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Manifestante agita bandeira da Venezuela durante protesto em Santa Cruz de Tenerife, Espanha, 26 de janeiro |  DESIREE MARTIN / 
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Manifestante agita bandeira da Venezuela durante protesto em Santa Cruz de Tenerife, Espanha, 26 de janeiro| Foto:  DESIREE MARTIN /  AFP

As nações da América Latina não costumam ver o mundo da mesma maneira. Assim, a indignação coletiva sobre o caos emergente na Venezuela, seguida pelo reconhecimento de que o autocrata Nicolás Maduro deve cair, se destaca.

Apenas um punhado de líderes esquerdistas discordou quando países de toda a América abandonaram a costumeira diplomacia com os vizinhos e reconheceram o líder da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, como presidente interino da Venezuela. 

O presidente da Bolívia, Evo Morales, declarou solidariedade a Nicolás Maduro e condenou as "garras do imperialismo" que querem removê-lo do poder. Essa oposição solitária diz muito sobre a mudança do clima político na América Latina, onde as lideranças nacionais esquerdistas estão sendo varridas por uma maré política crescente da direita. 

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Os descontentes veem essa onda como um recrudescimento de um passado autoritário, quando a América Latina era objeto de cobiça e projetos de superpotências. A nova maré tem muitas bandeiras, do conservadorismo cristão evangélico agressivo ao capitalismo disruptivo, mas a crise da Venezuela sugere que essa mudança deve menos a uma nova Guerra Fria do que a um colapso da governabilidade. "Essa mudança é uma resposta ao fracasso da gestão da esquerda populista nos governos da América Latina", diz o analista político Fernando Schuler, que leciona no Insper, em São Paulo. "Se a redemocratização fortaleceu o domínio da esquerda na política, na academia e na burocracia, agora é a agenda mainstream e pró-mercado que ganhou força". 

Como a calamidade política da Venezuela vai acabar – uma reação ditatorial? Guerra civil? Maduro fugindo para o exílio? – ninguém sabe. O enigma maior pode ser como restaurar a ordem e a prosperidade à economia caótica do país. E é nesse ponto que os democratas venezuelanos, mesmo com o formidável talento econômico que os líderes da oposição têm nas mãos, devem se inspirar nesse reinício político das Américas, propenso a acidentes. 

A América Latina, afinal, é a ruína de “dream teams” de governo, como até mesmo as democracias que funcionam na região descobriram. A Argentina é uma divisão do Fundo Monetário Internacional (FMI), e os magos financeiros transformadores que o presidente Mauricio Macri trouxe ao cargo foram há tempos dispensados. Pedro Pablo Kuczynski, do Peru, sucumbiu a um escândalo de corrupção enquanto os economistas alfa do Brasil viram sua ambiciosa reformulação da política ser abortada e até mesmo suas reformas bem-sucedidas serem eclipsadas pela desacreditada saída do presidente Michel Temer. 

O "novo Brasil" que Jair Bolsonaro propagandeou esta semana no Fórum Econômico Mundial – um governo mais enxuto, impostos mais baixos e uma guerra contra a corrupção – é um bom presságio para uma região afetada pelo protecionismo por governos excessivos. Todas essas iniciativas sinalizam que o Brasil também deu uma guinada para a direita política.

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Mas saber que tipo de direita predominará na região é mais difícil. Há muito espaço ideológico entre o discurso de “Deus, armas e tolerância zero para criminosos”, que Bolsonaro alimentou para sua base conservadora durante a campanha, e as promessas de livre mercado que ele recitou do teleprompter em Davos. E ninguém sabe que políticas conduzirão a oposição da Venezuela se chegarem à presidência. A distância é considerável entre o bolsonarismo e o conservadorismo mais mutante de seus vizinhos. Considere o presidente chileno Sebastián Piñera, um ex-magnata de cartões de crédito, cuja inabilidade política e fé precoce em soluções de mercado colidiram com a fúria pública e quase paralisaram seu primeiro mandato conflituoso de 2010 a 2014. Eleito para outro mandato no final de 2017, ele se voltou para o centro e ajustou sua crença em mercados abertos para abraçar bandeiras socialmente liberais, como direitos de gênero, proteção para pessoas LGBT e grupos indígenas, e novas multas duras para violações ambientais. 

A visão fica ainda mais sombria na Argentina, onde Macri, independente e pró-negócios, foi eleito para resgatar a economia do populismo canalha de Cristina Fernandez de Kirchner, para depois descobrir que seu gradualismo fiscal não agradou nem os investidores e a elite empresarial da Argentina nem o público em geral frustrado por uma recuperação quimérica. 

E como classificar o colombiano Ivan Duque, um protegido do "caudilho" nervoso de direita Álvaro Uribe, mas muito mais próximo, em sensibilidade, ao centrismo mais conciliatório de seu antecessor difamado e um tanto ineficiente, Juan Manuel Santos? 

"Se esta é uma maré azul, há muitos tons", disse Schuler. "Em vez de um tom predominante, provavelmente veremos muitas gradações coexistindo na região." 

Matias Spektor, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, traça uma linha entre dois ramos da direita política que competem pela ascendência no Brasil e que poderia ser estendida por toda a região. 

Uma é a direita global, que defende o Estado de Direito, instituições democráticas e maiores liberdades tanto para os mercados quanto para os indivíduos. Pense em Piñera, Duque, Macri e talvez o presidente reformista do Peru, Martin Vizcarra. 

Eles estão em franco contraste ao conservadorismo populista de Bolsonaro e, digamos, Mario Abdo Benitez, do Paraguai. 

Se há algo em comum às muitas vertentes da nova direita, é uma apreciação de que orçamentos equilibrados também podem ser uma boa política. Elogios à temperança fiscal não são novos, mas o recente consenso surgiu da decepção coletiva em relação à economia clássica de expansão e quebra da América Latina. Em nenhum lugar o fracasso é mais abjeto do que na Venezuela, o outrora famoso produtor de petróleo que viu sua produção cair pela metade sob o caos da economia bolivariana. 

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A maioria das nações latino-americanas eliminou ou está em processo de desfazer as políticas econômicas expansionistas que adotaram avidamente durante a crise financeira mundial. Anos de excesso de gastos públicos levaram a direita e a esquerda de El Salvador a se render ao conservadorismo fiscal, apesar de analistas financeiros esperarem que esse ardor possa diminuir à medida que a corrida presidencial deste ano se aproxima. 

"Há uma percepção crescente de que a estabilidade econômica e a governabilidade são importantes, e que essas são as métricas que vão fortalecer seu perfil de crédito", disse Aristodimos Iliopulos, analista para a América Latina do Barclays Investment Bank. "Houve uma grande mudança nas leis de responsabilidade fiscal em países grandes e pequenos". 

Não é que os conservadores da América Latina de repente se tornaram paladinos da boa economia. Não é preciso olhar além de Bolsonaro, que passou quase três décadas na legislatura condenando a privatização e promovendo o intervencionismo estatal. Em Davos, felizmente, Bolsonaro abandonou os ataques verbais ad hominem a minorias, mulheres e direitos humanos, que alimentaram sua campanha. Mas ele também não comunicou como ele pretende reunir o legislativo dividido e convencer os interesses especiais, especialmente os militares, a apoiar a reforma previdenciária e devolver o país à solvência. 

O liberalismo econômico ainda não ganhou o dia. "Não espere um amplo consenso liberal", diz Schuler. "Com os teimosos níveis de pobreza e desigualdade da região, a América Latina será sempre um caldeirão político, vulnerável aos encantos do populismo da esquerda ou da direita". Essa é uma advertência que Juan Guaidó, ou quem quer que se levante para governar do desastre venezuelano, precisa ter em mente. 

 

Margolis é colunista da Bloomberg Opinion e cobre a América Latina e a América do Sul. Ele foi repórter da Newsweek e é autor de "O Último Novo Mundo: A Conquista da Fronteira Amazônica".

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