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Huawei ultrapassou a Apple em venda de smartphones | LLUIS GENE/AFP
Huawei ultrapassou a Apple em venda de smartphones| Foto: LLUIS GENE/AFP

Não é de hoje que a relação próxima entre a Huawei e o governo chinês incomoda os Estados Unidos. A recente prisão da CFO Meng Wanzhou, uma das principais executivas da companhia, é mais um (e talvez o principal) capítulo em uma trama que envolve espionagem, orgulho feriado e a disputa pela liderança tecnológica mundial. O que pode criar um novo patamar, além do tarifário, na disputa econômica entre Estados Unidos e China.

Meng Wanzhou, coordenadora financeira (CFO) e filha do fundador da Huawei, Ren Zhengfei, foi presa no último dia 1.º, no Canadá, a pedido do governo dos Estados Unidos. Prisão que só foi revelada publicamente na última quinta-feira (6). A Huawei é investigada por utilizar componentes produzidos nos Estados Unidos em equipamentos vendidos para o Irã, o que é proibido pela lei americana.

O caso, por si só, já seria motivo para um caos diplomático, justo no momento em que os presidentes Donald Trump e Xi Jinping ensaiam uma trégua na disputa comercial entre os dois países. Mas a situação torna-se muito delicado pelo que a gigante da tecnologia representa para a economia chinesa.

Considerada uma “campeã nacional”, a Huawei é uma das empresas-símbolo em uma nova era da expansão chinesa. Na última década, em parte impactado pela crise financeira de 2008, o regime chinês passou a adotar o que ficou conhecido como “novo normal”.

Com ritmo de crescimento um pouco mais lento, abaixo da casa dos dois dígitos, o novo modelo engloba fases de investimento e expansão para o exterior com setores estratégicos. A tecnologia é um deles.

“A China passou a investir pesadamente no exterior a partir do início dos anos 2000, com algumas fases de investimentos estratégicos. Primeiro em recursos naturais em mais recentemente, no polo tecnológico”, explica o coordenador de Análise do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), Tulio Cariello.

A Huawei, que este ano ultrapassou a Apple e tornou-se a segunda maior vendedora de smartphones do mundo, está nesta leva. O Alibaba, do Aliexpress, e a Tencent, dona do poderoso WeChat (aplicativo que mescla WhatsApp, Facebook e conta bancária), são outros destaques, assim como a BYD, principal fabricante de baterias para carros elétricos do mundo.

Enquanto a expansão em infraestrutura foi liderada por empresas estatais, as gigantes de tecnologia chinesa são empresas privadas, embora a estrutura societária nem sempre seja tão clara. A Huawei foi fundada por Ren Zhengfei, um ex-militar. Em entrevista para o CEBC em 2015, um diretor da empresa para a América do Sul, Gavin Yang, declarou que ela “pertence integralmente a seus funcionários”.

Se por muito tempo a tecnologia chinesa foi sinônimo de preço baixo e qualidade duvidosa, a Huawei representa uma tentativa do gigante asiático de se firmar como produtora de tecnologia de ponta não só para o mercado doméstico, mas para o mundo todo. A ponto de, no mercado de smartphones, bater de frente com a americana Apple e a coreana Samsung (líder de vendas). Um problema é que muitos dos componentes desta tecnologia avançada ainda são produzidos por empresas dos Estados Unidos, o que seria um dos motivos para o imbróglio todo com o Irã.

Feriu a campeã

Por tudo isso, a Huawei é motivo de orgulho nacional para os chineses. Ao Washington Post, burocratas do regime comparam a prisão de Meng Wanzhou aos “cem anos de humilhação nacional”, quando a China perdeu territórios como Hong Kong e sofreu com a dominação de outros países.

“A prisão de Meng ameaça a imagem de liderança da China, uma vez que o país parece incapaz de garantir a soltura de alguém que não é um cidadão comum, mas umas das principais executivas da nação e fiha de um ícone dos negócios”, avalia o diretor da Eurasia Group para a Ásia, Michael Hirson, ex-oficial do Tesouro norte-americano.

O “sentimento de nacionalismo” envolvendo o caso deve emperrar a possibilidade de Pequim fazer novas concessões a Trump na disputa comercial, avalia Hirson. A repercussão no alto escalão chinês já dá sinais disso.

“A prisão da CFO da Huawei não foi um mero acidente e irá criar um cenário nebuloso nos diálogos para trégua comercial, mas os dois lados devem trabalhar duro para evitar influências negativas”, declarou o antigo ministro do Comércio chinês, Wei Jianguo, atualmente no Centro Chinês para Trocas Econômicas Internacionais.

Motivos dúbios para a prisão

Também causou constrangimento o fato de que os principais líderes chineses só ficaram sabendo do caso quando explodiu na imprensa, na quinta-feira, cinco dias após Meng ser presa, no Canadá.

As circunstâncias nebulosas da prisão também pesaram para um mau humor em relação ao caso. A CFO foi presa no Canadá, supostamente por violar a política norte-americana de sanções ao Irã.

Embora o Canadá também tenha políticas de sanções contra o país asiático, não está claro se a infração seria crime naquele país. O que pode, inclusive, dificultar uma eventual extradição para os Estados Unidos.

Fraude corporativa e receber dinheiro oriundo de atividades ilegais, no entanto, são crimes passíveis de extradição. E há uma chance da prisão estar relacionada a uma investigação maior, de lavagem de dinheiro, segundo o Wall Street Journal — o que daria mais sentido à prisão.

Espionagem

Em meio a isto tudo há um escândalo de espionagem — o que, para muitos, pode ser o mais grave nessa história toda. Desde 2012 as autoridades americanas acusam a Huawei de embutir tecnologia em seus equipamentos para vigiar os cidadãos. À época, parlamentares pediram o boicote à empresa chinesa.

Em agosto deste ano (2018), o departamento de Defesa dos Estados Unidos proibiu o governo de utilizar tecnologias das chinesas Huawei e ZTE, por motivos de segurança, e orientou os cidadãos a não terem mais celulares da Huawei.

Duas operadoras que lideram o mercado de telecomunicações (AT&T e Verizon) quebraram acordos com a Huawei para distribuir os smartphones. É comum as empresas venderam aparelhos (inclusive iPhones) por preços mais baratos para os seus clientes, deste que adquiram também o plano de dados da telefônica.

O governo dos EUA não explicou muito bem quais ameaças as empresas representam à segurança nacional e dos usuários. Mas foi seguido por outros. Austrália, Nova Zelândia e Reino Unido já anunciaram que os chineses serão vetados de compor a infraestrutura do 5G, tecnologia considerada a próxima revolução da conectividade.

O governo japonês divulgou, nesta sexta-feira (7), que irá proibir empresas que “representam uma ameaça à segurança nacional” de serem utilizadas pelo governo. As sanções à Huawei e ZTE ficaram implícitas.

Além de smartphones para funcionários do governo, a Huawei é responsável por boa parte da infraestrutura de conectividade do governo do Japão.

Huawei no Brasil

No Brasil desde 1999, quando estabeleceu parceiras com as operadoras de telefonia que então se abriam ao mercado, a Huawei nunca empolgou o mercado de smartphones brasileiro, o que torna a marca relativamente pouco conhecida no país.

A primeira experiência da Huawei no Brasil foi com aparelhos de baixo custo, produzidos localmente. Recentemente, a companhia anunciou a volta ao mercado brasileiro de smartphones, desta vez com seus celulares de ponta (concorrentes do iPhone e Samsung Galaxy), em parceria com a Positivo Tecnologia.

Em parte por isso, há grande chance do impacto da prisão da CFO no país ser irrisório. Mas também pelo papel do Brasil na briga comercial entre os dois gigantes.

“Acho que o Brasil definitivamente tem um papel secundário nesta questão, porque é uma briga entre as duas maiores economias do mundo, e a nossa relevância no comércio internacional não é muito grande”, avalia o coordenador do CEBC, Tulio Cariello.

Não significa impede o país de ser impactado com rescaldos desta briga. O que já aconteceu com o aumento nas exportações brasileiras de soja para a China, depois do anúncio de taxas adicionais para o grão oriundo dos Estados Unidos.

Balança Brasil-China

No último ano, a balança comercial entre Brasil e China disparou, tanto em importações quanto em exportações, e o saldo saltou de US$ 19 bilhões para US$ 26,2 bilhões (positivo — o Brasil mais exporta do que importa), aumento de 38%.

Só com base nos dados de janeiro a novembro deste ano, a corrente comercial (soma de importações e exportações) entre os dois países já soma US$ 91,3 bilhões, cifra que supera o recorde anterior, estabelecido em 2013.

“O mais interessante para o Brasil não é tomar lado, porque a gente não tem nada a ganhar com isso”, avalia Cariello. Alguns setores podem até se aproveitar de vantagens pontuais, como no caso da soja, mas vale lembrar que produtos brasileiros (como açúcar e frango) também sofrem com sanções tarifárias chinesas.

O pensamento estratégico deve ser repensar e diversificar a balança chinesa. A aposta chinesa em crescer pelo consumo abre espaço para produtos com maior valor agregado, em especial aqueles se destacam por serem “premium”, caso do setor de cosméticos, por exemplo.

“Não é ruim vender commodities, é uma vantagem nossa, temos potencial em agronegócio, óleo e gás, mineração. Mas, junto a isso, podemos explorar outro lado que temos pouco protagonismo, inclusive produtos industriais”, avalia o analista.

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