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Educação
Se educação de qualidade é um fim, um objetivo central, por que manter o monopólio do Estado quando ele se prova ruim?| Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

O Estado moderno foi criado para melhorar a vida em sociedade. Não nasceu com foco nos meios, mas nos fins: garantir mais segurança, aprimorar a resolução de litígios, assegurar a defesa do território, facilitar a organização social, tornar a vida das pessoas melhor e menos onerosa. Com o tempo, infelizmente, os meios ficaram mais importantes do que os fins — que, por sua vez, também foram se expandindo.

Para alguns, não interessa se o Estado está ou não cumprindo sua função, se ele exerce bem ou não o mandato recebido da população, o importante é que ele seja o responsável pelos meios para atingir os fins desejados ou supostamente almejados pelo povo. Por exemplo, aqueles que foram contra a privatização da Telebras tinham mais interesse em que o Estado seguisse comandando os serviços de telefonia do que na eficiência e democratização do acesso desses serviços para os brasileiros. Os resultados não eram relevantes para eles.

No Brasil, historicamente, o Estado teve o monopólio de muitas atividades, como: uso da força, resolução de litígios, segurança nacional, promoção do saneamento básico, oferta de educação fundamental pública e muito mais. Em casos mais extremos, de países que adotaram regimes autoritários como o fascismo, socialismo, nazismo e comunismo, o Estado acumulou o monopólio de praticamente todas atividades e, inclusive, da virtude. Tudo que vinha das pessoas, da sociedade, de forma livre e espontânea, poderia ser considerado uma ameaça para essas ditaduras. Acabou a livre iniciativa, e restou somente a estatolatria — isto é, a idolatria do Estado como fim em si mesmo.

Mas, em termos de cidadania, será que podemos tirar o direito das pessoas, grupos e comunidades de se auto-organizarem para resolver seus problemas caso encontrem meios mais eficientes de alcançar os fins para os quais o estado foi criado? Afinal, de quem é o poder: dos indivíduos ou dos políticos e governantes? Em uma democracia, o poder emana do povo ou do Estado?

Por exemplo, se prover educação de qualidade para crianças e adolescentes é um fim, um objetivo central, por que manter o monopólio do Estado quando ele se prova ruim? Em especial, por que proibir que gestores públicos busquem alternativas para servir melhor à população? Será que os gestores públicos e parlamentares, observando o princípio da eficiência da administração pública, não deveriam ser obrigados a buscar meios mais eficientes para atingir o fim almejado? Nessa linha, cabe aos administradores realizarem parcerias com instituições privadas e organizações sociais que se provarem mais eficientes. O caso da educação da cidade de São Paulo resume bem o problema.

Em 2020, as filas para creches foram zeradas em São Paulo graças à adoção do convênio com as organizações sociais (OSs), que passaram a gerenciar parte das creches. Hoje, duas em cada três crianças já estudam em creches mantidas por OSs. A maior vantagem dessa alternativa é que as creches administradas por OSs operam com orientação de resultados, e não pela manutenção de privilégios de servidores.

Com contratos baseados na CLT, elas evitam que os professores faltem — nas demais escolas que seguem o modelo estatal, 10% das aulas não são dadas, o que gera custos de R$ 700 milhões por ano, afirma o ex-secretário de Educação da cidade de São Paulo e cientista social Bruno Caetano. Isso sem contar os prejuízos ao aprendizado dos alunos, justamente os mais carentes e necessitados.

O contrato obriga as OSs a terem metas de melhoria de aprendizagem dos estudantes, e também a terem transparência: elas têm de divulgar investimentos, auditorias e resultados. A cobrança com foco no aluno e nas melhorias de ensino é muito maior que nas escolas completamente estatais.

Em 2017, um estudo realizado por uma consultoria internacional para a prefeitura de São Paulo comparou os diferentes modelos de prestação de serviços das creches municipais. A conclusão final do estudo foi de que, quando o custo por aluno é comparado, as creches de administração estatal são 3,2 vezes mais caras do que as creches conveniadas e gerenciadas por OSs. Devotos da estatolatria e em busca de seus próprios interesses, servidores e sindicatos fizeram pressão contra a divulgação do estudo, que acabou engavetado na Secretaria Municipal de Educação.

Um projeto da vereadora Cris Monteiro (Novo) quer expandir a gestão das OSs para além das creches, e, assim, modernizar e trazer mais eficiência às demais escolas municipais: de ensino fundamental e médio. Mas, apesar dos bons resultados das OSs nas creches paulistanas, sem falar dos custos muito menores, inclusive em outros estados, como em Pernambuco, o projeto enfrenta oposição de grupos políticos de esquerda e sindicatos. Daqueles que se apegam aos meios (o Estado ter o monopólio de toda a prestação do serviço) em vez de nos fins (o Estado contar com a participação da sociedade para fazer as coisas funcionarem da melhor forma para o cidadão, mesmo que isso signifique que ele abra mão de fazer tudo). Será que o cidadão está preocupado em saber quem está provendo o serviço público, ou sua prioridade é ter acesso a serviços de qualidade, independente de quem é o prestador?

No projeto da vereadora, as escolas localizadas em regiões mais carentes e com os piores índices de desempenho escolar seriam priorizadas para a implementação da gestão das OSs. Enquanto sindicalistas e demais grupos presos à estatolatria são contra, sem se importarem com os alunos, imagine se uma mãe com um orçamento apertado prefere seu filho em uma escola municipal com gestão de OSs aprendendo mais ou numa escola de gestão estatal sem aprender o básico, com faltas frequentes de professores. Não é difícil imaginar a escolha dela. Em uma democracia, essa escolha deveria ser dos cidadãos, jamais dos sindicatos e burocratas.

Se considerarmos que a legitimidade e o poder do Estado dependem das pessoas, do povo, já que o Estado exerce um poder delegado pelos cidadãos, cabe à sociedade discutir e definir o papel e o tamanho dele, e não o contrário. Infelizmente, para muitas pessoas que não levam a cidadania a sério, essa decisão cabe ao Estado ou, pior, aos sindicatos, e a ninguém mais.

Entretanto, jamais podemos esquecer dos fins. O Estado é apenas um meio de concretizar os ideais de uma sociedade livre, próspera e com altos níveis de desenvolvimento humano. Quando se subverte esse conceito, entendendo que o Estado é um fim em si mesmo, violamos os princípios mais básicos de uma democracia e o Estado perde sua legitimidade. Ele deixa de ser um Estado servidor para ser um Estado extrator, que vê a sociedade apenas como o grande provedor de recursos, sem nenhuma legitimidade para cobrar serviços de qualidade. A eficiência do serviço ao cidadão nunca pode ser esquecida. Vamos focar nos fins.

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