas pagas pelo Ministério dos Direitos Humanos. Os fatos são esses, comprovados, e não questionados nem mesmo pelo governo. Ainda assim, eles usam o termo fake news para se referir à matéria. Como assim?

Muito simples. Se para quem estuda o assunto definir fake news é trabalhoso, para Lula, seus ministros e apoiadores, é muito, mas muito fácil. Fake news no dicionário do lulopetismo – e de qualquer governo autoritário, seja de direita, esquerda ou centro – é toda reportagem, matéria, artigo, comentário, opinião, sinal de fumaça ou qualquer forma de expressão que ouse questionar a santidade dos membros do governo ou aponte que há algo de podre no reino do Planalto.

No caso da Dama do Tráfico e de tantos outros escândalos que já aconteceram e ainda vão acontecer, não importam os fatos, imagens, dados, comprovação, muito menos a verdade. O que interessa é tachar tudo aquilo que não lança aplausos e incensos a Lula e sua trupe de fake news. No grito, acusando reportagens sérias de fake news, eles querem calar qualquer voz discordante. Coisa bem típica das ditaduras. Alguma surpresa? Nenhuma.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]