Escultura “Os Candangos”, na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Foto: Marcos Corrêa/PR| Foto:

Meu primeiro encontro com a Gazeta do Povo foi em Guayaquil, em setembro de 2011, durante o Colpin, congresso organizado pelo Instituto Prensa y Sociedad (Ipys), com o apoio da Transparência Internacional. Ali estava a nata do jornalismo investigativo latino-americano. Assisti com espanto a apresentação da série de reportagens “Diários Secretos do Paraná”, que descobriu o esquema milionário de desvio de recursos públicos da Assembleia Legislativa do estado, assinada pelos colegas James Alberti, Gabriel Tabatcheik, Karlos Kohlbach e Katia Brembatti. Quando eles desceram do palco, aproximei-me e falei: “O prêmio é de vocês”.

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O trabalho era profundo, completo, preciso e de enorme relevância. Ganhou o primeiro prêmio. A partir dali, comecei a acompanhar com mais interesse o jornalismo da Gazeta. Cinco anos e meio mais tarde, surgiu a oportunidade de fazer parte de um novo projeto da empresa, um site de abrangência nacional, com um jornalismo crítico, contundente, analítico, muito além dos fatos.

O convite inicial foi para fazer uma coluna de notas com os bastidores da política. Propus uma alternativa: um blog com reportagens de fiscalização dos três poderes da União. Estava em discussão no Congresso a reforma da Previdência de Temer. Começamos por revelar os privilégios das aposentadorias parlamentares, instituídas após oito anos de mandato e uma reduzida idade mínima de 50 anos. A reforma de Temer exigia até 49 anos de contribuições e idade mínima de 65 anos.

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Em seguida, mostramos as aposentadorias de 52 ex-governadores e seus pensionistas. Um governador do Mato Grosso ficou no cargo por apenas 16 dias. A sua viúva recebe hoje pensão de R$ 15 mil. A viúva de um governador do Paraná que ficou no cargo por 39 dias tem direito a pensão de R$ 30 mil. Governos à beira da falência como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul também pagam essas pensões.

Acúmulo de privilégios

O cruzamento de dados entre várias instituições mostrou o acúmulo de pensões. Com três aposentadorias, o imortal José Sarney tem renda mensal de R$ 73 mil. O ex-deputado Humberto Souto acumula as pensões do Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC) e do Tribunal de Contas da União (TCU), num total de R$ 60 mil. Isso é possível porque o TCU considera o IPC – um zumbi que foi extinto em 1999, mas continua sendo mantido pela União – como uma entidade de direito privado. Ou seja, na hora de pagar as pensões, é público; na hora de fazer o abate-teto, é privado.

O presidente Jair Bolsonaro tem direito a aposentadoria de R$ 30 mil pelo IPC. Como o instituto é “privado”, poderá acumular essa renda com o salário de presidente – mais R$ 30 mil. Resta saber se ele solicitará a pensão antes ou depois de aprovada a reforma da Previdência.

O acúmulo de pensões também é comum no Judiciário. O Montepio Civil da União, que atende os ministros dos tribunais superiores e servidores da Fazenda, também foi extinto por decisão do TCU, em 2013, porque era absolutamente deficitário. Mas as pensões continuam sendo pagas pela União. O gasto anual é de R$ 72 milhões. Como o controle do Estado é falho, há acúmulo de pensões entre os poderes ou com aposentadorias de servidores. O montepio foi criado pelo Marechal Deodoro em 1890.

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As filhas “donzelas” do serviço público

Acompanho esse submundo da política há 30 anos, mas sempre aparecem novas histórias. A criatividade e a descompostura dos políticos impressionam. Apuramos o caso de um deputado que se aposentou com apenas 19 dias de mandato. Sim, não foram anos nem meses, foram dias. Mais recentemente, descobrimos o caso de dois deputados que completaram a idade mínima de 50 anos depois de mortos. Tudo isso feito dentro da lei, que fique claro. Mas sabemos quem faz as leis.

Na Gazeta, investi num tema que pouco conhecia, as pensões das filhas solteiras. Começamos pelas “Fabulosas pensões das filhas solteiras do Congresso”. Filhas de servidores e parlamentares, elas custam R$ 80 milhões por ano aos cofres públicos. No Senado, 13 filhas solteiras recebem de pensão o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – R$ 33,7 mil. Uma pensionista da Câmara, de 96 anos, recebe pensão de filha solteira desde março de 1947.

Os números são maiores nas Forças Armadas, onde 87 mil pensionistas recebem um total de R$ 6 bilhões por ano. A maioria delas tem mais de 60 anos. A mais idosa, na folha de pagamento do Exército, tem 111 anos. As filhas de militares têm uma vantagem: podem ser casas, viúvas, divorciadas, em união estável. E os contribuintes continuam pagando suas pensões. As filhas de servidores civis, que precisam ser solteiras, custam mais R$ 3 bilhões à União.

Alguns casos demonstram a pequenez humana. O general Garrastazu Médici, por exemplo, adotou uma neta aos 79 anos beneficiá-la com uma pensão de filha solteira. Relatamos casos de generais que casam e adotam filhas com idade acima de 90 anos.

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O primeiro registro das pensões para filhas solteiras ocorreu em setembro de 1795, quando foi criado o Montepio dos Oficiais da Armada Real Portuguesa – precursora da Marinha. Os oficiais contribuíam com um dia de soldo para garantir uma renda às viúvas, e, na falta delas, às filhas “donzelas ou viúvas”, que dividiriam igualmente a pensão, mesmo que casassem após a concessão. A farra das filhas solteiras, portanto, já atravessou dois séculos inteiros.

Continuaremos atentos e na busca de informações nos diários dos três poderes, agora não tão secretos.

Leia mais: As reportagens do blog de Lúcio Vaz