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Marcio Antonio Campos

Marcio Antonio Campos

Vaticano, CNBB e Igreja Católica em geral. Coluna atualizada às terças-feiras

Conclave

A sinodalidade nas mãos do próximo papa

sínodo da sinodalidade
Sessão do Sínodo sobre a Sinodalidade, em 2024. (Foto: Riccardo Antimiani/EFE/EPA)

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O pontificado do papa Francisco foi marcado por vários temas de que já tratamos aqui, como a “Igreja em saída”, “hospital de campanha”, o meio ambiente, a pobreza, o combate ao “neopelagianismo”, ao clericalismo e à “Igreja autorreferente”... mas, nos últimos anos, a grande tarefa – alguns diriam “obsessão” – de Francisco foi a sinodalidade. O papa disparou um processo de três anos, de 2021 a 2024, que teve consultas em todos os níveis (diocesano, nacional, continental) e duas Assembleias Gerais Ordinárias do Sínodo dos Bispos. E, não contente com isso, ainda convocou uma nova fase de implementação, que duraria até 2028, quando ocorreria uma nova assembleia.

Convenhamos, tanto esforço assim para discutir processos internos da Igreja traz uma certa contradição com o tema da “Igreja em saída”. É muito tempo, dedicação e papel (sem falar no dinheiro) para “reuniões sobre como fazer reuniões”, como definiu um gênio cujo nome infelizmente não guardei quando vi essa expressão. Ainda mais quando ninguém sabe ao certo o que é essa tal sinodalidade – só temos um bocado de expressões genéricas, mas que não dizem nada sobre como ela se aplica na prática. O próximo papa vai pegar esse carro andando e fará o quê com ele?

Dos 22 cardeais considerados candidatos mais prováveis ao papado, e cujos perfis detalhados a Gazeta do Povo publicou com exclusividade, dez são favoráveis à ideia de promover uma “Igreja sinodal”; quatro são contrários; seis são considerados “ambíguos”; e dois não disseram nada sobre o tema, impossibilitando uma avaliação. Mas, quando se olha com calma o que os cardeais ditos favoráveis disseram sobre o assunto, percebe-se que eles muitas vezes ressaltam a parte “operacional” da coisa, sobre dar voz a mais gente dentro da Igreja, enquanto rejeitam qualquer solução radical desejada por alguns “sequestradores da sinodalidade”, como a ordenação de diaconisas ou a flexibilização do celibato sacerdotal: é o caso, por exemplo, dos cardeais Arborelius, Bo e Ouellet. Outros quatro são contrários a pelo menos uma dessas mudanças: Ambongo, Parolin, Tagle e Zuppi. Apenas Brislin é favorável a ambas.

“É difícil prever alguma coisa, pois a sinodalidade ainda é bem jovem e ainda não se definiu completamente. Não parece realista ter expectativas, nem num sentido, nem no outro.”

Miguel de Salis, professor de Eclesiologia e Ecumenismo na Pontifícia Universidade da Santa Cruz (Roma) e participante do Sínodo da Sinodalidade em 2024.

O cardeal Gerhard Müller, um dos críticos de todo o processo, já afirmou, em entrevista publicada na quinta-feira passada pelo La Reppubblica, que as assembleias do Sínodo da Sinodalidade podem ser um “simpósio legítimo”, mas não são “expressão do Magistério da Igreja”. Na mesma entrevista, ele afirmou que “um capítulo na história da Igreja se fechou”. O processo sinodal pode ter o mesmo destino? “É difícil prever alguma coisa, pois a sinodalidade ainda é bem jovem e ainda não se definiu completamente. Não parece realista ter expectativas, nem num sentido, nem no outro”, afirma o padre Miguel de Salis, professor de Eclesiologia e Ecumenismo na Pontifícia Universidade da Santa Cruz, em Roma, e que participou do Sínodo da Sinodalidade em 2024.

Apesar da determinação de Francisco a respeito da “terceira fase”, nenhum papa é obrigado a seguir esse tipo de diretriz de seu antecessor. Quem sair do próximo conclave usando a batina branca terá uma decisão a tomar: seguir com tudo da maneira como Francisco desejava, manter o processo sinodal com alterações, ou acabar com tudo. O próximo pontífice pode querer “sentir o clima” antes de qualquer decisão, e um padre me confidenciou que, na opinião dele, o processo sinodal estava mais para uma plataforma de Francisco que os bispos levavam adiante para não contrariar o papa que para um movimento organicamente acolhido pelos fiéis. Se o próximo pontífice não for também ele um entusiasta da sinodalidade, esses bispos podem se sentir mais livres para manifestar sua opinião ao papa.

“Tendo surgido por iniciativa de um papa, nunca se pode descartar que a ideia de sinodalidade tenha sido uma inspiração do Espírito Santo. Mas, da forma como ela está caminhando, com as dúvidas que ela tem levantado, deixando a hierarquia da Igreja meio ofuscada, ela se tornou algo temeroso”, diz o professor e teólogo Felipe Aquino. “Acho que o próximo papa deveria congelar esse processo, ao menos por um tempo, para poder estudar melhor e analisar o que poderia ser feito”, acrescenta ele.

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Particularmente, creio que este processo sinodal tenha causado mais confusão que clareza até agora; ele alimenta expectativas infundadas sobre mudanças doutrinais que nunca acontecerão, mas que são tão pisadas e repisadas que os fiéis comuns começam a achar que são possíveis. Por isso, no mínimo, se o próximo papa resolver seguir em frente, o comando deveria ser entregue a bispos totalmente ortodoxos, e não aos Grechs e Hollerichs da vida, para garantir que o resultado seja plenamente fiel à doutrina da Igreja. Quanto aos tais dez “grupos de estudo” criados por Francisco em 2024 para discutir temas mais cabeludos, que foram retirados da pauta do Sínodo, alguns realmente deveriam ser engavetados, por ser uma mera tentativa de reciclar polêmicas que já foram definitivamente resolvidas por papas anteriores, como a ordenação de mulheres.

O padre De Salis ressalta um ponto que considera importante caso o processo sinodal siga em frente. “Um tema fundamental é a formação dos participantes em qualquer evento sinodal. Quem tem uma experiência de fé mais rica e mais refletida pode dar uma contribuição maior aos eventos sinodais. Não basta ter mais gente em um evento, pois, se a qualidade das intervenções é muito baixa, se a preparação para trabalhar em conjunto é fraca, o encontro não vai dar muito fruto”, analisa. “De qualquer forma, temos de aguardar e pedir ao Espírito Santo que ilumine os cardeais na análise da situação e no processo de escolha do próximo papa”, completa.

“Caminho sinodal” alemão está em situação bem mais complicada

Se o processo sinodal vaticano ainda tem certo apoio entre os papabili, o “caminho sinodal” alemão não tem um único apoiador entre os 22 cardeais perfilados na Gazeta: são dez contrários, dois ambíguos e outros dez que não se pronunciaram. Também, pudera: essa espiral de revolta heterodoxa iniciada em 2019 foi tão aloprada que até cardeais não muito ortodoxos como Christoph Schönborn e Walter Kasper criticaram o “caminho sinodal”. O processo propriamente dito terminou em 2023, mas suas consequências continuam apodrecendo a Igreja alemã.

O papa Francisco também não via com bons olhos a aventura alemã. Ele pediu, às vezes com jeitinho, às vezes com ironia, às vezes com mais firmeza, que aquela loucura toda fosse interrompida. Foi ignorado. Os alemães só suspenderam a criação de um “conselho sinodal” quando o cardeal-secretário de Estado e os cardeais-prefeitos dos dicastérios para a Doutrina da Fé e para os Bispos ameaçaram sanções canônicas. Será que o próximo papa vai se convencer de que só na base do porrete a Igreja alemã vai voltar aos trilhos?

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