Dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre, fala em entrevista coletiva no último dia da Assembleia Geral da CNBB, em Aparecida (SP).| Foto: Luiz Lopes Jr./CNBB
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Faltando menos de um mês para as eleições de outubro, entramos definitivamente na temporada de notas, mensagens e comunicados de bispos e outros líderes católicos para orientar os fiéis no momento do voto. Evidentemente, o mais importante desses documentos é aquele divulgado pela CNBB nacional – no caso, a Mensagem ao Povo Brasileiro Sobre o Momento Atual, aprovada durante a etapa presencial da 59.ª Assembleia Geral da conferência, realizada em Aparecida (houve uma primeira etapa, on-line, em abril deste ano). Leiam aí:

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“Complexa e sistêmica crise, que escancara a desigualdade estrutural, historicamente enraizada na sociedade brasileira”? “Economia que mata?” Será que o “apoio incondicional às instituições da República” também inclui aquelas que mandam monitorar padre no Telegram? Se o leitor achou o texto prolixo, insosso e genérico, saiba que nem de longe está sozinho. Mas saiba também que poderia ter sido muito, muito pior. A coluna teve acesso a informações de bastidores que nos permitem concluir que este texto foi o melhor possível. A elaboração da nota estava a cargo de uma comissão ad hoc presidida por dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre (RS) e vice-presidente da CNBB, e a primeira versão, diz um bispo ouvido pela coluna, não passava de “um panfleto antigoverno”, com uma “linguagem inaceitável”. Dezenas de bispos se mobilizaram, a discussão foi a plenário e, no fim, saiu a mensagem que vimos aí. “Foi o melhor que se conseguiu dentro de um contexto bastante adverso”, diz o bispo.

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A julgar pelas suas observações, parece mesmo que boa parte da CNBB está assumindo o papel de “coroinhas de Lula” (© papa Francisco). Considerando que cerca de 150 bispos, mais ou menos um quarto de todo o episcopado nacional, assinou uma tal “Carta ao povo de Deus” em 2020, com pesadíssimas críticas ao presidente da República, o mais provável era que eles desejassem algo parecido com isso que vai abaixo:

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(Esta não é uma carta de bispos, mas de centenas de padres que nem tiveram a coragem de botar o nome no que escreveram. Como não soube de nada parecido vindo do mesmo grupo com argumentos para não votar em candidato que defende legalização do aborto e que elogia ditador centro-americano que persegue a Igreja, dá para cravar com toda a certeza: coroinhas de Lula.)

Os fiéis esperam de seus pastores uma orientação clara, não enviesada politicamente, que trate como inegociável o que é inegociável, como aconselhamento o que é aconselhamento, mas que também respeite a liberdade do fiel-eleitor naquilo em que a Igreja não tem posição específica

Mas, para não dizer que estou apenas destruindo, quero elogiar esta nota, dos bispos do Regional Centro-Oeste da CNBB, que engloba Goiás e o Distrito Federal. É um texto bem mais direto, com orientações claras, condizentes com a doutrina católica, e que não induzem o fiel nem a favor, nem contra candidato algum – embora saibamos que, segundo Bento XVI, os bispos podem e devem denunciar explicitamente projetos políticos que atentem contra a dignidade da vida humana.

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Como lembraram os meus colegas das Crônicas de um Estado laico, as igrejas têm todo o direito de orientar os fiéis a votar de acordo com sua doutrina. E os fiéis esperam de seus pastores uma orientação clara, não enviesada politicamente, que trate como inegociável o que é inegociável, como aconselhamento o que é aconselhamento, mas que também respeite a liberdade do fiel-eleitor naquilo em que a Igreja não impõe nenhuma posição específica. O católico vota de acordo com sua consciência, mas ele tem a obrigação de formar bem essa consciência, e bispos e padres têm a obrigação de ajudá-lo nesta tarefa.

Tradução do Missal: Só mais um pouquinho...

O Missal Romano está em sua terceira edição, promulgada pelo papa São João Paulo II em 2002. Quer dizer, isso lá em Roma, porque por aqui já se passaram 20 anos e a tradução para o português da terceira edição ainda não está pronta. Durante a 59.ª Assembleia Geral, os bispos votaram e aprovaram a tradução das orações eucarísticas e orações sobre o povo. Gostei do trabalho que fizeram na Oração Eucarística I, restaurando termos que estão no original em latim, mas que alguém por aqui achou desnecessários ao traduzir a segunda edição do missal, como se houvesse palavra supérflua no culto divino.

Mas, em compensação, mantiveram algumas invencionices: 1. o “Ele está no meio de nós” para responder o “O Senhor esteja convosco”, quando o original latino é “Et cum spiritu tuo” (“E com o teu – do padre – espírito”); 2. o “por todos” na consagração do vinho, quando o texto latino diz “pro multis”, “por muitos” (segundo um amigo, temos de comemorar por não terem colocado “por todes”); 3. a nossa jabuticaba litúrgica que são as respostas nas orações eucarísticas – e, não contentes, os tradutores ainda inventaram mais duas respostas para o “eis o mistério da fé”. 4. O latim “ut meum ac vestrum sacrificium” após o ofertório continua sendo traduzido como “o nosso sacrifício”, ignorando que padre e fiéis oferecem o sacrifício de formas diferentes.

Pelo andar da carruagem, só espero que terminem a tradução da terceira edição antes de o Vaticano lançar a quarta edição em latim...

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