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Polzonoff

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Transformando em crônica heroica o noticiário de cada dia.

Vai uma endorfina aí?

Quando o Tico e o Teco articulam ataques ao papa Francisco

O general Tico e o almirante Teco comandam ataques ao papa Francisco. Nessa guerra, vale tudo por um pouco de endorfina. (Foto: Paulo Polzonoff Jr com chat GPT)

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O general Tico e o almirante Teco acordam com o disparar das sirenes que anunciam uma tempestade elétrica e o despertar do sujeito. Na sala de comando, neurônios de patentes menores assumem seus postos.

— O que aconteceu? — pergunta o general Tico.

— Ainda estamos tentando entender a situação, senhor. Mas parece que morreu alguém importante — responde um neurônio jovem, cheio de espinhas na cara, diante de um radar que monitora os assuntos mais comentados do momento.

Tico olha para Teco, que olha para Tico. Será que foi o Lula? Será que foi o Bolsonaro? Será que foi...

— O papa Francisco morreu! O papa Francisco morreu! — grita alguém.

VAMOS CORRIGIR TODO MUNDO NA INTERNET!

As sirenes cessam. Durante um nanossegundo que parece uma eternidade, mas é só um nanossegundo mesmo, Tico e Teco parecem se comunicar por telepatia. Aquela é a Grande Oportunidade. É o momento pelo qual eles tanto aguardaram. Com toda a pompa de um general, Tico se dirige aos comandados:

— Hoje é o nosso Dia D. Preparem-se para passar o dia disparando argumentos e mais argumentos demolidores. Vamos destruir esse papa de araque e qualquer um que demonstre um mínimo de simpatia por ele! VAMOS CORRIGIR TODO MUNDO NA INTERNET!

A maioria dos neurônios irrompe numa comemoração infantil. Menos um.

— E o que é que a gente ganha com isso? — pergunta o neurônio com TOD. É a vez do almirante Teco responder.

— Endorfinas para todos! — diz ele. E desta vez os neurônios gritam e saltitam e dão soquinhos no ar, num ataque de alegria que beira o epiléptico.

A festa, porém, é interrompida por um agente da contra-inteligência. Contra mesmo.

Brigada do Bom Senso e pelotão da Consciência

— Senhor, temos informações de que os neurônios da brigada do Bom Senso preparam uma aliança com o pelotão da Consciência a fim de minar nossos esforços.

— Sério? — pergunta Tico.

— E por que eu brincaria com uma coisa dessas, senhor? Deciframos uma mensagem do Bom Senso que diz “Melhor ficar quieto” e uma da Consciência que diz “De que vale minha opinião no grande esquema das coisas”.

— Meu Deus! Que absurdo! Isso é inadmissível! Inaceitável!

— Foi o que eu pensei também, senhor. Mas tenho aqui uma boa notícia: até agora, nenhum movimento na esquadra do Humor. E sabemos que os paióis deles estão cheios de mísseis de Senso do Ridículo e Autodepreciação.

— Bom sinal! De qualquer modo, tente trazer o Humor para o nosso lado. Eles têm uns drones de Perversidade Pura e Simples que podem ser úteis — ordena o general. — Enquanto isso, vamos fazer um ataque que vai deixar o Bom Senso e a Consciência perdidinhos da silva. — Para a sala de comando: — Atenção a todos! Disparar torpedos de baixo poder ofensivo. — E para o almirante Teco, bem baixinho: — É ó pra eles saberem com quem estão lidando.

Níveis de endorfina subindo

A ordem se espalha por todo o cérebro, que ativa a mãozinha nervosa a comentar aqui mesmo nos textos da Gazeta do Povo. O ataque começa com um simples “Ninguém leva a sério papa argentino” e progride para “Papa hipócrita! O Vaticano é rico e, se quisesse, poderia acabar com a pobreza mundial” e “Esse papa nunca me representou”.

— Como foram os ataques? — pergunta o almirante Teco depois que a poeira baixa um pouco.

— Níveis de endorfina subindo, senhor — informa um neurônio raso.

— Ótimo! Se tudo correr bem, à noite estaremos todos embriagados e... — Teco é interrompido por um neurônio-mensageiro que traz uma mensagem do Bom Senso e da Consciência.

— Era só o que me faltava — diz ele para Tico. Os dois abrem a mensagem e começam a rir. Num comunicado conjunto, Bom Senso e Consciência falam em respeito, explicam o lado humano do papa Francisco, citam a coluna do Marcio Antonio Campos e terminam com um chamado à reflexão: quem somos nós para julgar e, mais do que isso, condenar e sentenciar o papa Francisco?

Promovam esse gênio agora mesmo!

Tico e Teco ficam ali, pensando. Eles estão quase mudando de ideia (o que seria um desastre para imagem do sujeito; imagina!) quando são alertados pelo neurônio que monitora os níveis de endorfina.

— A endorfina está baixando, e rápido, senhor. O sujeito está quase chegando à conclusão de que o sucessor de Pedro, afinal de contas, não é nada diferente de Pedro, e que por isso...

Soam sirenes.

— Precisamos fazer alguma coisa! — diz Tico brilhantemente.

— Já sei! Vamos lançar a bomba da Teologia da Libertação e das audiências com os líderes de esquerda. Isso deve dar um jeito.

— Se me permite uma sugestão, senhor, por que não disparamos uma comparação com o papa João Paulo II ou o papa Bento XVI? — diz um neurônio todo empolgado, sem tirar os olhos do Tik Tok.

— Bem pensado! Promovam esse gênio a major agora mesmo! — dizem Tico e Teco em uníssono.

Livre

Novamente a mãozinha nervosa do sujeito se põe a dedilhar o teclado virtual com comentários que fazem alusão às audiências do papa Francisco com Lula, Dilma, Janja e até Caetano Veloso e Fábio Porchat, seguidos por um rajada de TL, TL, TL, TL, TL. Por fim, a comparação fatídica: “Esse tal de papa Francisco não chega aos pés de João Paulo II. Esse, sim, era papa de verdade!”, comenta o sujeito no post de um amigo no Facebook.

Depois de um tempo, Tico e Teco estão em festa. Os comentários críticos ao papa recebem likes e mais likes. A endorfina transborda enquanto o Bom Senso e Consciência estão caladinhos. A vitória, ao menos por hoje, é inevitável. Os comandantes estão prestes a relaxar e pedir a primeira das muitas doses de endorfina quando recebem um comunicado daquele mesmo agente de contra-inteligência. E bota contra nisso!

— Senhor, senhor! Ficamos sabendo que há uma rebelião na Infantaria Intelectual Blindada! Parece que alguns oficiais andaram lendo alguma coisa sobre o totalitarismo suave, sobre a politização de tudo, e por isso estão se recusando a atacar o papa Francisco. Se essas informações alcançarem o sujeito, nossa linha de suprimentos de ódio pode ser afetada. Ficaremos sem munição e, mais grave, o sujeito pode achar que é...

— Que é o quê?

— Que é...

— Fale logo, homem! Digo, neurônio. Deixe de suspense!

— Que é... livre!

A Bomba

O abatimento toma conta da Central de Operações. A endorfina está na reserva de novo. O sujeito continua escrevendo comentários agressivos nas matérias da Gazeta do Povo, no Twitter e no WhatsApp. Até no LinkedIn ele comenta. Mas os likes recebidos não dão mais prazer. Aparentemente, o sujeito está cansado de se achar capaz de convencer o mundo de que ele, só ele, está com a razão; de que ele, só ele, sabe o que está em jogo. Eis que Teco, num último gesto desesperado, decide jogar a bomba. Ou melhor, A Bomba.

— Mandem-no escrever que o papa Francisco era comunista.

— Tem certeza, senhor?

— Quem esse sujeitinho acha que é para questionar minhas ordens? — pergunta o enraivecido almirante para o general. — Lancem A Bomba. Já!

— É que com esse argumento ele vai ficar parecendo... um idiota — tenta novamente o neurônio rebelde, na verdade um infiltrado do Bom Senso.

— Fuzilem esse traidor! E joguem A Bomba!

Papa comunista

Enquanto o neurônio rebelde é levado para um lugar ermo do cérebro, A Bomba é lançada. “Chega de perder tempo com esse papa comunista”, escreve o sujeito. Ele fica olhando para a tela, os níveis de endorfina subindo mais uma vez a cada like – e a cada dislike também. Até que ele desliga o celular, dá um beijo na mulher, se vira para o lado e espera ser abraçado pelo sono.

Na sala de comando, os inebriados Tico e Teco celebram rodeados por neurônios bêbados da mais pura (e docinha) endorfina.

— Ah! Adoro o cheiro de endorfina no cair da noite. Mas diz aí, Tico, quem vamos atacar amanhã? — pergunta Teco.

Abraçado ao Major Clichê, Tico responde:

— Sei lá! Amanhã é outro dia.

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