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Quantas vezes ouço dizer que são palavras vossas, o que são imaginações minhas...
— Padre Antônio Vieira, “Sermão da Sexagésima”.
Caro leitor,
(É até estranho usar “Alexandre de Moraes” e “razão” na mesma frase, mas... vamos lá!). Acho que já fiz esta pergunta, mas não custa repetir: você gosta de pensar? Você tem prazer em pensar? E por “pensar” me refiro ao processo de absorver informações e com elas fazer malabarismos na sua cabecinha, até chegar a uma conclusão ou (melhor ainda!) uma epifania daquelas dignas de emoji da cabeça explodindo.
Eu gosto. Gosto muito. Até demais. Mas tem quem não goste e eu entendo. É que o pensamento é sempre um passeio de destino incerto. A gente até tem uma vaga ideia de onde começou, mas nunca sabe onde terminará. E vai que você descobre que está errado em alguma coisa fundamental, não é mesmo? Algo que faça desmoronar o frágil edifício das nossas parcas convicções políticas transformadas em identidade, por exemplo. Essa coisa de direita x esquerda, de conservadorismo x progressismo, de Bolso x Lula, de PL x PT. Essa coisa (para mim) insuportavelmente rasteira, mas que tanto conforto dá a alguns (espero que não a você).
Ignorância crítica
Foi por isso, por gostar de pensar, simplesmente pensar, pensar à toa, sem medo de chegar a uma conclusão que me contrarie, que propus a hipótese que dá título a esta carta: digamos, apenas digamos, que Alexandre de Moraes tenha razão, alguma razão, nisso tudo que ele está fazendo? E se a democracia tiver mesmo corrido perigo? E se um golpe tiver mesmo sido planejado? E se houver de fato fascistas entre nós? E se o fenômeno da “opinionated ignorance” [ignorância crítica, na minha tradução] for realmente uma ameaça à civilização?
Enquanto você pensa aí em todos esses “e ses” (voltarei a eles), aproveito para contar que estou lendo Padre Antônio Vieira. O “Sermão da Sexagésima”, para ser mais exato. E, meu amigo, que coisa linda e milagrosa é poder “ouvir” o sermão de um padre do século XVII falando sobre a nossa responsabilidade enquanto “pregadores”. Enquanto semeadores de ideias que queremos que deem frutos virtuosos. É coisa para muitos emojis de cabeça explodindo. Você não vai ler, eu sei, mas mesmo assim vou dizer: leia e reconheça que, de alguma forma, as redes sociais transformaram todos nós em pregadores – papel que exige muita, mas muita muita muita muita (muita) responsabilidade mesmo.
Dilema da razão alexandrina
De volta ao dilema da razão alexandrina, o problema de o ministro estar certo em sua cruzada supostamente democrática é que, ao abdicar dos meios verdadeiramente democráticos de se fazer justiça, e ao se embebedar de voluntarismo prepotente, Alexandre de Moraes está dando de comer a um monstro que por enquanto é só um filhotinho fofo no qual todo mundo quer passar a mão. Mas espere só até essa besta-fera chegar à maturidade... Não sei você, mas estou até começando a ficar com medo disso que fervilha na cabeça de muita gente ao meu redor. Tá louco!
E tudo isso por quê? Porque Alexandre de Moraes tem preguiça. Preguiça de seguir o devido processo legal e evitar todas aquelas ilegalidades que você está cansado de ler e ouvir, sim, mas também preguiça de pensar esse pensamento simples e extremamente proveitoso, disponível 24/7 ou sempre que o Tico der um choquezinho no Teco: e se eu estiver errado?
Outro Alexandre que não o Moraes
Para finalizar esta carta que já está gigantesca, prometi e agora cumpro a promessa de responder ao leitor Alexandre, que não é o Moraes, bem pelo contrário. O Alexandre que, na carta anterior, aquela sobre a pacificação e a mediocridade que prospera em cenários e tempos conflagrados, pergunta: “[num cenário pacificado] a Gazeta do Povo venderia mais ou menos assinaturas? Que assuntos frequentariam as manchetes e o editorial? Paulo, você escreveria sobre o quê?”.
Bom, quando pensei num país pacificado, não imaginei um país idílico e perfeito onde as manchetes tratariam dos horários dos trens, como a Suíça. Imaginei um Brasil ainda cheio de problemas, tretas e buracos no asfalto, mas onde a discussão sobre esses problemas fosse mais produtiva e profunda. Onde as pessoas não tivessem preguiça nem medo de pensar, pensar com intento, dicumforça. Nesse Brasil da minha imaginação, gosto de pensar que a venda de assinaturas de um jornal como a Gazeta do Povo seria algo natural, naturalíssimo, e que refletiria o interesse das pessoas pela qualidade do material jornalístico, e não pelo tom nem pelo apoio à causa – seja ela qual for.
Aqui, ali e acolá
Quanto a mim, escreveria sobre todas aquelas curiosidades que recheavam as páginas dos jornais de antigamente, e que hoje não têm espaço. Ou seja, as muitas versões cotidianas de “o poste mijou no cachorro”, e para as quais não damos muita bola porque estamos ocupados com Alexandre de Moraes, Bolsonaro, Lula, Janja, etc. E escreveria também sobre as alegrias e tristezas da vida, sobre fé, sobre livros e filmes, sobre passeios e encontros, e sobre amigos. Se bem que já escrevo sobre todas essas coisas hoje em dia, né? Pena que tenha que incluir sempre um Bolsonaro aqui, um Alexandre de Moraes ali e um Lula acolá – senão ninguém lê. A carta de hoje é um belo exemplo disso.
Me despeço pedindo apenas que, na eventualidade remotíssima de você ler mesmo “O Sermão da Sexagésima” ou qualquer outra coisa do Padre Antônio Vieira, compartilhe suas impressões nos comentários ou por e-mail ou sinal de fumaça, sei lá.
Grande abraço!
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