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A subprocuradora-geral Deborah Duprat
A subprocuradora-geral Deborah Duprat, que chefia a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), argumenta que capitalização fere o “princípio da solidariedade”| Foto: Pedro França/Agência Senado

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), um dos três grandes ramos do Ministério Público Federal (MPF), enviou ao Congresso Nacional uma nota técnica opinando pela inconstitucionalidade da reforma da Previdência. O documento ataca, em sua maior parte, a proposta de capitalização.

A PFDC atualmente é chefiada pela subprocuradora-geral da República Deborah Duprat, que também assina a nota. Ela é mesma que tenta impedir a designação de um colega de carreira conservador, o procurador Ailton Benedito, para a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), vinculada ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH).

Também assinam a nota os procuradores Marlon Alberto Weichert, Walter Claudius Rothenburg, Eliana Pires Rocha, Fabiano de Moraes, Gabriel Pimenta Alves e Raphael Luís Pereira Bevilaqua.

Duprat também aproveitou o período em que exerceu interinamente a chefia da Procuradoria-Geral da República, em 2009, para ajuizar no Supremo Tribunal Federal (STF) as ações que acabaram liberando a marcha da maconha, o aborto de fetos anencéfalos e a possibilidade de mudança de nome e sexo no registro civil de pessoas trans sem necessidade de cirurgia ou laudo médico.

Diz a nota técnica divulgada no site da PFDC, nesta quarta-feira (5), que “documento produzido pela Organização Internacional do Trabalho nesse ano de 2019, analisando três décadas de privatização da previdência social em países da América Latina e do Leste Europeu, chegou à conclusão de seu absoluto fracasso, em razão do acúmulo de evidências sobre os impactos sociais e econômicos”.

O estudo citado: "A reversão da privatização das previdências: reconstruindo os sistemas públicos de previdência nos países da Europa Oriental e América Latina (2000-2018)" (texto em espanhol).

A nota defende que a “A PEC 06/2019 assume duas perspectivas igualmente perigosas e inconstitucionais. De um lado, em relação ao regime de repartição, que se pretende superado no futuro, a desconstitucionalização da matéria, uma vez que os seus principais temas (...) passam a ser disciplinados por lei complementar (cujo conteúdo é ainda desconhecido). De outro, a previsão de um novo regime de previdência social, organizado com base em sistema de capitalização”.

Como a reforma da Previdência é uma Emenda à Constituição, Duprat precisa de uma solução criativa para argumentar sua inconstitucionalidade. PECs só podem ser declaradas inconstitucionais se contrariarem as cláusulas pétreas da Constituição. A solução? O princípio da solidariedade.

“Considerando, ainda, que igualdade e diversidade vão ser o seu norte, o princípio que vai dar unidade a esse texto tão detalhado é o da solidariedade, tal como inscrito no seu artigo 3º. Há, ali, uma ideia genuinamente utópica de uma sociedade “livre, justa e solidária”, que se propõe a ‘erradicar a pobreza e a marginalização’, bem como a reduzir todas as desigualdades. É uma sociedade voltada, no seu conjunto, a “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, diz o documento.

“[A] capitalização é o que comumente se chama ‘poupança individual’. A ideia força aqui é a do máximo egoísmo, em que cada qual orienta o seu destino a partir de si, exclusivamente. Nada mais incompatível, portanto, com o princípio regulativo da sociedade brasileira, inscrito no art. 3º da CR, o da solidariedade”, continua a criatividade linguística.

A melhor parte da nota? Talvez esta aqui: “Até 5 de outubro de 1988, permaneceu inalterado, nos ordenamentos constitucionais brasileiros, um regime jurídico de privilégios estabelecidos em favor do homem branco, heterossexual, proprietário, empresário, adulto e são, dentre outros recortes marcadores de discriminação”.

Duprat está no cargo até maio de 2020, quando o próximo PGR, que assume em setembro, vai indicar seu sucessor para chefiar a PFDC. Confira o que os candidatos à lista tríplice da PGR já disseram sobre eventuais inconstitucionalidades na atual proposta de reforma da Previdência, em entrevistas à Gazeta do Povo. Clique nos nomes para ler as entrevistas completas.

Blaul Dalloul:

"Sinceramente, não sei responder. A alíquota progressiva é muito discutível, você poderia falar também sobre deixar para lei complementar algumas coisas que hoje só tem mudança por reforma constitucional. Tenho muita esperança, muita certeza, de que o Parlamento corrigirá eventuais flertes com inconstitucionalidades. Sabemos que há uma pressão econômica muito grande, mas a questão jurídica é sempre muito importante. O PGR tem o dever de, existindo alguma questão, fazer o trabalho dele, mas confesso que não estou acompanhando profundamente. Mas essas duas questões me chamam a atenção. O MPF já poderia estar lá discutindo, por isso defendo uma Secretaria de Relações Institucionais forte, com um colega exclusivo e que entenda esses temas todos, para acompanhar e conversar com os parlamentares."

José Robalinho Cavalcanti:

"A alíquota progressiva é inconstitucional, e isso falo com base em decisões judiciais. A contribuição previdenciária é um tipo de tributo que tem vinculação com o benefício. Ao falar que a contribuição previdenciária será progressiva, isso pode soar bem, mas isso é uma característica do imposto de renda, que é um imposto geral que provoca redistribuição da sociedade. A contribuição previdenciária tem outro fim, que é o vínculo com o benefício você vai receber. O que você está dizendo é que você vai pagar mais por um benefício, em termos relativos, porque o outro não está pagando. Isso é no mínimo questionável juridicamente.

Aí você entra no problema das alíquotas. O Código Tributário Nacional diz, no artigo 5º, que os tributos não se caracterizam pelo seu nome ou pela destinação – o que identifica o tributo é sua natureza jurídica, ou seja, a base de cálculo, a forma como ele é cobrado. Muito bem: se você tem um tributo que incide sobre a renda e é progressivo, isso não é contribuição previdenciária, isso é imposto de renda. Então, na prática, você está cobrando dois impostos de renda. Com isso, as alíquotas ficam absolutamente não razoáveis e a possibilidade ser declarada a inconstitucionalidade por confisco cresce.

Outro item de duvidosa constitucionalidade, e aparentemente o Congresso já está percebendo, é a desconstitucionalização no grau que aconteceu. Não é inconstitucional tirar isso ou aquilo, mas nesse grau não parece razoável."

Vladimir Aras:

"A questão do BPC é importante. Não pode haver, a meu sentir, uma restrição nesse âmbito. Mas no que diz respeito à Previdência em si, nós precisamos adequar a reforma, primeiro, para que não se torne confiscatória, criando alíquotas muito excessivas, draconianas. Por outro lado, acho que deveria haver, para as categorias de pessoas que já estão no serviço público há muito tempo e que aderiram a certo regime, regras de transição muito claras, para que não haja prejuízos nesse patrimônio acumulado ao longo do tempo e na expectativa de aposentadoria. Reformas anteriores tiveram regras de transição, para que não haja injustiças.

Mas sou favorável à Reforma – moderando essas questões, é isso que o Congresso deve fazer."

Luiza Frischeisen:

"A questão da reforma da Previdência está em debate. Nós já fizemos quatro reformas, e todas as reformas tiveram regras de transição. Quando se fala em questões de regime, os servidores públicos, em 2013 [quando entrou em vigor a Previdência Complementar dos Servidores Públicos], já não tinham integralidade. A partir de 2013, no teto do regime geral, e já na complementação dos fundos, nós tivemos processos de migração. O que mais preocupa as pessoas são as regras de transição e a sustentabilidade dos sistemas, sejam eles quais forem; quem vai ficar no RPPS [Regime Próprio de Previdência Social], que é o regime que você teria integralidade com alíquota de 11%; se vai ter uma alíquota maior. Me parece que a idade vai aumentar, e precisamos comparar com outros países, por exemplo a Espanha, que fez uma reforma profunda, aumentando a idade até 65 anos – só que você tem regras de transição. Com quais regras? Com os tempos de contribuição.

Ao mesmo, tempo você precisa pensar se vai ter regime de capitalização, quais são as sustentações dos próprios fundos, e [pensar] o próprio regime geral, em relação às novas formas de relações de trabalho, porque o regime geral é todo pensado para as relações de trabalho com emprego formal, com carteira assinada, contribuição patronal e do trabalhador. Mas as novas relações de trabalho, de terceirização, elas se tornam diferentes: acabou de sair um decreto agora, para a questão da contribuição dos autônomos – quem trabalha com Uber, por exemplo. Então, acho que tem muita coisa para discutir e estamos acompanhando no Congresso. Sobre inconstitucionalidade falamos depois, não tem controle preventivo no Brasil.

Só pelo legislativo…

É, mas não estamos no Conselho Constitucional [órgão do Estado francês que analisa a constitucionalidade das leis antes de sua promulgação]. O debate é intenso.

Mas, em tese, a questão da alíquota progressiva…

A alíquota progressiva depende da progressão: se ela chegar a um valor confiscatório, [pode ser inconstitucional. Eu não sei ainda qual alíquota vai ser – os estados já têm alíquota até 14%. Hoje, a alíquota é de 11% sobre tudo, se você juntar no imposto de renda, é quase 35% do subsídio. Isso se discute também em matéria tributária, qual o momento em que ela passaria a ser confiscatória ou não.

Os 22% parecem confiscatórios?

Os 22% acho confiscatórios, parece demais, porque você em um subsídio com uma pessoa que tenha a mesma renda você já tem uma alíquota de 27%, e isso vai dar quase 50% do salário integral, mas vamos ver o que vai acontecer, estamos ainda em muitos debates."

Bonifácio de Andrada:

"É um pouco complicado, porque a reforma propõe uma Emenda à Constituição, então a inconstitucionalidade seria só em relação às cláusulas pétreas – e esse tema já mudou tanto, que não vou falar exatamente sobre ele. Primeiro, precisamos estabelecer um limite de idade, e aqui falo com algum conhecimento de causa, porque fui consultor jurídico do Ministério da Previdência, quando o ex-presidente FHC mandou a primeira reforma previdenciária, em 1998. Minha opinião pessoal é que a idade hoje para o Brasil seria 65 anos para homens e 60 anos para mulheres, em regra geral. Você pode colocar algumas exceções justificáveis de alguns trabalhadores que estão em algumas situações especiais, que não tenham a proteção ou a proteção existente não seja suficiente, mas são casos raros.

Defendo que as mulheres tenham cinco anos a menos que os homens em qualquer situação, porque nós temos situações de mulheres com tripla jornada, chefe de casa, sozinha, mulher de periferia, mulher que não tem com quem deixar o filho. A situação da população feminina de baixa renda é dramática. Já discuti isso com matemáticos que disseram: “Não, hoje a mulher viver em média oito anos a mais que os homens, então, se você fizer as contas, a mulher tinha que trabalhar mais do que o homem e se aposentar depois”. Isso é uma logica matemática, só que nós não estamos trabalhando com lógica matemática, nós estamos trabalhando com sociedade e com seres humanos. Elas precisam ter a opção de sair do mercado de trabalho cinco anos mais cedo, porque elas prestam suporte fundamental em casa: hoje não há casal que não dependa dos avós, pra cuidar dos filhos, para ficar com os filhos na hora em que viajem. E, quanto mais baixa a renda, maior a dependência dos avós.

Acho também que nós precisamos de alguma forma, ainda que de transição, de capitalização – o pessoal entra em pânico, mas precisamos de alguma forma entrar em um regime de capitalização. Não é mudar o regime, nós precisamos inserir esse sistema de capitalização, pode ser um sistema de previdência complementar, existem “N” formas de fazer isso, porque o sistema de regime de repartição, que é o que nós vivemos hoje, em que uma geração sustenta a outra, está fadado à falência, porque nós estamos com deficiência demográfica. Significa o seguinte: o filho único tem que sustentar a aposentadoria dos pais, dos avós e pagar a escola do filho dele – não vai aguentar. A pirâmide não se sustenta, por melhor que seja a economia do país, então como é que ela vai se sustentar?

Precisamos de alguma forma de capitalização inteligente, mas de uma maneira muito cautelosa, porque na hora em que você fala isso, os tubarões do mercado aparecem com uma boca deste tamanho [abre as mãos]: vou botar meu dinheiro na poupança, depois [o banco] quebra e como é que eu fico? Então, precisamos pensar em ter uma poupança, pode ser pública mesmo – você tem o caso, que não é muito bem sucedido, do Fundo de Garantia. Ele é remunerado inconstitucionalmente, o que se paga lá é um assalto ao trabalhador, mas ali você tem o regime de capitalização em que você tem uma conta que é sua, você consegue saber quanto que você tem ali e no final de certo tempo, por determinados motivos, ou quando se aposentar, você tem acesso. Pode ser público, pode ser privado, com mobilidade ou os dois.

Mas e a alíquota progressiva?

A alíquota, pelo fato de ser progressiva, não necessariamente [é inconstitucional]. Mas você pode colocar um valor tal, que é proibitivo, que vira um assalto ao teu bolso, aí vira confisco. Essa é uma questão polêmica, para ser discutida no tribunal: se a alíquota chega a ser desarrazoada, você pode colocar isso em discussão. E assim mesmo, isso vai depender também do valor do salário, porque todo mundo defende que, para o Bill Gates, a alíquota seja de 50% [risos]. Agora, 50% sobre o salário mínimo é um absurdo.  Você vai discutir isso no STF e vai ter que ponderar a quantia em reais e quanto vai pagar de imposto. Considerando que se está mexendo com funcionários públicos e trabalhadores de baixa renda, a alíquota pode chegar a um ponto que vai ser proibitiva. Não vou antecipar isso aqui, agora, mas o tribunal pode [declarar inconstitucional]."

Paulo Eduardo Bueno:

"É uma PEC, não vejo como afetar as normas rígidas da Constituição.

Nem a alíquota progressiva?

Pois é, pode resvalar, pode acontecer. Aí é uma questão de número. Tem que haver algum limite para a alíquota, mas é difícil definir.

Mas a reforma é positiva para o senhor?

É inevitável. E nós vamos cair novamente na questão dos bancos, que serão os grandes beneficiados, porque todos vão ter que correr para a previdência privada, e com um risco: no passado, essa previdência privada deu muito problema. Quantas empresas dessas de previdência privada quebraram? Até a década de 1960, havia um sistema pulverizado de previdência, de fundos que eram geridos pelos sindicatos. Aí houve a criação desse monstro chamado INPS, que também sempre foi muito mal administrado. Mas esse modelo que está aí também se exauriu. Corremos riscos, embora ache que o sistema financeiro brasileiro está um pouco mais maduro.

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