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Série “Tales from the Loop” é ficção científica de partir o coração
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Originalmente, “Tales from the Loop” é o título de um livro de 2014, que reúne trabalhos do jovem artista plástico sueco Simon Stålenhag. Nas pinturas de crianças interagindo com robôs gigantescos, máquinas abandonadas, prédios de arquitetura absurda e outros elementos “futuristas retrô”, prevalece uma atmosfera de estranha melancolia: ali, como dizia uma antiga canção de Caetano Veloso, tudo parece que é ainda construção e já é ruína. Reunida também em outros livros, como “The electric state” e “Things from the flood”, a arte de Stålenhag inspirou, ainda, um popular jogo de RPG, antes de virar a série de oito episódios recém-lançada pela plataforma Prime Video, da Amazon.

Com roteiro de Nathaniel Halpern (que também escreveu episódios das séries “Legion”, “The Killing” e “Outcast”) e diretores conceituados como Jodie Foster, Andrew Stanton, Ti West y Mark Romanek, “Tales from the Loop” transporta para a monótona paisagem rural do meio-oeste americano – Mercer, uma cidadezinha fictícia em Ohio – o clima contemplativo e triste das pinturas de Stålenhag. Esse clima, que também tem algo de Edward Hopper, é acentuado pela trilha sonora minimalista de Philip Glass e Paul Leonard-Morgan.

A rotina de Mercer gira em torno de uma instalação científica subterrânea, “The Loop”, que contém uma estranha máquina chamada Eclipse (um acelerador de partículas?) e emprega a maior parte da população adulta da cidade. Com a missão de “explorar os mistérios do universo” e “tornar o impossível possível”, ali são realizadas pesquisas misteriosas, que subvertem diferentes leis da física, da vida e do universo, o que leva alguns habitantes da cidade a passar por experiências perturbadoras, incluindo troca de identidade, falhas gravitacionais, universos paralelos, incerteza quântica e descontinuidade temporal.

Assista abaixo ao trailer de “Tales from the Loop”:

Exemplos: uma criança viaja acidentalmente no tempo para encontrar a si mesma, mais velha; uma jovem acha um aparelho em forma de garrafa térmica que tem o poder de congelar o tempo; um menino tenta impedir a morte do avô, após uma esfera revelar que seu tempo acabou; dois amigos trocam de corpo e experimentam o que é (e como é inesperadamente difícil) ser outra pessoa, em outras circunstâncias. O que importa é que todos os episódios contêm cenas de partir o coração.

Com direção de arte e produção impecáveis, a série não aposta em efeitos especiais ou outros artifícios convencionais do gênero ficção científica: o ser humano, com suas dores, desejos e conflitos, é o centro e o alvo de cada episódio. A partir da relação entre os personagens e a tecnologia – e do convívio pacífico entre o banal e o fantástico – “Tales from The Loop” explora com delicadeza aspectos dolorosos da condição humana – o sentimento de inadequação da juventude, o ciclo inevitável da vida, o luto e outras perdas, a solidão, o medo da mudança e, sobretudo, a efemeridade e a fragilidade de tudo que é bom.

Não se espere, portanto, uma série convencional de ficção científica. Com narrativas cheias de sutilezas e diálogos curtos repletos de subtexto, a ênfase de cada episódio está na intimidade dos personagens, nos pequenos momentos do cotidiano que revelam dramas interiores ou familiares. A intepretação de todo o elenco – destacando-se Rebecca Hall e o veterano Jonathan Pryce – é deliberadamente contida, reforçando o convite à introspecção e à contemplação.

Com cerca de uma hora cada, os episódios são independentes, mas dialogam entre si: o coadjuvante de uma história aparece como protagonista de outra. Embora o episódio final esclareça em alguma medida o piloto (evocando o efeito de looping sugerido no título da série), não há exatamente uma preocupação em apresentar ao espectador uma teoria científica que dê sentido a tudo de bizarro que acontece – e acontece muita coisa bizarra. Os finais são semiabertos, deixando deliberadamente várias pontas desamarradas.

Por tudo isso, “Tales from the Loop” não é para todos os gostos: quem gosta de tudo explicadinho vai detestar. Os roteiros são engenhosos, mas estão longe de oferecer todas as respostas. As histórias são como que contadas pela metade, em um delicado quebra-cabeças, cabendo ao espectador chegar às suas próprias conclusões. E talvez um dos segredos do sucesso de “Tales from the Loop” esteja exatamente aí: também na vida as coisas terminam pela metade, também na vida os momentos que mais nos tocam ou fazem sofrer são aqueles que não têm explicação.

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