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Pacto Brutal: o assassinato de Daniella Perez
Depois de assistir a “Pacto Brutal”, pensei que realmente é uma coisa doentia isso de consumir a tragédia alheia como se fosse entretenimento.| Foto: Reprodução/ Twitter

Assim que terminamos de assistir ao quinto episódio de “Pacto Brutal: o Assassinato de Daniella Perez”, sucesso de público na HBO Max, minha mulher se virou para mim e perguntou: “Por que é que passamos cinco horas assistindo a isso mesmo?” Me lembrei imediatamente de uma piada, não sei se do Dave Chappelle, Ricky Gervais ou de outro comediante, que ria do sucesso daquele documentário sobre as crianças que teriam sido abusadas por Michael Jackson. Realmente é uma coisa doentia isso de consumir a tragédia alheia como se fosse entretenimento.

Foi assim, incomodado por ter sido voyeur de uma brutalidade, que acordei no dia seguinte para escrever “Vingança, justiça e redenção em ‘O Pacto Brutal’” – texto do qual só aproveitei o título. Nele, ignorava propositadamente certos aspectos do documentário para me ater a uma questão: existe justiça o bastante para certos casos? Isto é, o assassino tem como pagar a sua dívida com a sociedade e continuar com a vida? E por fim: acreditamos ou não que mesmo os piores entre nós podem se regenerar e alcançar alguma redenção?

Como o incômodo persistisse, porém, joguei tudo no lixo. Tive o cuidado até de imprimir o texto, fazer com ele uma bola de papel de arremessá-lo teatricalmente ao cesto. Porque percebi, um tanto quanto esotericamente, que este tipo de documentário é feito para despertar nos espectadores apenas sentimentos ruins. Em relação aos parentes e familiares da vítima, em relação aos assassinos, em relação à sociedade e sobretudo em relação a si mesmo. Por via das dúvidas, tomei até um banho de sal grosso de mim. T'esconjuro!

Paraíso maculado

Enquanto “produto jornalístico”, por exemplo, fica claro que a série não tem nenhuma revelação a apresentar nem dúvida a esclarecer. Nem tem qualquer pretensão de buscar a mítica verdade. Até porque o caso foi investigado e julgado. Os culpados foram condenados, presos e, depois de cumprirem apenas seis anos de pena, soltos. Sobre o assassinato, as únicas questões que ficam no ar são a da premeditação e do tipo de arma usada no crime. Mas mas que diferença faz isso depois de trinta anos?

Se a intenção da série era mostrar a personalidade dos envolvidos, tanto pior. “Pacto Brutal” carrega nas tintas – isso num gênero já conhecido por carregar muito nas tintas. A certa altura, por exemplo, Daniella Perez é retratada quase como uma santa cujo corpo se recusa a se decompor. Juro. Já o advogado de defesa de Guilherme de Pádua é retratado como um patife bufão. Isso sem falar no delegado machista, com passagens pelos porões de tortura da Ditadura Militar.

Nem um retrato do ambiente artístico da época o documentário foi capaz de fazer. Pelo contrário, “Pacto Brutal” opta por transformar o mundo das novelas numa espécie de Paraíso maculado por um psicopata (palavra amplamente usada na série) narcisista. A ambição de Guilherme de Pádua, aliás, é vista como algo fora do comum. Como se o que prevalecesse na teledramaturgia global fosse uma espécie de estoicismo meritocrático. Me engana que eu gosto.

Ou melhor, não gosto. Não quando envolve o assassinato de uma pessoa. Nem quando os aspectos mais sórdidos de um crime são evocados a fim de se buscar uma justiça utópica (que, aliás, está muito mais para vingança). Muito menos quando fica claro que, para os documentaristas, mais importante do que o crime em si é o fato de ele estar envolvo em machismo e na repugnante ambição capitalista, com pitadinhas do que eles consideram “intolerância religiosa”. Por fim, não gosto de ser enganado quando sinto que desperdicei cinco horas da minha vida assistindo a uma peça de propaganda cujo objetivo é usar a dor muito particular de uma mãe para tentar provar que o ser humano é irredimível. Não é.

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