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Governo usou o aniversário do 8 de janeiro para se vender como defensor da democracia, enquanto seus opositores são sempre os antidemocráticos.| Foto: Lula Marques/Agência Brasil

“Nós vivemos em um tempo no qual as lideranças são frequentemente mais avaliadas pela estridência de sua retórica e pela coloração de suas ideologias do que pelo sucesso de suas políticas. Especialmente no mundo em desenvolvimento, muitas pessoas têm ido para a cama dormir com seus ouvidos cheios, mas com seus estômagos vazios.”

A frase é de Richard Nixon, ex-presidente norte-americano. Ele é um político um pouco complicado para citar por causa do escândalo Watergate, mas, a despeito dele, é um dos responsáveis pela nova ordem mundial, pois, ao restabelecer as relações diplomáticas dos Estados Unidos com a China ainda na década de 70, viabilizou a abertura da economia chinesa para o mundo.

A frase, exarada em outro contexto, permanece estranhamente atual nestes tempos de polarização política e ânimos acirrados, com o diferencial de que a estridência se espalhou por todo o globo, não se restringindo ao então denominado “mundo em desenvolvimento”, ora substituído pela expressão “países emergentes”.

O governo federal buscou, desde o início, explorar politicamente o 8 de janeiro para caracterizar Lula e o PT como os salvadores da democracia e todos os seus oponentes como antidemocráticos

Outra diferença relevante provém das redes sociais, naquela época inexistentes. Têm elas contribuído para o acirramento da polarização, uma vez que as publicações mais veementes e radicais tendem a atrair mais atenção e engajamento, além de elas favorecerem a criação de grupos e comunidades com preferências definidas, desestimulando, dentro deles, divergências razoáveis. Esclareço que esta é uma constatação de fato, não partindo de mim qualquer proposta de controle da expressão nas redes.

No Brasil, tivemos uma eleição presidencial extremamente polarizada em 2018, seguida por outra de igual ou maior intensidade em 2022. Um ano depois, a polarização política  segue, aparentemente, inabalável. Pesquisa de dezembro do Datafolha revelou que cerca de 30% dos brasileiros se identificam com o petismo, enquanto 25% deles com o bolsonarismo, patamares semelhantes aos de dezembro de 2022.

Vários fatores contribuem para a permanência da polarização.

O principal deles consiste no interesse do atual governo Lula de que ela persista. Construir ou manter inimigos ideológicos constitui o melhor expediente para tirar a atenção da população aos problemas reais do dia a dia. Além disso, permite definir um adversário político no polo oposto, em vez de enfrentar a incerteza decorrente de oponentes diversos.

A exploração política do 8 de janeiro é um exemplo. As invasões e depredações das sedes dos três poderes merecem apurações e punições, desde que legais e proporcionais, mas o governo federal buscou, desde o início, explorar politicamente o episódio para caracterizar Lula e o PT como os salvadores da democracia e todos os seus oponentes como antidemocráticos, o que é um retrato muito distante do verdadeiro.

A diplomacia presidencial é outro exemplo, sendo orientada, ao que tudo indica, para atender apenas à militância petista e à megalomania de Lula. É o que explica as aproximações de Lula com Maduro e com Putin, além das posições constrangedoras da diplomacia brasileira contra a Ucrânia e Israel.

No plano interno, a polarização é acentuada pela demonização e perseguição aos inimigos políticos, que devem ser “destruídos”. Militante petista, por esses dias, assim se referiu a Michelle Bolsonaro, enquanto, recentemente, fui surpreendido com coluna de jornalista simpático ao PT clamando por minha “destruição”.

Lula gosta de se equiparar a Mandela, mas não há comparação possível. Mandela pacificou o país sem revanchismos contra a minoria branca na África do Sul. Não se vê de Lula gestos de pacificação e de conciliação em relação à oposição e a quem nele não votou

Tudo poderia ser diferente. Lula gosta de se equiparar a Mandela, o primeiro presidente negro da África do Sul, mas não há comparação possível. Mandela ficou preso por 27 anos em consequência de sua luta contra o apartheid. Ao se eleger presidente, pacificou o país sem revanchismos contra a minoria branca na África do Sul. Lula foi preso por corrupção, ainda que a condenação tenha sido depois anulada por motivos formais e decisões controversas. Voltando ao poder, não se vê dele gestos de pacificação e de conciliação em relação à oposição e a quem nele não votou.

Da minha parte, começo 2024 com a promessa que farei tudo para evitar o aprofundamento da polarização, já que ela interessa e beneficia principalmente o governo Lula. Não é uma tarefa fácil, já que ao mesmo tempo não pretendo abandonar a oposição veemente ao governo federal ou deixar de denunciar os seus malfeitos. No entanto, penso que a oposição pode ser mantida sem apelar para a polarização. Talvez o mais relevante seja a forma. É importante cuidar das palavras e dos gestos, não abraçar radicalismos e respeitar as opiniões diversas.

É igualmente relevante, mesmo sendo oposição, agir para aprovar políticas políticas construtivas, que beneficiem a população, quer o governo Lula esteja contra ou a favor. Votei, por exemplo, a favor da lei do arcabouço fiscal apresentada pelo governo, por entender que ela era melhor que a ausência de qualquer política de restrição fiscal, e muito embora já tenha sido na prática sepultada pelo próprio Lula. Contra o governo, votei a favor da lei do marco temporal e para a derrubada do veto presidencial. Independentemente do governo, apresentei e aprovei, no Senado, projetos importantes para a segurança pública e para a integridade, como o projeto que amplia o banco nacional de DNA para criminosos e o que cria um programa de proteção e de recompensas a denunciantes no mercado de sociedade de ações, a fim de prevenir fraudes como as que afetaram as Lojas Americanas. Vou agora trabalhar para que sejam aprovados na Câmara.

Já no início do ano, teremos um desafio para aprovar o projeto de lei que elimina as saídas temporárias dos criminosos presos, as chamadas “saidinhas”, que têm gerado revoltas, mantendo, porém, as saídas para os presos do semiaberto para educação e trabalho. Esse é um exemplo da busca de uma política pública sensata, de meio termo, que não atende as posições mais radicais, mas que, pelo menos, pode ser concretizada com compromissos entre posições divergentes e razoáveis.

Agir desta forma, com menos estridência, mas com resultados, é coerente com o objetivo de fazer oposição a esse governo Lula sem alimentar a polarização que nos tem tanto prejudicado.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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