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Em alta desde o início do ano, os preços dos alimentos continuam a preocupar o consumidor brasileiro. Para os próximos meses, há uma expectativa entre economistas de queda nos preços de diversos itens, porém insuficiente para compensar os aumentos recentes.
Enquanto a inflação geral de janeiro a março foi de 2,04%, a variação de preços na categoria de alimentação e bebidas foi de 2,86%, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A alimentação em domicílio subiu ainda mais: 3,21%.
Alguns itens da cesta básica chamam ainda mais a atenção, ganhando destaque como "vilões" da inflação. O tomate acumula em três meses uma alta de 52,9%, enquanto o ovo de galinha subiu 31,7%. O café moído, em forte alta há alguns anos, ficou 30,4% mais caro apenas em 2025.
Uma série de fatores explica o aumento de preços, diz Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos. “No começo do ano, a gente teve problemas de gripe aviária na Europa, Ásia e Estados Unidos, que fizeram o Brasil exportar mais ovos, principalmente para os Estados Unidos, puxando o preço do ovo para cima”, diz.
“Houve quebras de safra de café em outras partes do mundo, o que também fez o Brasil exportar mais”, acrescenta.
“Tivemos ainda uma safra recorde de soja, o que acabou ocupando grande parte da frota de caminhões disponível, acima do esperado, fazendo com que outras culturas ficassem mais tempo em silos, esperando para ser escoadas para as grandes capitais. Com isso, a oferta desses outros produtos ficou mais escassa e puxou os preços para cima nesses últimos meses.”
Preços de alguns itens devem apresentar queda no IPCA-15 de abril
Nesta sexta-feira (25), o IBGE divulga os dados do IPCA-15, prévia da inflação do mês de abril, que deve registrar uma desaceleração na variação de preços, segundo analistas econômicos, com recuos em alguns itens.
A Warren Investimentos, por exemplo, projeta uma variação de 0,41% para o IPCA-15 de abril, um recuo em relação à inflação cheia de março (0,56%), segundo Andréa Angelo, estrategista de inflação da corretora. Em alimentação e bebidas, espera-se uma queda em carnes e frutas (-0,78% e -0,74%, respectivamente), além de desacelerações relevantes em hortaliças e verduras, aves e ovos e leite e derivados.
Cruz acrescenta que a tendência é que os preços dos alimentos caiam no restante do ano. “Estamos vendo o preço do petróleo muito mais baixo no patamar internacional do que no primeiro bimestre. Isso é relevante, porque a gente tem boa parte do frete feito por rodovias, e com o barateamento do frete, cai também o preço dos alimentos que chegam nos supermercados”, explica.
O escoamento da produção que ficou atrasado também deve equilibrar a oferta e a demanda. “Além disso, devemos ter menos pressão de players internacionais, de outros países, na compra de produtos brasileiros, com a normalização das cadeias deles, fazendo com que o preço de equilíbrio fique em um patamar menor”, sintetiza.
Especificamente no caso do ovo de galinha, os preços costumam cair no país após o período da Quaresma, em razão de uma redução no consumo de católicos que costumam substituir a carne vermelha pelo ovo entre a Quarta-Feira de Cinzas (que este ano foi em 5 de março) e o Domingo de Ramos (13 de abril).
Preços de alimentos sobem acima da inflação geral há cinco anos
Coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Getulio Vargas (FGV), o economista André Braz ressalta que a queda nos preços não deve compensar as altas recentes, que já se acumulam há cinco anos.
“Para se ter uma ideia, de 2020 até o início desse ano, só os alimentos que a gente compra no supermercado subiram em torno de 55%, enquanto a inflação média, que leva em consideração tudo que uma família média gasta, subiu 35%”, explica. “A inflação média é a que corrige os salários, então dá para ver o quanto a alimentação subiu de preço acima da média salarial.”
“O poder de compra do consumidor não vai mudar de maneira significativa diante da magnitude das altas que a gente vem registrando”, diz.
Uma pesquisa do Datafolha divulgada neste mês aponta que 58% dos brasileiros passaram a comprar menos alimentos do que costumavam em razão da inflação. O levantamento mostra ainda que entre os mais pobres o porcentual sobe para 67%.
Em 2020, o aumento decorreu da pandemia de Covid-19, que afetou as cadeias produtivas globais, dificultando o escoamento da produção, apesar do aumento da demanda. O auxílio emergencial, embora tenha garantido a renda das famílias de baixa renda naquele momento, também reforçou a demanda, contribuindo para elevar os preços.
No ano seguinte, a crise hídrica afetou diretamente as safras e a produção de alimentos. Em 2022, com o início da guerra entre Rússia e Ucrânia, houve novos problemas de escoamento de grãos, em especial de soja e trigo.
Após um pequeno recuo em 2023, os preços dispararam no ano passado em razão de fenômenos climáticos, como o El Niño, que afetou a produção de arroz do Rio Grande do Sul, e a La Niña, que impactou a safra de café.
O principal fator, no entanto, foi a desvalorização de 21,8% do real frente ao dólar, argumento utilizado pelo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, para explicar a inflação de alimentos em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado na terça-feira (22).
“Cerca de 60% ou até 70% da produção de commodities e alimentos no país tem alguma correlação elevada com a taxa de câmbio”, disse Galípolo. Em 2024, os alimentos subiram 7,69%, puxando para cima o IPCA, que chegou a 4,83% e superou a meta de 4,5% estabelecida pelo governo para o índice.
“A desvalorização primeiro encarece tudo o que a gente importa, e o Brasil não é autossuficiente em tudo”, explica Braz. O país é altamente dependente da importação de produtos como trigo e azeite de oliva, que dispararam em 2024.
“Além disso, com uma moeda barata, o Brasil passa a exportar mais, porque os países que importam da gente têm uma vantagem comercial em comprar mais. Exportando mais, sobra menos para o mercado interno, e o preço acaba subindo”, complementa o economista. Para completar, a demanda esteve mais aquecida com a queda na taxa de desemprego.
“Desemprego baixo significa que as famílias estão com mais fôlego para consumir. Essa demanda maior também ajuda a explicar um pouco o aumento desses alimentos”, diz o economista.
Diante do desgaste de imagem em razão da alta de preços, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a propor e executar medidas para tentar conter a inflação de alimentos, como a isenção do imposto de importação de carne, café, milho, açúcar, massas, biscoitos, sardinha, óleo de girassol e azeite de oliva.
O Executivo ainda reforçou em R$ 350 milhões o orçamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para ampliar os estoques reguladores de grãos, enquanto alas do governo chegaram a propor a taxação da exportação de determinados produtos.
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Medidas do governo não devem resolver problema, diz economista
“Nenhuma medida que possa ser tomada no curto prazo tem capacidade de reverter essa situação”, diz o economista da FGV. Para ele, no entanto, há políticas que, se adotadas o quanto antes, podem ter efeitos no médio ou longo prazo, o que significa que teriam resultado em outros governos.
Entre as iniciativas defendidas por Braz estão o barateamento do frete, por meio do investimento em cabotagem e transporte ferroviário e hidroviário, que têm custo inferior ao rodoviário. Outra medida eficaz seria ampliar a capacidade de financiamento do pequeno produtor.
“O grande produtor do agronegócio, que inclui a fronteira da soja, do milho, da criação de gado, trabalha muito alavancado. Mas existe o agricultor humilde, que também é responsável por entregas importantes, como de feijão e leite”, diz. “Ele precisa de crédito para ter acesso a bons fertilizantes, maquinário para ajudar na lida do campo, contratar mão de obra. Se ele não tem essa infraestrutura, não vai conseguir produzir.”
O investimento em desenvolvimento tecnológico por meio de instituições como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) também pode ajudar a evitar problemas de quebras de safra em um momento em que fenômenos climáticos atípicos têm se tornado cada vez mais recorrentes.
Bancada da agricultura apresentou 20 sugestões ao governo para baixar preços de alimentos
No fim de fevereiro, a Frente Parlamentar da Agricultura (FPA) enviou aos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e da Casa Civil, Rui Costa, um ofício com 20 sugestões para reduzir os preços dos alimentos.
Entre as medidas de curto prazo sugeridas estão a revisão da tributação sobre fertilizantes e defensivos agrícolas, a redução de PIS/Cofins sobre itens essenciais, como trigo e óleo vegetal, e do adicional de frete para renovação da marinha mercante, para reduzir custos no transporte de insumos agropecuários.
Outras sugestões do pacote incluem a desburocratização de operações de crédito, reavaliação de impostos sobre embalagens e a integração de processos alfandegários e sanitários.
Já entre as propostas de médio e longo prazo, estão a adoção de políticas para reduzir o desperdício de alimentos, a eliminação de contingenciamentos do Plano Safra, a expansão de malha ferroviária e hidroviária, o incentivo à produção nacional de fertilizantes e bioinsumos e a expansão de capacidade de armazenagem de grãos.