• Carregando...
Dezenas  morreram em Dzomankoidu,  antes que desmontassem a barricada. Siafa Sherif, de 8 anos, precisava de tratamento | Samuel Aranda para The New York Times
Dezenas morreram em Dzomankoidu, antes que desmontassem a barricada. Siafa Sherif, de 8 anos, precisava de tratamento| Foto: Samuel Aranda para The New York Times

"Tragam os doentes para fora! Nada de escondê-los! Se não os mostrarem, vocês é que vão sofrer!", gritou o chefe, furioso, para a multidão, agitando o punho e ameaçando o vilarejo inteiro com doença e morte se ninguém obedecesse. Lentamente, uma procissão veio se arrastando pelo centro, composta de um estudante, um motorista de van, uma garotinha de cinco anos e um punhado de agricultores, todos com os olhos injetados, sintoma que confirma os efeitos do ebola. A população se afastou, com medo, mas então algo incomum aconteceu: uma equipe da Cruz Vermelha entrou em ação, jogando sacos de água para os doentes, envolvendo-os em aventais plásticos e colocando luvas de borracha e máscaras em todos, que foram levados por uma ambulância.

"Há muitos doentes e a maioria continua escondida", disse a enfermeira antes de entrar no veículo.

Foi nesta região montanhosa isolada da Guiné que o pior surto de ebola teve origem, há quase um ano, mais precisamente nas aldeias escondidas na mata fechada com um longo histórico de resistência ao governo central. Os moradores da área chegaram a matar funcionários públicos que surgiram falando do vírus, bloquearam as estradas e recusaram veementemente a ajuda de estranhos.

Agora, porém, nessa região florestal inacessível do país, cuja resistência dificultou a contenção do surto, a população parece estar se abrindo. "Estamos em crise. Precisamos pedir ajuda", afirma o chefe local, Siba Koevogui. Embora a recusa em reconhecer e ajudar a combater o ebola pareçam estar se dissipando, os médicos e autoridades locais afirmam que a renitência já causou seu estrago, permitindo que os doentes se multiplicassem, sem qualquer controle, durante meses a fio. Depois de tanto tempo, localizar as vítimas e todos os que tiveram contato com elas – método tradicional de controlar um surto – se torna cada vez mais difícil.

A princípio, a resistência regional era passiva, resultante do medo. "O pessoal ia se esconder no meio do mato para evitar os enfermeiros", conta Pascal Piguet, funcionário da Médicos Sem Fronteiras no município vizinho, Guéckédou, onde o surto foi identificado, em março.

Mas a irrupção continuou, em ondas, intensificando a desconfiança dos moradores no governo e nos médicos estrangeiros; os veículos da Médicos Sem Fronteiras chegaram a ser apedrejados. Em setembro, oito oficiais e alguns jornalistas, parte da delegação enviada para falar dos perigos do ebola, foram mortos por uma multidão no vilarejo de Womey. Tornou-se impossível para a Cruz Vermelha e outras instituições internacionais entrar nos vilarejos para recolher os doentes e/os corpos.

Um histórico de antagonismo com o governo insuflou os choques – isso porque o Estado tentou acabar com as práticas religiosas tradicionais na região nos anos 60 e 70, semeando um ódio pelas autoridades que continua vivo.

Agora, com uma epidemia de ebola que se recusa a ceder, a resistência parece ser menor. Segundo o último relatório da Organização Mundial de Saúde, a transmissão da doença continua "persistente" e "intensa" na Guiné, tendo causado mais de mil mortes. Macenta, município em que fica o vilarejo de Dandano, é o mais atingido do país. "O maior perigo é essa omissão; em três semanas poderíamos ter contido a transmissão se todas as aldeias tivessem colaborado", diz o Dr. Daniel Yota, líder local da OMS. Amara Cissé, anciã de outra localidade de Macenta, admite: "Estávamos errados, mas foi porque não entendíamos a causa da doença". Vinte e oito pessoas morreram em Dzomankoidu antes que a barricada que interditava a estrada fosse derrubada. Em Dandano, foram necessárias várias mortes em sequência, ao longo do mês de outubro, para superar a desconfiança de todos. Há cerca de um mês os moradores estavam enterrando os cadáveres sozinhos, sem proteção nenhuma; hoje, estão com tanto medo do vírus que evitaram dois cadáveres que foram postos na rua, mesmo depois de terem sido colocados em sacos plásticos grossos e borrifados com solução de cloro. As portas das casas próximas a eles se mantêm abertas, pois seus ocupantes fugiram para o meio da mata.

"Eu estou com medo e todo mundo que conheço também está", revela Sagno Marah, um minerador de 38 anos, quando o chefe local reuniu a população no centro da aldeia. Em menos de três semanas pelo menos quinze pessoas morreram em Dandano, cuja população não passa de dois mil habitantes. "Ficamos um tempão negociando com os líderes religiosos, mas não adiantou", disse o responsável regional pela saúde pública, o Dr. Pévé Goepogue.

"Só quando as mortes começaram a se multiplicar é que eles ficaram assustados. Aí os anciãos procuraram as autoridades e declararam a vila aberta", completa. Para as autoridades a doença continua se espalhando em locais a que eles ainda não conseguiram chegar.

Há pouco tempo, um moto-táxi deixou uma mulher de meia-idade na escadaria do hospital de Macenta e foi embora. Ela só teve forças para dizer que vinha de um vilarejo próximo da fronteira com a Libéria, a horas dali. Na mesma noite, morreu.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]