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Solenidade no Tribunal de Justiça de São Paulo, em janeiro deste ano: TJSP pagou sozinho R$ 345 milhões em indenizações de férias ao longo de 30 meses.
Solenidade no Tribunal de Justiça de São Paulo, em janeiro deste ano: TJSP pagou sozinho R$ 345 milhões em indenizações de férias ao longo de 30 meses.| Foto: Antonio Carreta/Flickr/TJSP

Com direito legal a 60 dias de férias por ano, juízes e desembargadores de tribunais estaduais receberam um total de R$ 1,3 bilhão em indenizações de férias não usufruídas nos últimos 30 meses. O maior valor foi pago pelo Tribunal de Justiça de São Paulo: R$ 345 milhões ao longo de dois anos e meio. Ou R$ 138 milhões por ano. Isso representa quase o valor da folha de pagamento do TJSP em um ano – R$ 159 milhões, em média. Ou seja, um salário extra anual. No conjunto, uma Mega-Sena da Virada.

Em segundo lugar vem o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), com um total de R$ 201 milhões em indenização de férias em 30 meses. Por ano, foram R$ 80 milhões – valor maior do que a folha mensal de pagamento, que fica em R$ 73 milhões. As indenizações, conhecidas na prática como “férias vendidas”, vêm acrescidas de um terço do valor e sobre elas não há incidência de Imposto de Renda.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) pagou um total de R$ 80 milhões em indenização de férias a magistrados nos últimos 21 meses. Por ano, foram R$ 46 milhões. A folha de pagamento do TJRJ tem valor médio de R$ 63 milhões.

Em Santa Catarina, o Tribunal de Justiça pagou um total de R$ 74 milhões em indenização de férias nos últimos 30 meses – ou R$ 29,7 milhões por ano. A folha de pagamento do TJSC tem valor médio de R$ 32,7 milhões.

Valor pode ser maior

O valor das indenizações deve ser ainda maior porque os dados de alguns tribunais estão atualizados somente até maio ou julho do ano passado no Painel da Remuneração dos Magistrados, na página do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O blog observou, no início de março, que havia atraso na divulgação de folhas de pagamento de vários tribunais. Inicialmente, o CNJ afirmou apenas que a alimentação dos dados é feita diretamente no painel pelos tribunais. Os tribunais responderam que haviam enviado os dados para o conselho. Em 30 de março, o CNJ informou que o seu Departamento de Tecnologia da Informação identificou um problema tecnológico e fez a correção, possibilitando a atualização dos dados. Mas ainda há alguns atrasos.

Magistrados federais e de cortes superiores também têm direito a 60 dias de férias. Mas, nestes tribunais, os gastos com indenizações de férias foram bem menores. Os 24 Tribunais Regionais do Trabalho pagaram R$ 15,8 milhões em indenizações nos últimos 30 meses. Nos cinco tribunais regionais federais, a despesa ficou em R$ 10,8 milhões. Em seis tribunais superiores e militares foram gastos apenas R$ 6,4 milhões.

Orçamento de capital

No TJSP, alguns desembargadores, com subsídio de R$ 30,5 mil, receberam quase R$ 300 mil em indenizações de férias em dois anos e meio. Maria de Lourdes Vaz de Almeida, por exemplo, ganhou R$ 282 mil – o equivalente a nove salários extras. Nesse período, ela teve renda média mensal de R$ 62 mil – num total de R$ 1,8 milhão. O juiz de direito João Roberto Casali levou R$ 274 mil em indenizações, o equivalente a nove salários e meio. A sua remuneração média foi de R$ 61 mil.

Maior tribunal do país, com 2,6 mil magistrados e 43 mil servidores, o TJSP tem orçamento bilionário. Além dos R$ 345 milhões gastos com indenização de férias, o tribunal pagou mais R$ 512 milhões em retroativos, que resultam da equivalência de remuneração entre os membros do Congresso Nacional, ministros de Estado e ministros do Supremo Tribunal Federal. É a chamada Parcela Autônoma de Equivalência (PAE). Essas diferenças estão sendo pagas em 84 parcelas mensais.

O orçamento total do TJSP no ano passado foi de R$ 13 bilhões – igual ao da Prefeitura de Belo Horizonte. As despesas com pessoal e encargos chegaram a R$ 10,3 bilhões, incluindo servidores. O tribunal tem em seu patrimônio 1.222 veículos, incluindo 14 caminhões e 466 Fiat Doblo.

Projetos barram férias de dois meses

Dois projetos em tramitação no Congresso propõem a redução das férias dos juízes e procuradores de 60 para 30 dias. Na Câmara, o relator da proposta de emenda à Constituição (PEC) 435/2018, deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR), afirma que não será possível votar enquanto durar a crise do coronavírus. Ele responsabiliza o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do ano passado, Felipe Francischini (PSL-PR), pela não colocação da PEC em votação. Não conseguimos contato com Franscischini.

Bueno também relata o projeto de lei 6.726/2016, batizado de extrateto, que barra os supersalários no serviço público. O deputado afirmou que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tinha prometido colocar o projeto em discussão na reunião de líderes, mas a crise atrapalhou os planos. Segundo Bueno, os dois projetos resultariam numa economia anual de R$ 4 bilhões.

A PEC 435 foi apensada à PEC nº 280/2016, que também estabelece o limite máximo de 30 dias de férias anuais a todos os servidores públicos. Mas a proposta defendida por Bueno, além de delimitar o período de férias para os servidores estatutários, também insere dispositivo para determinar, explicitamente, o limite de 30 dias de férias para membros de categorias do poder Judiciário e do Ministério Público. Isso porque a Lei Orgânica dessas carreiras determina 60 dias de férias. Assim, Bueno solicitou a separação das duas PECs.

“São 78 dias de férias”, diz relator

No Senado, a redução das férias para 30 dias está incluída na PEC Emergencial (186), que é relatada pelo senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR). Ele propõe uma solução intermediária: “temos inúmeros juízes, promotores, procuradores, que fizeram concurso pensando nos salários e nas vantagens que teriam. Então, entendo que eles têm direito assegurado a isso até se aposentar. Qualquer mudança, seria para quem entrasse daqui para frente”.

Oriovisto entende que não há como derrubar o “direito adquirido”: “Eu acho isso porque quem decidiria seria o próprio Judiciário, e seria muito difícil que eles decidissem contra eles mesmos”.

Para os novos magistrados e procuradores seria diferente. “Eles vão fazer o concurso sabendo que vão ter férias iguais a todos os outros trabalhadores do Brasil – 30 dias. Não vejo nenhuma razão para que alguns tenham 60 dias. E, na verdade, são 60 mais 18 dias de recesso no final do ano. São 78 dias de férias. O Brasil é o único país do mundo onde isso acontece. Fiz a comparação com vários outros países. O que tem em alguns países são 30 dias mais algum recesso. Em Portugal, chega a 40 e poucos dias”.

“Agora, se a gente acabar daqui para frente com esse privilégio, eles ainda vão ficar numa situação muito boa porque terão 30 dias de férias mais 18 de recesso. São 48 dias, o que é muito mais do que a maioria dos trabalhadores. Mas 60 dias não se justificam, de jeito nenhum”. O senador alerta que, enquanto o Congresso e o país não voltarem à normalidade, essa PEC não vai caminhar.

Tribunais justificam indenizações

O TJSP afirmou ao blog que “a alta demanda de trabalho e a insuficiência do quadro de magistrados na Justiça paulista exigem maior disponibilidade de todos. Dada a absoluta necessidade de serviço, o deferimento do usufruto de longos períodos de férias é praticamente inviável, exigindo-se controle, escalonamentos e concessões neste processo, para não faltar magistrados na cobertura das ausências e não prejudicar o andamento dos processos”.

“Portanto, somados todos esses pontos, sempre apoiando-se na absoluta necessidade da prestação jurisdicional, as férias de exercícios passados restam indeferidas, possibilitando que os dias possam ser indenizados, de acordo com a disponibilidade financeira e orçamentária desta Corte”, afirma o tribunal.

O TJMG destacou que “a conversão de férias e férias-prêmio em pagamento em espécie está prevista na legislação e é efetuada rotineiramente pelo TJMG, mediante requerimento dos magistrados. É comum, ainda, que alguns magistrados acumulem as férias-prêmio a que têm direito ao longo da carreira para receberem junto com o ato da aposentadoria, o que gera, eventualmente, valores mais expressivos. Os valores citados são compatíveis com o número de magistrados existentes no Estado, superior a 1 mil”.

O TJBA afirmou que, “observando a garantia da continuidade da prestação dos serviços judiciários, empreende esforços para organização da escala de férias de magistrados, nos termos da Portaria nº 062/2014, que dispõe sobre a concessão de férias, licenças e demais afastamentos de magistrados, visando evitar a acumulação de períodos de férias”.

O tribunal baiano lembrou que a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) dispõe que é assegurado ao magistrado “a conversão em pecúnia do excedente de férias que, por necessidade de serviço, não puderem ser usufruídos e, no caso de quando sejam acumulados períodos superiores a 60 dias, à luz do artigo 67, § 1º, da Lei Complementar nº 35/79. É importante assinalar que o deferimento de indenizações de férias dos magistrados neste tribunal ocorre somente em caráter excepcional e está em conformidade, também, com os termos da Resolução CNJ nº 133/2011”.

Os demais tribunais citados nessa reportagem não se manifestaram.

Os 10 tribunais que mais gastam com indenizações de férias

TribunalÚltima folha (*)Valor pago (em milhões de R$)
TJSPfev/20345
TJPRfev/20201
TJRJjul/1980
TJSCfev/2074
TJESfev/2065
TJMGmai/1962
TJRSfev/2059
TJPEfev/2050
TJBAdez/1948
TJGOfev/2047

(*) Os dados não estão atualizados até fevereiro de 2020 em todos os tribunais.

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