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"Nunca vale a pena voltar ao passado", dizia um velho amigo meu, o ator curitibano Ariel Coelho, já falecido – e na frase havia um toque de humor, no que ele era mestre, e daquela sabedoria prática que talvez se resumisse num conselho simples: não perca tempo com o passado. Você vai se arrepender. No entanto voltamos a ele mal rompe a manhã, parodiando o poeta. Sim, arrastamos o passado imediato, o ontem, o mês passado, talvez dois anos atrás, que vamos como que puxando adiante, largando memória e velheiras pelo caminho e catando o que há de novo pela frente para encher a urgência do tempo presente. Mas não era de metafísica que Ariel falava: era das pessoas, e do clima, da misteriosa aura que em algum momento do tempo vivemos com elas e que sonhamos recuperar com a perfeição de um filme. Afinal, nossa pátria – hoje parece que me deu a melancolia de evocar poetas – são as pessoas que conhecemos pela vida afora. Desde que nascemos, são os semelhantes que vão nos modelando, desde a linguagem até a alma, por assim dizer – sem eles, dói a solidão do deserto.

Reencontrar um velho conhecido é como reconectar-se a uma outra vida que sobreviveu intacta na memória, uma pequena droga de euforia, a promessa de um eterno retorno, a felicidade límpida e intocável de uma boa lembrança – uma sólida amizade de ontem, um trabalho conjunto bem-sucedido que se fez há tempos, uma paixão apagada. Às vezes é só uma boa cerveja numa longa e luminosa conversa de uma madrugada esquecida 17 anos atrás. E, quase sempre, bastam dez ou vinte minutos de sorrisos e abraços, as perguntas tateantes, aquele olhar surpreso – "Cara, como você está bem!", ou "Mas você emagreceu!", às vezes lutando para lembrar o nome, ou então você já tem o nome ("Grande Zeca velho de guerra!) mas não o espaço; ou a surpresa em frente da mulher distante, agora com uma criança pela mão, e em um segundo uma vida inteira paralela viaja, invejosa da vida real (ou é a vida real que inveja a imaginária); ou às vezes tudo é perfeitamente nítido, a pessoa, o tempo, o espaço, a lembrança, mas mesmo assim falta tudo – e a promessa de uma alegria revisitada vai se corroendo inapelável para o sem-jeito de dois desconhecidos que se esbarram na calçada, planetas que em minutos retomam suas órbitas para nunca mais.

O "Vamos nos encontrar uma hora dessas!", com a promessa implícita de uma grande alegria que se reconquista é, sim, um gesto de boa-educação, a cortesia obrigatória da vida comum, mas não só isso – nunca desistimos de voltar ao passado; insistimos em nos rever com a esperança de que, por milagre, isso realmente aconteça e seja uma boa coisa. Talvez seja mesmo – é uma reserva afetiva que tento conservar comigo sempre que o passado bate à porta, com a ansiedade dos fantasmas pessoais em busca de renascimento.

Cristovão Tezza é escritor.

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